A casa às costas

“Estou mortinho para ir às largadas de touros com o fato do Borat. Quando não tiverem coragem, mandem o Ukra que o Ukra não tem vergonha”

“Estou mortinho para ir às largadas de touros com o fato do Borat. Quando não tiverem coragem, mandem o Ukra que o Ukra não tem vergonha”
RUI DUARTE SILVA
O futebolista mais conhecido das redes sociais, pelas brincadeiras constantes que publica, com os colegas e com a família, renovou esta semana contrato com o Santa Clara, aos 31 anos, e já tem um desejo para os próximos tempos nos Açores: "Quero ir às largadas de touros na ilha Terceira. Estou mortinho para lá ir com o meu fato do Borat". Ukra é conhecido por não ter "vergonha de nada" e, desafiado, "faz tudo", como contou à Tribuna Expresso, na Casa às Costas n.º 100, recordando uma carreira que já passou por FC Porto, Sporting de Braga, Olhanense, Rio Ave, Al Fateh, CSKA Sofia. A Tribuna Expresso republica esta entrevista de 2019

É de Famalicão. Apresente-nos a sua família.
O pai meu tinha e ainda tem uma fábrica de confecção. Os meus pais agora estão separados mas na altura estavam juntos e a minha mãe trabalhava com o meu pai, ajudava-o no negócio da confecção. Tenho um irmão mais novo, o Marcos, que faz agora 26 anos. Fui eu que lhe dei o nome.

Porquê Marcos?
Porque quando ele nasceu eu andava na pré-primária e o meu melhor amigo chamava-se Marcos Manuel e eu dei esse nome ao meu irmão.

Quando nasceu e onde é que vivia?
Sou de São Miguel de Seide, a terra do Camilo Castelo Branco. No mesmo terreno da fábrica do meu pai havia a casa dos meus avós maternos e quando eu nasci vivia na parte de baixo da casa dos meus avós.

Como é que era na infância? Traquina, sossegado?
Era um chorão. Acho que chorei tudo o que tinha para chorar quando era bebé e criança e fiquei com a alegria toda para o resto da vida [risos]. Pelo menos é o que a minha avó diz, porque a minha mãe ia trabalhar com o meu pai e eu ficava mais tempo com os meus avós. Quando a minha mãe vinha à hora de almoço também dizia que eu chorava muito. Todos diziam, as minhas tias os meus tios diziam que eu era muito chorão, que era muito difícil de aturar.

Quando era pequeno o que é que dizia que queria ser?
Eu sempre quis brincar com as bolas. Quando andava na pré-primária, a minha alcunha era o Bolinhas, só queria bola, chutar, só queria andar com a bola para me divertir.

Tinha alguém na família ligado ao futebol?
Não.

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Em casa torcia-se por que clube?
Pelo Famalicão, o clube da minha terra e que é o meu clube. Fiz lá a formação. Mas em casa todos torcem pelo FC Porto.

Como é que vai parar ao Famalicão? Quando é que o futebol começa realmente a importar?
Ao início queria ser guarda-redes e as primeiras chuteiras que a minha mãe e o meu pai me compraram até foram umas da Kronos, que tinham a assinatura do Vitor Baia na parte detrás. Eu gostava muito dele, queria ser guarda-redes. Os primeiros treinos no Famalicão penso que até foram à baliza, só que depois via todos a tocar mais vezes na bola, a fazer golos, a ter mais contacto uns com os outros e na baliza a bola raramente chegava lá. Deu-me um fraquinho para ser jogador de campo.

E vai logo para avançado.
Porque eu era muito rápido quando era novinho e eles metiam-me lá à frente para correr. Era mais rápido do que os outros e fazia a diferença na altura.

Mas como e com que idade é que foi para o Famalicão?
Tinha sete anos e não tenho bem a certeza, mas os meus pais sabiam que eu gostava de jogar, que queria ir para a baliza e como viram que eu tinha vontade e queria alguma coisa relacionada com o futebol, para me fazerem feliz levaram-me aos treinos do Famalicão.

Esteve lá quantos anos?
Estive dos sete até infantil de segundo ano. Fui para o FC Porto como iniciado de primeiro ano, com 13 anos.

Como é que surge o FC Porto?
Um ano antes de ter ido já tinham mostrado interesse. Também já havia interesse do Sporting, do Benfica, do Sp. Braga, do V. Guimarães porque em infantis fomos campeões distritais por Braga e havia o Interassociações e na altura o olheiro, o senhor Craveiro, aqui do Porto, já me tinha visto algumas vezes. No primeiro ano já tinha falado com o meu pai, só que o meu pai achava que eu ainda era muito novo. No segundo ano continuaram a insistir e lá conseguiram que eu fosse treinar ao Porto e ficasse.

Quem o levava aos treinos?
Ao início era o meu pai, entretanto houve um guarda-redes que era lá de Famalicão, o Daniel, que também foi para o Porto e a fazíamos uma semana cada um. Uma semana levava o pai dele e na outra o meu.

Da escola, gostava?
Na escola tínhamos horário de tarde, as aulas acabavam às seis e um quarto e nós tínhamos que estar até às sete e meia na Constituição que era quando começavam os treinos. Eles tinham que estar no portão da escola às seis e um quarto para nos levar para o Porto. Às vezes era complicado porque apanhávamos a hora de ponta e chegávamos atrasados aos treinos, mas eu até ir para o Porto era bom aluno. Tirava quatros, cincos, poucos três, tirava boas notas. Mas desde que fui para o Porto, naquele ano de transição do Famalicão para o FC Porto, nesse ano perdi-me. Até acho que reprovei porque acabava a escola, ia para os treinos ao Porto, chegava a casa, a Famalicão, por volta das dez, jantava e só queria ir para a cama descansar, estava cansado. Desleixei-me um bocadinho na escola. Entretanto no ano a seguir o meu pai meteu-me no colégio Ellen Key ao pé das Antas e fui, não posso dizer um bom aluno, mas fui fazendo a escola. Tenho o 11.º incompleto, não acabei porque também fui pai aos 19 anos, fui pai muito cedo.

Já lá vamos. Estava a contar que vai para o Porto com 13 anos, está lá dois anos e depois vai para o Padroense.
Que é a equipa satélite do Porto. Como éramos juvenis de 1.º ano para podermos jogar no campeonato nacional, para termos mais competitividade, para evoluirmos, tínhamos que ter outro nome, não podia ser Porto A e Porto B. Era o Padroense. Jogávamos contra jogadores mais velhos do que nós, e mesmo contra o FCP. Nesse ano fomos à 2.ª fase, mas não passamos da 2.ª fase. Ficámos num grupo com o Boavista, com o Vitória de Guimarães e com o Leixões.

Continuou a viver em casa dos seus pais?
Continuei. O meu pai preferiu ter-me em casa e fazer as viagens todas. Preferiu ter-me debaixo da alçada dele, tinha mais controlo. Mesmo eu nunca pedi ao meu pai para ficar lá, preferia ir para casa.

