Nasceu no Porto. Apresente-nos a família.
A minha mãe era costureira, trabalhava em casa e ia duas, três vezes por semana a casa de algumas famílias da Foz do Douro fazer uns arranjos. O meu pai era vendedor de material de construção, saía de manhã, vinha à noite, quando não ficava fora algumas noites porque na altura era difícil viajar. Relativamente aos irmãos, nós somos cinco filhos mas só se comemoram três aniversários [risos].
Explique lá isso.
As minhas irmãs mais velhas nasceram passado um ano no mesmo dia e no mesmo mês, depois nasceram um irmão e irmã, que são gémeos. A seguir é que vim eu, sou o caçula.
O único que se tornou futebolista?
O único que se tornou futebolista, o único que tem uma altura acima da média dos portugueses, o único que nasceu com olhos claros. A minha mãe não vai gostar muito que diga isto mas a verdade é que sou completamente diferente dos meus quatro irmãos [risos]. A minha irmã, a segunda mais velha, é pequenina de cabelo preto, olhos pretos, não tem nada a ver comigo.
Deve ter algum avô ou tio com olhos azuis ou verdes a quem saiu.
Pois, os pais dizem sempre isso "o teu bisavô já era assim". Mas não o conheci. Costumo dizer na brincadeira que a pessoa mais parecida comigo é o abade da igreja de Nevogilde [risos].
Sendo o mais novo foi o mais mimado?
Sim, fui. Eu tive uma infância feliz no Bairro da Previdência, na Pasteleira, um bairro social. Não me faltava nada, tinha o que comer, tinha bicicleta, tinha acima dos mínimos. Hoje tenho consciência dos sacrifícios que os meus pais fizeram para que não me faltasse nada. E, como era o mais pequenino, era até um puto giro, lourinho, de cabelos aos caracóis e olhos azuis, era muito paparicado pelas minhas irmãs, não fazia nada em casa, tinha a cama feita, roupa lavada, comida na mesa [risos]. Foi uma infância feliz. Chegava a casa da escola, pegava na bicicleta e ia para o bairro, sempre com a bola debaixo do braço. Éramos muitos da mesma idade.
Era um puto "terrorista" ou calminho?
Como é que eu vou explicar... Eu sou muito envergonhado, sou uma pessoa que me custa dar a conhecer. Há quem possa pensar que é por arrogância, mas eu conheço-me bem e quem me conhece sabe que tem a ver com timidez. Portanto, na escola era aquele aluno exemplar que os professores não tinham nada a apontar. Já nos intervalos e no bairro era diferente, era um bocadinho rebelde [risos].
Tinha alguém na família ligado ao futebol?
Não.
De onde vem a paixão pelo futebol?
Não sei, acho que já nasci com ela. Se me comparar com o meu irmão mais velho, ele tinha gostos completamente diferentes, ele montava e desmontava tudo, carros, varinhas mágicas, aspiradores, era um engenhocas. Eu era bicicleta e bola. Posso contar uma história que foi a minha sorte em relação ao futebol.
Então?
Quando era pequenino começámos a fazer campismo em Cortegaça. Ainda hoje os meus pais, com 83 anos, fazem lá campismo. E ali em Cortegaça havia muita gente ligada ao voleibol, entre os quais o Miguel Maia, que é meu amigo de infância. O Maia, o Filipe Vitó, o Carlos Filipe, havia ali muita malta do voleibol. Eu jogava lá voleibol, futebol, fazia gincanas de bicicleta, fazia tudo. E tinha uma paixão enorme por voleibol. Cheguei a jogar voleibol no Fluvial e a minha sorte foi que, um mês antes de começar o campeonato, fui atropelado.
Sorte?
[Risos]. Eu fui atropelado três vezes. Uma ainda andava na pré-primária, mas a segunda foi a mais grave, o carro bateu-me, passei por cima e só cai lá atrás, parti a clavícula e fui operado duas vezes. E essa foi a minha sorte porque como parti a clavícula, tinha de ser operado passado dez meses para retirar as placas e parafusos, e perdi também alguma mobilidade na clavícula esquerda, o que me obrigou a deixar o voleibol. Tinha 13/14 anos. Por isso é que digo que foi a minha sorte porque me dediquei exclusivamente ao futebol.
Nunca se sabe se não se perdeu um grande voleibolista.
Sim, tenho uma grande paixão pelo voleibol, sempre tive, mas acho que a minha vida foi muito melhor estando ligado ao futebol.