Quando é que assina o seu primeiro contrato? Quando é que ganha pela primeira vez dinheiro com o futebol?
Quando era iniciado de 1.º ano eles já nos pagavam dois contos e meio na altura. E nos iniciados de 2.º ano eram cinco contos. O meu pai guardava tudo, às vezes até ficava dois ou três meses sem ir lá receber e depois recebia mais um bocadito. O meu pai tinha uma conta no banco e guardava-me o dinheiro.

E o seu primeiro contrato profissional?
Profissional foi quando era júnior de 1.ª ano. Ganhava 875 euros, acho eu.

Naquela fase dos 15 anos para a frente em que começam as saídas à noite e as noitadas. O Ukra era de noitadas?
Não, nunca fui e mesmo agora é muito raro. Não me puxa. Se calhar depois de estar lá, até gosto, mas só o facto de “olha, agora vamos sair”, eu prefiro estar num café com os amigos, em casa a falar, a contar histórias, do que sair. Sempre fui assim.

Foi pai aos 19 anos. Como e quando é que conhece a sua mulher?
Foi um primeiro relacionamento. Conheci a Mafalda na escola, na Ellen Key. Ela é a mãe das minhas duas primeiras filhas, a Francisca e a Carlota.

Começaram a namorar com que idade?
Com 17, 18 anos. Ela depois engravidou da Francisca.

Não eram casados.
Não, nem chegámos a casar.

Quando ela lhe disse que estava grávida qual foi a sua reação?
Ao início foi um choque.

Não estavam à espera?
Estávamos e não estávamos. Era uma coisa que já tínhamos pensado, mas na altura éramos crianças, não é?

Ainda vivia na casa dos seus pais?
Vivia e ao início foi mais um choque para mim do que para ela. Foi muito difícil para o meu pai aceitar porque ainda era muito novo, ainda tinha muito para gozar. Foi um bocadinho complicado, mas sabia que com o tempo iria passar, é normal. Sabia que quando ela nascesse se calhar o muito da frustração que ele teve de eu ser pai cedo ia passar. Na altura era uma, agora tem três e ele desfaz-se em amores pelas netas.

Nessa altura vai viver com ela?
Continuo em casa do meu pai. Quando a Francisca nasceu eu tinha acabado o Campeonato da Europa de sub-19. Acho que a gente regressou dia 20, ela nasceu no dia 26 de julho.

Assistiu ao parto?
Não. Foi a mãe da Mafalda que assistiu. Assisti ao da Carlota. E agora da terceira, mandei a minha sogra, como era a primeira neta, assistir. Mas estava a contar que vim do campeonato da Europa dia 20, ela nasceu dia 26 e como no ano seguinte era sénior de 1.º ano e fui para o Varzim, foi quando começámos a viver juntos. Fiquei na mesma em Famalicão, em casa da minha mãe e do marido da minha mãe, porque eles estavam na Suíça e a casa estava sozinha e fui para lá com a Mafalda e a Francisca, fomos viver para casa deles.

Teve pena de ir para o Varzim e não ter ficado no FC Porto?
Não, porque há uns anos a transição de júnior para sénior não é como hoje em dia. Eles agora têm os sub-23, têm as equipas os Bs, têm a Liga dos Campeões de sub-19, na altura só tínhamos o campeonato nacional de juniores e éramos logo seniores. Na altura não havia equipa B no FC Porto. Lembro-me que três ficaram no plantel principal, o Castro, o Rui Pedro e o Ventura. Eu, o Candeias e o Fredson, um cabo-verdiano que estava connosco, fomos para o Varzim e o resto dos jogadores ficaram na 2.ª B. A transição era mais complicada, já fiquei feliz por ir para um clube da 2.ª Liga, um clube como o Varzim, um clube com nome e com história.

É conhecido por pregar muitas partidas e ser muito bem disposto. Quando é que começam as suas brincadeiras?
Desde que me conheço, desde que fui para o FC Porto em iniciado, comecei a ter mais noção das coisas, sempre fui muito divertido, não fazia partidas como faço agora, mas no dia a dia, na interação com as pessoas, sempre fui divertido, com respostas que ninguém está à espera, sempre fui muito para a frente. Sempre fui muito brincalhão nas camadas jovens, quando estive no Varzim, no Olhanense, mesmo no FCP.

RUI DUARTE SILVA

Os treinadores nunca lhe disseram nada, nunca o chamaram à atenção?
Não, porque uma das coisas que tenho de bom é que… As pessoas pensam que estou sempre na brincadeira e que brinco com tudo o que faço, mas não, quando é para treinar e para trabalhar, eu sei que é para trabalhar, também tenho a parte séria, não vou brincar com o meu trabalho e com o trabalho dos outros. Mas quando há pausas e quando posso, às vezes até não há brincadeira, só há alegria. Muitas vezes as pessoas confundem a brincadeira com a alegria no trabalho, trabalhar com alegria. É totalmente diferente do brincar com o trabalho ou trabalhar na brincadeira. E eu consigo separar. Muitos treinadores, já tive um caso na Bulgária, vêm falar comigo e dizem: “Ukra, quero que tu desde que entras no campo até saíres não brinques. Porque tu sabes quando deves brincar, quando deves meter alegria no treino e quando é para trabalhar, tu trabalhas. Mas muitos não conseguem fazer essa separação ou ter noção disso. E depois tu entras na brincadeira com eles e eles ficam na brincadeira o tempo todo. E inconscientemente também os prejudicas. Por isso peço-te que desde que entres para o campo que não brinques, que sejas sério”. Tenho que respeitar.

Mas custa-lhe?
Custa um bocado porque a minha maneira de ser, a minha personalidade é de alegria. Quando estive na Arábia e me lesionei no joelho pela primeira vez, não foi nada de grave, mas estive praticamente duas semanas parado, ia ao posto médico fazer o tratamento e o treinador e os meus colegas vinham ter comigo e diziam: “Ukra, o treino sem ti não é a mesma coisa. Parece que estamos num funeral, ninguém faz nada, ninguém fala”. Depois quando comecei a treinar, só o facto de estar a correr à volta do campo, já parecia que havia outro ambiente no campo.

Esse seu lado bem disposto e brincalhão, sai a alguém da família?
A minha mãe também é assim, muito engraçada, muito espevitada. Deve ser a pessoa que em termos de personalidade é mais parecida comigo. Agora em termos de filhas, elas estão todas a ficar iguais ao pai. Já levo um agitamento em casa que é demais [risos].

Essa época no Varzim como é que lhe correu?
Adaptei-me bem.

Quem era o treinador?
Era o Diamantino Miranda que em janeiro foi para o Olhanense e veio o Dias. Mas foi um ano de transição por isso um ano complicado, realidades diferentes. Nós estávamos habituados às camadas jovens.

O que lhe custou mais?
Se calhar a exigência. Não é que no Porto não tenha exigência. Jogar no Porto é sempre exigente, a gente quer sempre ganhar, mas jogamos com jogadores são todos da mesma idade, enquanto ali apanhei jogadores como o Alexandre que devia ter 34, 35 anos, apanhei o Emanuel que tinha 34, o Marco Cláudio, Nuno Rocha, jogadores já experientes. A gente às vezes corria muito e eles corriam metade do que nós e faziam mais do que a gente se esforçou. Tinham outra experiência, outra ratice e é normal. Também é bom ter num plantel jogadores jovens que tenham criatividade e um bocadinho mais de dinâmica ao jogo, que criem desequilíbrios, que se calhar os jogadores mais velhos já não conseguem criar, isso também é bom, mas eles vão compensando com a experiência outras coisas que a gente não tem.

Nessa altura retraiu as suas brincadeiras?
Não, eles a mim diziam-me: “Ó Ukra, ainda te vamos pôr nu no campo”, porque eu pegava com todos. Desde o Alexandre, o capitão do Varzim, que era o mais sossegadinho, brincava com todos. Até hoje não há um balneário em que um fique de lado. Gosto de brincar com todos. É lógico que quando chego a um clube tenho que apalpar terreno e perceber como é que são, como é que reagem, como é que não reagem, porque muitos aceitam certo tipo de brincadeiras, mas outros não. Mas ao fim e ao cabo, passado algum tempo eles vêem que eu sou assim e se calhar as brincadeiras que não aceitavam, já aceitam.

Quem foi o jogador que fez mais parelha consigo, que foi mais seu compincha?
Mais compincha... No Porto e no Olhanense tinha o Castro. Tínhamos feito juntos a formação toda. Depois fui para o Olhanense estive com o Jorge Costa na 2.ª Liga e na 1.ª Liga, estive no Porto ano seguinte com ele e depois ai, cada um seguiu caminhos diferentes, mas mantemos sempre contato. Mas até a altura do Porto era o Castro que alinhava mais nas brincadeiras.

As ideias são sempre suas?
Quase, para aí 90% das ideias saem da minha cabeça. Os outros 10% são ideias dos outros que não têm coragem para as fazer e dão-me a mim: “Ukra e se fizesses isto?”. Quando não têm coragem mandam o Ukra, já sabem que o Ukra não tem vergonha, que faz tudo [risos].

Depois do Varzim vai para o Olhanense. Vai com a sua família lá para o Algarve?
Na altura fui sozinho, o meu pai depois foi visitar-me porque tem um irmão a viver em Olhão há muito tempo. Mas fui sozinho porque não tinha casa, estava num hotel e entretanto estive uma semana numa casa com três colegas. Com o Ricardo Ferreira, o guarda-redes do Portimonense, com o Steven Vitória que esteve no Estoril e nos juniores do Porto comigo e no Benfica; e com o Ricardo Campos, que é guarda-redes e este ano acho que estava no Leiria. Estive com eles uma semana até arranjarmos casa. Na altura falei com o meu tio que estava em Olhão e já conhecia a cidade, para ver se tinha conhecimentos para arranjar uma casa. Quando consegui a casa, a Mafalda e a Francisca foram viver comigo.

AFP

Adaptou-se bem a Olhão, gostou de viver no Algarve?
Adaptei e gostei muito.

E o Jorge Costa como treinador?
Espectacular, muito bom. Uma pessoa lembra-se do Jorge Costa como jogador, aquele jogador aguerrido, agressivo no bom sentido, duro e eu pensei, vou para o Olhanense, será que nos treinos vai ser assim? Será que vai querer mais agressividade? E quando lá cheguei encontrei uma pessoa, um treinador completamente diferente daquilo que ele era como jogador. Um treinador que gostava de ter a bola, gostava de jogar, com bons princípios, bom treino e surpreendeu muito pela positiva.

Esteve dois anos no Olhanense e depois regressa ao FC Porto, com o André Villas Boas. Como é que foi a experiência com ele?
Espectacular, muito bom mesmo. Apanhei muitos bons treinadores ao longo da minha carreira e, de todos, penso que o Villas Boas foi o mais completo de todos. Em termos de comunicação, de treino, de ideia de jogo, foi o mais completo de todos.

Nesse ano regressa ao FC Porto e é campeão.
Em janeiro vou para o Braga.

Por que vai para o Sp. Braga?
Porque foi o ano em que o Porto ganhou tudo. Um ano em que o Hulk estava muito bem, o Varelinha tinha vindo de uma lesão da perna e estava muito bem também, depois ainda tinham o Cristian Rodriguez na minha posição, o James Rodríguez que também fazia de extremo e número “10”. Penso que fiz uns 10 jogos, contando com o campeonato, a Taça de Portugal e a Liga Europa. Sei que mesmo só nos treinos, estando diariamente com eles, com jogadores com qualidade como o Falcão, o João Moutinho, o Guarín, Fernando, Rolando, Fucile, grandes jogadores, eu ia aprendendo, ia evoluindo, mas uma pessoa quer é jogar. Na altura saí eu e o Castro. O André Villas Boas não nos queria deixar sair porque dizia que mesmo não jogando éramos muito importantes para o plantel, não só pelo ambiente, mas também porque mostrávamos nos treinos diariamente como é que se trabalha. O exemplo que dávamos aos outros, mesmo sendo mais novos e não jogando, era muito bom. Nós treinávamos sempre no máximo e ele queria que servíssemos de exemplo para aqueles que jogavam não relaxarem, para trabalharem e poderem ter uma oportunidade. Mas nós queríamos jogar, eu fui para o Braga e ele para o Sporting de Gijon.

Tinha empresário?
Tinha, na altura era a Gestifute. Ia falando com eles todas as semanas, dando a minha opinião, o que que queria, o que não queria, eles também davam a opinião deles, até que surgiu a oportunidade de ir para o Braga.

Quando regressa ao FC Porto, vindo do Olhanense, ia com algum receio?
Não tinha receio dos treinos ou de regressar ao Porto. Lógico que estava com aquele nervoso miudinho de regressar, é o sonho de qualquer jogador que fez a formação no Porto, regressar ao plantel principal. O que mais me fazia confusão era, será que um Hulk, um Falcão vão aceitar as brincadeiras que faço diariamente? Como é que eles são? Isso é que me deixava um bocadinho mais com o pé atrás. São jogadores completamente diferentes, com qualidade, com outro estilo de vida, será que me iriam aceitar da mesma forma que os outros todos aceitaram. Surpreendeu-me muito pela positiva. É normal num grupo toda a gente se dar bem, mas os brasileiros se calhar fora do campo juntam-se mais entre eles e fazem um churrasco, os argentinos, os uruguaios e os colombianos também se juntavam mais por terem a mesma língua, os portugueses também, é normal isso acontecer, mas o mais importante é que quando estamos todos juntos, a gente se dê bem. E se um brasileiro fazia anos, o Ukra ia à festa, um uruguaio fazia anos, o Ukra ia à festa, um português fazia anos, o Ukra ia. Eu estava em todas, até me diziam: “Eh pá, Ukra, tu estás em todo o lado”. É bom ver o carinho que as pessoas também têm por mim, pela minha maneira de ser, deixa-me contente porque eu sou assim, não faço isto para agradar às pessoas. Costumo dizer que se Deus que é Deus não agrada a toda a gente, eu também não faço por agradar, nem ouço muito o que as pessoas dizem, sobre o que devia ou não devia ter feito. Às vezes ponho fotos mais chocantes com a minha mulher e sinto que pensam que não devia ter feito isto ou aquilo, mas faço porque a minha relação com a minha mulher também é assim. O meu dia-a-dia é assim, a minha vida é assim e se ponho é porque não tenho problema nenhum em mostrar como sou.

Mas alguma vez fez alguma brincadeira a alguém que essa pessoa tenha ficado mesmo chateada consigo?
Não. Quando conheci a minha atual mulher ela era mais reservada, mais fechada um bocadinho, mas com a convivência está muito mais espevitada, muito mais sociável. Ela diz que não aguenta 24 horas de brincadeira e às vezes diz: “Ouve lá, sai um bocadinho de casa que já não te posso aturar” [risos].

Ela alinhou bem naquela foto da vaselina?
Alinhou. Da vaselina, das sombras, tenho algumas com ela. Alinha porque a nossa relação é assim e se a gente se sente bem assim, acho que o mais importante é o que fica dentro das quatro paredes da casa, é o bom relacionamento que tenho com ela. Posso dizer que, em seis anos, é normal haver discordância em algumas coisas, mas discussão nunca houve e isso é bom. É bom sermos uma família feliz, agora com as pequenas em casa, é sempre alegria. Não tenho três crianças em casa, tenho quatro, diz ela [risos].

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Então nunca nenhum colega ou treinador ficou mesmo chateado consigo.
Não, porque eles vão sabendo como é que eu sou. Por aquilo que passo e sei, também é bom ter assim alguém no balneário. Alguém que, quando as coisas estão a correr menos bem, não deixe andarem todos cabisbaixos, tristes. É lógico que eu também fico triste, não gosto de perder. Como é que hei-de explicar? Eu fico triste quando perco mas não demonstro às pessoas que fico triste. Sinto por dentro, mas por fora não consigo andar de rosto fechado. É normal que quando saio do jogo, venha com o rosto mais fechado mas isso depois passa e não quer dizer que já esqueci a derrota e estou feliz, não. Mas não gosto de levar as tristezas para casa, gosto de chegar a casa e pôr um bocadinho o futebol de lado, porque já perco muito tempo com o futebol e gosto de me dar mais à família. Posso dar um exemplo: antes passava os finais de semana em casa sempre a ver futebol e agora é muito raro ver futebol, posso dizer que da Liga dos Campeões dos últimos quatro anos só vi uma e esta última, vi pouco tempo. Prefiro gastar mais tempo com as minhas filhas já que estive longe, do que estar a ver futebol.

Recorda-se da final da Liga Europa em que o Ukra era jogador do FC Porto mas estava emprestado ao Braga...
E fui campeão porque o Porto ganhou.

Estava dividido?
Não. E digo sempre às pessoas que se o Braga ganhasse a Liga Europa, ia-me sentir campeão na mesma, mesmo não jogando. Joguei no campeonato pelo Braga, mas não joguei na Liga Europa porque tinha jogado no Porto. O Braga tinha vindo da Liga dos Campeões e tinha ficado em 3.º no grupo e desceu para a Liga Europa. Se fosse em competições diferentes, se o Braga tivesse ganho a Liga dos Campeões eu podia jogar no Braga, mas como veio para a Liga Europa, deixei de poder jogar. É muito difícil explicar porque eu estava no Braga, o Porto ganhou e eu fui campeão, fiquei triste porque o Braga perdeu. Se o Braga ganhasse ia ficar contente mas ia ficar triste na mesma porque o Porto tinha perdido... É um misto de sensações que é muito complicado explicar.

Esteve no Sp. Braga com o Domingos e depois com o Leonardo Jardim. Muito diferentes um do outro?
Diferentes no estilo de jogo.

A qual é que se adaptou mais?
Gostei muito dos dois. Quando vou para o Braga no tempo do Domingos, não tenho a certeza, mas acho que o Braga estava em 7.º lugar. No meu primeiro jogo fomos à Madeira e ganhámos ao Marítimo por 2-0, se não me engano, e depois tivemos duas derrotas seguidas em casa. Perdemos com o Paços 2-1 e perdemos com o Porto. Quando houve essa sequência de jogos o ambiente não estava bom, mas depois fizemos uma boa recuperação. No tempo do Leonardo Jardim, eu tinha uma tendinite no joelho esquerdo que me estava a dar cabo da cabeça e em conversa com o doutor João Pedro, que agora está no Sporting, decidimos fazer uma limpeza ao tendão e estive até janeiro a recuperar. Entretanto em janeiro quando me inscreveram outra vez na Liga, penso que ainda fiz 14 jogos, fiz dois golos se não me engano, ainda deu para jogar um bocado.

Teve pena de não voltar depois ao FC Porto e de ter ido para o Rio Ave?
Sabia que depois de ter estado meio ano sem jogar por ter sido operado e ter feito a maioria dos 14 jogos a substituir e não como titular, era muito difícil regressar ao Porto. Sabia que se quisesse regressar tinha que ir para outro clube fazer uma época muito boa para voltar a ter outra oportunidade.

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Quando vai para o Rio Ave ainda tinha o relacionamento com a Mafalda?
Sim, continuava com a Mafalda, tinha a Francisca e já tinha a Carlota. A Mafalda ficou grávida da Carlota no meu 2.º ano do Olhanense e ela nasceu no dia 6 de novembro, antes do 5-0 ao Benfica no Estádio do Dragão.

Vai viver para Vila do Conde?
Não. Na altura já tinha casa em Gaia. No meu primeiro ano do Braga comprei casa aqui em Cabedelo, ia todos os dias para Braga. E no primeiro ano do Rio Ave, continuei aqui em Gaia até mais ou menos a meio da época, dezembro, janeiro, altura em que a gente se separou. Depois ela ficou em Gaia com as miúdas e eu fui para o meu apartamento em Famalicão.

Chegou ao Rio Ave e era o Nuno Espírito Santo que lá estava. Gostou dele?
Adaptei-me muito bem e gostei muito dele. Acho que a entrada do Nuno marcou uma nova era no clube. Até ali era um clube que as pessoas diziam que ia lutar pela manutenção e desde o momento em que o Nuno entra no Rio Ave é um clube que luta sempre pelos lugares europeus.

Esteve quatro épocas no Rio Ave.
Sim. O primeiro ano estive emprestado do Porto. Nos outros já tinha rescindido com o Porto que ficou com 70% do meu passe, mas era jogador do Rio Ave. Numa transferência o Porto recebia 70% e o Rio Ave ficava com 30%.

É no Rio Ave que o Ukra começa a expor as suas brincadeiras. Isso surge como? É alguém que o convence?
O André Vilas Boas, que agora é diretor desportivo, e o Tarantini diziam que eu devia publicar algumas coisas que fazia porque as pessoas mereciam conhecer o verdadeiro Ukra. Mereciam saber como é que eu era, conhecer um bocadinho a minha personalidade. Entretanto fui soltando alguma coisas. Vi que as pessoas gostavam, algumas já me conheciam do tempo do Porto e do Braga, do Olhanense e do Varzim, já sabiam como é que eu era. Para alguns não era novidade nenhuma, na altura as redes sociais não eram o que são hoje. Agora eu ponho alguma coisa e espalha-se logo pelo país. Às vezes recebo mensagens do Brasil, de França, recebo mensagens de todo o lado.

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Tem quantos seguidores?
63, 64 mil seguidores no Instagram. No Facebook tinha uns 5 mil amigos, mas já tenho vinte e tal mil a seguir, mas só as partidas, às vezes tenho videos que chegam às 150, 160 mil visualizações.

Nunca foi aliciado por nenhuma marca para fazer publicidade?
Às vezes pedem-me para pôr uma peça de roupa, sapatos ou dão-me alguma coisa e eu partilho, vou partilhando quando uso. Inconscientemente criei a minha imagem. Hoje praticamente toda a gente sabe quem é o Ukra. Eu vou a qualquer lado e as pessoas tratam-me bem, olham para mim sempre com um sorriso, falam-me não só das minhas brincadeiras, como da época que fiz, dos bons jogos, de tudo. E agora estão sempre à espera que eu ponha mais alguma coisa.

Isso cria-lhe algum tipo de pressão?
Não. Às vezes estou algum tempo sem pôr nada e as pessoas: “Então quando é que sai o próximo video ou a próxima foto? A gente está aqui à espera”. Vou sabendo como é que as coisas andam e prefiro às vezes não por tudo de seguida e dar mais espaço entre as coisas, assim quando aparece as pessoas já não estavam à espera e “olha o Ukra já fez mais uma” e se calhar o impacto é totalmente diferente do que se colocar semanalmente ou de duas em duas semanas.

Vai gerindo.
Sim, já vou gerindo um bocadinho as coisas. Porque se vou pondo sempre julgam que isto é só brincadeira, que não quero mais nada e que já me esqueço do futebol [risos].

Os quatro anos em Vila do Conde foram os anos em que fez mais partidas?
Se calhar foi. Foram os anos em que a gente fazia mais vídeos, não havia um estágio em que a gente não fizesse um vídeo. Um estágio sem vídeo não era estágio, a gente já estava a magicar o que é que ia fazer.

Quem era a grupeta que os fazia?
Eu, o Tiago Pinto, o Tarantini, mas o Tarantini era só para ver, só queria rir, o André Villas Boas, o Pedro Moreira, o Renato Santos, o Nuno Lopes, o Roderick, um grupinho porreiro. Esses eram mais para os vídeos, mas como disse eu brincava com todos, fazia vídeos com todos.

Qual foi a pior partida que fez?
A pior foi ao Nélson Monte, a do vibrador no aeroporto. Essa penso que foi a que mais gostei de fazer. Nem era para ser ao Nélson Monte, era para ser ao Pedro Moreira, só que ele nessa semana sentiu uma dor nas costas e não foi. E eu, o que é que eu vou fazer? Estava a pensar e entretanto o Nélson Monte devia ter uns 19, 20 anos e pensei: "Vai ser aqui ao Nélson" [risos].

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Como é que montou tudo?
No dia anterior fui à sexshop, comprei um vibrador, que tinha que ser cor de rosa, uma cor que desse nas vistas, tinha para uns 35 cm, era grande. A gente na mochila que leva connosco nunca leva líquidos, se levarmos temos que parar, então meti na cabeça que tinha que meter uma garrafa de água com película aderente junto ao vibrador, do vibrador eles não iam dizer nada mas a água não passa. Então no dia anterior tínhamos que estar às cinco e meia no estádio, eu fui às cinco e cinco da manhã. Cheguei ao estádio, tirei o vibrador da caixinha, meti a garrafa de água e meti na minha mala. Entretanto quando ele foi para o autocarro vi onde é que ele deixou a mala, ele subiu, eu fui lá atrás e tirei do meu saco e meti na mala dele [risos].

Alguém sabia?
Havia alguns que já sabiam porque eu já tinha aquilo em mente há mês e meio, só estava à espera da viagem para a Madeira. O Tiago Pinto, o Tarantini e o Roderick já sabiam e estavam a segurar o Nélson para eu ir à frente e poder filmar. Quando passou a senhora pergunta: “De quem é esta mala?” E ele: “É minha”. E a senhora: “Tem líquidos na mala.” E ele: “Não, é impossível ter líquidos porque eu não tenho nada”. E ela: “Tem, tem”. E ele: “Impossível”. E a senhora: “Então vou passar outra vez a mala”. Pegou outra vez e disse: “Tem líquidos. Abra a mala, se faz favor”. Quando ele abriu, tirou o saco de plástico, olhou lá para dentro e começou a rir e até foi a senhora que tirou o vibrador [risos].

Ouvi falar também de uma table dance para o Tarantini.
Fiz, sim senhora, no nosso ginásio, no Rio Ave. Acho que foi na primeira semana do Pedro Martins. Estava a fazer a table dance para o Tara, tenho em vídeo, só que há muitas coisas que a gente faz que não pode publicar. Estava a fazer e na altura entrou o preparador físico do Pedro Martins no ginásio. Parámos todos, ele ficou a olhar para nós, não estava a perceber o que é que se estava a passar ali [risos].

Qual foi a pior que lhe fizeram?
A única coisa que me fizeram foi este ano, foi o João Lucas, no Santa Clara. Estava no aeroporto com o Serginho, o guarda-redes, eu ia comprar um brinquedo para a Camila, que era pequenina, queria um que fizesse barulho mas que desse para ela pôr na boca. E ele ia também comprar qualquer coisa para o filho dele. Quando entrámos na loja do aeroporto vi o fato do Borat, virei-me para ele e disse-lhe: “Ó Serginho, amanhã vou assim para o treino”. E ele: “Não vais nada”. Peguei no brinquedo para a Camila, no fato do Borat e levei. No dia seguinte entrei no balneário com o fato do Borat por baixo da roupa. O João Lucas plastificou-me o carro e depois pintou com o fato do Borat. Este ano, no Carnaval, o diretor chamou-me ao balneário, disse que queria falar comigo e, quando saio do balneário, estavam uns cinco ou seis com balões de água e molharam-me a mim e ao Francisco Ramos. Assim partidas, penso que foi só este ano que me fizeram. O normal é ser eu a fazer a alguém. As pessoas depois estavam à espera que eu fizesse uma partida ao João Lucas, mas não cheguei a fazer.

Mas já tinha pensado nela…
Eu já tinha uma, queria encher-lhe o carro de esferovite e ia pôr-lhe o carro à venda, ia receber chamadas atrás de chamadas por causa do carro. Era isso que tinha em mente para lhe fazer, mas não cheguei a fazer.

Onde é que vai buscas as suas ideias?
Boa pergunta. Às vezes estou parado e dou por mim a pensar em fazer alguma coisa. A ideia da vaselina surge quando nós estávamos já na A2 em direção ao Algarve. A minha lua de mel foi no Algarve. Estava a conduzir e passou-me aquilo pela cabeça, da vaselina. Disse, tenho que fazer uma foto sobre a lua de mel, tenho que por aqui alguma coisa e foi isso.

E a sua mulher, a Neuza, alinhou?
Alinhou. Disse-lhe: “Fazes que estás a apanhar uma coisa da mochila ou do chão e eu tiro a foto, senão ainda ouves algumas coisas que não queres ouvir”. Na foto das sombras também estava no Algarve e foi também foi uma coisa que me passou assim pela cabeça, do nada. “Olha vamos fazer uma foto das sombras, vamos brincar com as sombras”. Estávamos na parte de cima dos apartamentos novos em Olhão, o meu pai estava a apanhar sol com a mulher dele, estavam lá as minhas duas filhas e eu a ver consoante o sol, qual era a sombra da posição, qual não era, sempre a tirar fotos, e o meu pai: “Então essa foto sai ou não sai? Quero ver”.

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Os seus pais e os seus sogros sempre alinharam?
Sempre. Lógico que muita gente faz comentários do género “o pai dela é que não vai gostar” ou “ela deixa-se expor assim desta maneira”, só que é como digo, não ligo muito ao que as pessoas dizem porque a minha relação é assim. E recebo também comentários que dizem: “Isto sim é um casal. Um casal com cumplicidade, com alegria, que mostram amizade acima de tudo”. Se calhar alguns dos que criticam fazem coisas piores do que uma simples foto, uma simples brincadeira. Falo das fotos à frente do pai e da mãe da Neuza, falo de tudo, não tenho problema nenhum e eles sabem como é que eu sou. O mais o importante é saber como é que as pessoas me conhecem, o relacionamento que eu tenho com a família dela e o relacionamento que eles têm comigo. Eles já não dizem nada, o que querem ver é a filha feliz e bem tratada.

Quando e onde é que conheceu a Neuza?
Conhecia-a no carnaval de 2013. Já estava no Rio Ave.

O que é que ela faz?
Quando a conheci estava a trabalhar na Santa Casa da Misericórdia, em Vila do Conde.

Foi amor à primeira vista?
Diria que não. Na altura eu tinha-me separado há pouco tempo e quando a conheci ela foi mais um ombro amigo, para falar e desabafar. Conheci-a em fevereiro, ia almoçar com ela, falava com ela diariamente e posso dizer que o primeiro beijo que a gente deu foi em finais de março. Eu nunca tinha tentado nada com ela, nem ela comigo.

Ficou muito abalado com a separação da Mafalda?
Lógico, quando estamos com alguém nunca pensamos que as coisas vão dar mal, já tinha duas filhas. É algo que a gente não deseja. Já tinha passado pela separação dos meus pais que também não foi fácil, era miúdo tinha 12 anos. O facto de eu já estar com a Mafalda há sete anos, não é uma vida, mas é muito tempo. Já estávamos com rotina, já estávamos habituados um ao outro e o facto de termos duas filhas. O que eu mais queria era que as minhas filhas não sentissem.

Quando os seus pais se separaram o que foi mais difícil para si?
Por um lado ficamos, não é contentes, mas ficamos com duas casas, vamos para o pai, vamos para a mãe e andamos a mudar sempre. Mas acho que toda a gente prefere ver os pais juntos, a família reunida do que acontecer assim uma separação. Mas prefiro que eles estejam separados e felizes do que juntos e não se darem bem e estarem juntos só para os filhos não sentirem ou para os filhos estarem contentes.

Tem meios irmãos?
Tenho, dos dois. A companheira do meu pai já tinha dois filhos, um rapaz e uma rapariga e o marido da minha mãe, já tinha duas filhas.

Hoje em dia eles dão-se bem?
Dão. Ao início é sempre complicado. Mas tive agora no dia 2 a comunhão solene da Francisca e o baptizado da Camila e depois juntámo-nos todos numa quinta. Estava a minha família, estava a família da Neuza, estava o marido da minha mãe, estava a Mafalda com a família dela. É uma coisa que se calhar é muito raro acontecer. A Francisca faz anos, a gente faz uma festa em nossa casa e a Mafalda vem. A Mafalda faz festa em casa dela, a gente vai. Quando eu estava na Arábia, estava com a Neuza e ainda não tínhamos a Camila, a Mafalda estava aqui no Porto com a Francisca e com a Carlota e os pais da Neuza iam ao Porto buscar as minhas filhas para irem passar o fim de semana com eles. E nem eu, nem a Neuza estávamos cá. Acho que isso é muito bom e acho que é assim que tem de ser. O passado marca-nos a todos, mas o passado é passado e temos é que olhar para o presente e para o futuro e o mais importante é que toda a gente se dê bem.

Como é que vai parar à Arábia Saudita?
Eu acabei o contrato com o Rio Ave, na altura já tinha assinado contrato com a Proeleven.

Porque é que deixou a Gestifute?
Quando rescindi com o Porto, fui para o Rio Ave e o acordo que a gente fez por palavra, foi que eu ia para o Rio Ave ajudava o Rio Ave a ir às competições europeias e eles depois ajudavam-me a estabilizar a minha vida em termos financeiros. Nesse ano, no campeonato ficamos em 10.º, 11.º lugar, como nas taças estávamos muito bem o Nuno abdicou um bocadinho do campeonato. Fomos à final da Taça da Liga e à final da Taça de Portugal, que nos deu a Supertaça no ano seguinte e o playoff para a Liga Europa. Nesse ano fiquei à espera que alguém me ajudasse, ninguém ajudou. Entretanto apareceu o Simão Coutinho que já tinha jogado comigo nas seleções, ele trabalhava com o Carlos Gonçalves e com o Vitor Gonçalves na Proeleven e veio falar comigo. Gostei da abordagem que me fizeram e assinei por eles. Nesse ano, o Rio Ave acabou a época, fiquei livre, apareceram algumas coisas e o Sá Pinto tinha ido para o Al Fateh e queria que eu fosse com ele.

E o Ukra queria sair do país nessa altura?
Queria, já queria sair antes só que na altura também acho que chegaram algumas propostas ao Rio Ave mas como o Rio Ave tinha 30% em caso de transferência e o Porto 70%, o Rio Ave puxava sempre para cima para ganhar mais um bocado e alguns clubes também não podiam pagar, por isso alguns negócios ficaram por terra.

Porque é que queria ir para fora? Era mais pela questão financeira?
Sim, pela questão financeira, para estabilizar. Porque aqui em Portugal ou se joga num dos três grandes e no Braga, e penso que também podemos incluir o Vitória de Guimarães, que pagam bem, e dá para ter uma vida mais estável ou então, tudo o que é daí para baixo, ganha-se dinheiro, muito mais do que uma pessoa num trabalho normal, mas a nossa profissão também é curta. Infelizmente também já fui operado três vezes aos joelhos e são anos que se perdem, são azares que a gente não quer ter mas são mazelas que vamos ter para o resto da vida. Agora posso não ter quase dores nenhumas mas daqui a 15, 20 anos posso estar com problemas de joelhos. Como também já passei por esses maus bocados, gostava de poder estabilizar financeiramente porque tenho três filhas. O meu pai e a minha mãe deram-me uma boa infância, nunca me faltou nada e eu quero seguir o exemplo que eles me deram para poder dar às minhas filhas. Lógico que não é dar tudo, têm que dar valor às coisas. Custa a ganhar, custa a ter, não é só dizer quero e tenho. Vou trabalhar por elas mas não lhes vou dar tudo de mão beijada, quero que elas cresçam, aprendam e caiam como eu caí e aprendam com os erros. As pessoas às vezes dizem, tu tens três filhas vais pagar pelos pecados todos que fizeste quando eras novo, mas posso dizer, eu às minhas filhas nunca vou proibir de nada, vou sempre explicar o que é bom o que é mau e as consequências daquilo que vivi, daquilo que me passaram e daquilo que vejo na sociedade. Eu vou alertar para certas coisas, mas elas vão ter de fazer e vão ter de cair e vão ter que se magoar e dizer “olha realmente o pai tem razão”. Porque só assim é que vão aprender.

Qual foi a vez em que caiu e mais se magoou?
Se calhar a separação, porque não estava à espera. Mas o que veio a seguir foi muito melhor do que aquilo que eu tinha. Às vezes quando caímos parece que caímos num buraco sem fundo, mas a vida reserva-nos coisas melhores do que aquilo que temos pensado para nós. Separei-me e o que veio a seguir foi muito melhor do que tive e agora vejo que até foi muito bom eu ter-me separado.

Quando lhe falaram em Arábia qual foi o seu primeiro pensamento?
Foi tentar perceber como é que era a cultura e como eles viviam lá. Eu sei que pela minha maneira de ser e de estar e de viver que vou adaptar-me a qualquer lado. E o que me fazia mais confusão era perceber como é que era porque era uma cultura e religião diferente da nossa. O Sá Pinto foi-me passando informação porque ele já lá estava a viver. Liguei para o Esmael Gonçalves que tinha estado comigo no Rio Ave e que já tinha estado na Arábia. Fui colhendo informações com os que tinham passado por lá. Fui ao Google, tirar informações também.

Perante essas informações que recolheu, do que tinha mais receio à partida?
Da Neuza. Porque as mulheres não podiam conduzir, diziam que as mulheres não podiam sair à rua sozinhas, tinham que andar com a abaya e com a burqa… Não era tanto por mim, era mais por ela, será que ela se ia adaptar bem? E ela: “vamos para a Arábia? Vamos para a Arábia”. E chegamos lá, não era uma cidade interior e eles em relação às mulheres estrangeiras davam mais liberdade e ela andava com o cabelo à mostra, andava sozinha na rua, não podia era conduzir porque na altura ainda não podiam. Na altura estava lá o Nathan Júnior, que esteve no Tondela, e quando íamos jogar fora as nossas mulheres iam as compras juntas, a pé. Não era tão mau como as pessoas pintavam. Eu até fiquei numa casa normal, não fiquei no compound.

Qual foi o costume que mais o irritou?
A mim para me irritarem é preciso fazer alguma coisa muito grave porque eu tenho muita paciência e levo tudo 'prafrentex'. Mas foi os horários das rezas. Lembro-me que quando eu e o Nathan saímos do hotel para irmos para as casas onde íamos ficar e que eram mesmo uma ao lado da outra, fomos ao Carrefour para comprar o básico para uma casa para quando as nossas mulheres chegassem terem alguma coisa. Fizemos as compras e quando íamos para pagar, era a altura da reza e eles fecham tudo. Saem das caixas, fecham o supermercado, deixam só a porta principal meio aberta. As pessoas foram todas rezar e nós ficamos lá 25 minutos à espera que eles viessem outra vez para pagarmos as compras. O importante é sabermos o horários das rezas, que para o shopping não podemos ir de calções, só de corsário porque os joelhos não podem estar à mostra, aos bancos tem que se ir de calças ou de corsário também.

Qual foi a primeira partida que lá fez?
Talvez só mais a meio da época. A do fio dental, no balneário. Cá nós tomamos banho todos juntos, lá os chuveiros são individuais e eu sabia qual era o chuveiro de que eles gostavam mais, porque era aquele em que a água saia com mais pressão e mais quentinha. E eu ia para lá e demorava mais tempo e eles punham-se a bater na porta. Havia lá brasileiros que se punham a dizer os nossos palavrões. E eu saía e punha fio dental e eles ficavam a olhar para mim. Alguns riam-se, outros queriam tocar-me no rabo e eu deixava, outros diziam: “Não Ukra, isso não é bom. No good, no good” [risos]. Eu respondia: “Olha mas é, se quiseres põe a mão que o meu rabo é muito melhor do que o de muitas árabes aqui”. Eles viam, iam dar-me chapadas no rabo, ficavam todos contentes. [risos]. Mas convidavam-me para casamentos.

E foi?
Fui. O primeiro casamento a que fui e que até pus um vídeo meu a dançar com as espadas, foi o de um primo do diretor do clube. Foram os capitães da equipa, eu o Nathan, os estrangeiros, porque eles queriam que nós vivenciássemos um casamento deles. E na altura disse-lhes, a vossa sorte é não haver álcool aqui na Arábia Saudita porque se houvesse álcool já tinha matado uns três ou quatro com as espadas [risos]. Eles começavam-se a rir. Era esse género de brincadeiras que eu tinha com eles. Chegou ao cúmulo de eu ir a outro casamento de um irmão também de um diretor de lá, em que eu não conhecia praticamente ninguém e eles faziam questão que eu fosse ao casamento. Eu devia conhecer três ou quatro pessoas que eram do clube e chegava lá e no meio de 300, 400 homens eu só conhecia esses e às vezes nem sabia deles. Eles só me convidavam para ir dançar e lá ia eu dançar. E quando era para comer, juntava-me numa mesa qualquer, a comer com as mãos.

Não lhe fazia confusão?
Adorei. Eles têm o kabsa, a comida tradicional deles, que é carneiro, eles ensinaram-me a comer com as mãos. O arroz está à nossa frente e é o nosso, mas a carne podemos ir buscar a qualquer lado. E desde que comecei a comer com as mãos que a comida passou a saber-me muito melhor, passei a comer muito mais e chegou a alturas em estágio, em que nós estávamos no hotel e a maior parte dos árabes comiam com faca e garfo e eu comia com as mãos.

Gostou do Sá Pinto enquanto treinador?
Muito. Ainda há pouco tempo estive com o Salvador Agra, que esteve no Legia, e ele disse que ficou muito surpreendido com o Sá Pinto, trabalha muito bem.

Mas as coisas não resultaram com ele na Arábia.
Nos primeiros quatro jogos tivemos três derrotas e um empate. Tivemos jogos contra o Al Hilal, na altura estava lá o José Gomes, tivemos contra o Al Nassr, onde está o Rui Vitoria, eram dois clubes grandes lá e tivemos mais uma derrota e um empate com clubes mais ou menos do nosso nível. Nós jogávamos muito bem, diziam que éramos das melhores equipas a jogar futebol. O Al Hilal foi a nossa casa ganhou 1-0, acho que só fez dois remates à nossa baliza e nós sempre em cima deles e não conseguíamos empatar ou dar a volta ao jogo. Mas jogávamos muito bem. Só que lá a diferença a maior diferença está nos jogadores árabes. Os estrangeiros vão marcar um bocadinho a diferença, é verdade, mas os clubes grandes contratam os melhores árabes também. Quatro estrangeiros podem fazer a diferença num jogo, ok, mas faltam outros sete jogadores. Não estou a dizer que não têm qualidade, têm, mas comparada com a nossa, é menor. E se os clubes grandes vão buscar os melhores árabes, os outros clubes vão sentir um bocado. Penso que foi isso que se passou.

Teve lá uma lesão grave no joelho esquerdo. Foi a pior?
Não, já tinha tido o cruzado do joelho direito, quando era júnior do FC Porto. Lá foi o cruzado do joelho esquerdo. Eu lesionei-me, fiz ressonância e na altura disseram que não tinha nada e como o joelho pouco inchou, fiz tratamento, reforço muscular, estava sem dor, ainda fiz três jogos, só que no segundo jogo a correr em frente senti que o joelho a sair e aí o joelho inchou mais. Mas como faltavam três jogos para acabar o campeonato e nos estávamos a lutar para não descer, esperei mais dois jogos , garantimos a manutenção e eu vim para Portugal. Quando vim, trouxe o exame que tinha feito antes desses três jogos, quando senti a dor no joelho, e aqui detetaram que eu nessa altura já estava sem cruzado, estava frouxo. Quer dizer que fiz três jogos lá assim. Tive que ser operado ao joelho.

Entretanto vai para o CSKA. Como é que conseguiu?
Sou operado e como tinha bom relacionamento com o presidente do Rio Ave, conhecia lá os fisioterapeutas e o pessoal todo da recuperação, pedi para que a minha recuperação fosse feita lá. Fui operado pelo Dr. Noronha, que já me tinha operado o primeiro joelho e fiz lá a recuperação até janeiro. Entretanto chegou essa possibilidade do CSKA. Eles sabiam que eu ainda ia em fase de acabar a recuperação. Quando lá cheguei estive uma semana com eles em estágio, eles iam fazer a segunda pré-época porque lá o campeonato para por causa do inverno e da neve, eles foram para Espanha fazer 15 dias, em que iam fazer três ou quatro jogos-treino e como eu não podia jogar, o clube mandou-me para o Estugarda, da Alemanha, com quem eles tinham um protocolo, fazer 13 dias de reabilitação. Saí da Alemanha bem, quando cheguei à Bulgária, a primeira e segunda semanas estive bem só que com o frio e por causa da neve os campos ficam muito duros e quando corria parecia que estava a correr em cimento. E se para quem já não tem problemas de joelhos em piso duro às vezes já dói os joelhos, os tornozelos ou as costas, eu que vinha de um lesão grave, fui sentindo uma dorzinha, uma dorzinha, a dor foi aumentando muito ao ponto que já não dava, apesar de eu ter muito limite à dor, sempre joguei com uma dorzita ou outra. Mas chegou a um ponto em que a dor no joelho já era insuportável, a subir escadas doía-me, quanto mais a correr, travar e virar. Fiz dois jogos treino e 20 minutos no campeonato. Para não estar a massacrar, voltei cá, fui outra vez ao Dr. Noronha, fiz reforço muscular. E já não voltei.

Foi uma espécie de rescisão por mútuo acordo.
Foi. Eu assinei só aqueles seis meses e se eles quisessem tinha mais um ano de opção. Como estava com dores…

Nessa altura passou-lhe pela cabeça “o futebol acabou para mim”?
Não, porque eu sabia que foi uma tendinite que eu ganhei na zona do enxerto que me fizeram. Sabia que com trabalho de reforço muscular isto ia ao sitio. Só que o campeonato lá também começa muito cedo porque tem a pausa de inverno e eles sabiam que eu não ia conseguir fazer a pré-época com eles e decidiram não acionar a opção do segundo ano.

Já tinha alguma alternativa?
Não, eu aí só queria tratar-me e tirar as dores. Não podia pensar se vou para aqui ou para ali se tinha dores no joelho.

Gualter Fatia

Então como surge o Santa Clara?
Fiz tratamento no Rio Ave, tiraram a dor, fiz reforço muscular e o meu empresário, o Carlos Gonçalves, conhecia o Paulo Araújo, que é um medico de medicina tradicional chinesa, que já tinha estado com o André Villas Boas no Xangai. Disse para eu ir ter com o Paulo e foi o que me curou. Quando já estava praticamente bom, ele pegava em mim e ia para o Parque da Cidade do Porto fazer algum trabalho de campo para começar a adaptar-me. Até que deu o aval ao Carlos, disse que eu já podia ir para o campo e que precisava de uma equipa. O meu empresário começou a ver. Surgiu o interesse do Santa Clara, do Estoril e do Famalicão para a II Liga. O Famalicão é o meu clube, onde quero ainda jogar, e se tivesse de ir até para o distrital para jogar no Famalicão, eu ia. Só que eu tinha 30 anos, vinha de um ano sem jogar. Eu sabia que o Famalicão era um projeto bom, de subida, só que era também um risco. Custou-me tanto chegar à I Liga e ganhar um certo estatuto… Imagina que na II Liga corria mal, eu depois para voltar à I Liga ou para poder dar o salto para poder ir outra vez para fora para ganhar mais um pouco de dinheiro ia tornar-se um pouco mais complicado. Eu gosto do clube, é o meu clube de coração, mas primeiro tenho de gostar de mim e da minha família e das minhas filhas. Por isso dei prioridade ao Santa Clara. Era um clube que estava na I Liga, que me quis muito, mesmo na situação em que eu estava. Mesmo estando longe das meninas, ia dar-me a oportunidade de mostrar as pessoas que estava de volta, que a lesão estava ultrapassada.

Quando foi para os Açores, foi com a sua mulher e a Camila, a sua filha mais pequena?
Sim, a Camila nasceu em Março, estava eu na Bulgária. A Neuza e a Camila foram comigo e a Francisca e a Carlota iam para lá nas férias.

Gosta dos Açores?
Muito.

Do que gostou mais?
De tudo. Para já não tem o movimento de uma cidade como o Porto, é muito pacato, muito calmo. Estamos perto de tudo.

Percebeu logo os açorianos, apesar do sotaque?
Tudo. Ao princípio custou um bocadinho mais, mas hoje até estou ao telefone com eles, a Neuza está ao meu lado e não percebe nada, só vai entendendo a conversa por aquilo que eu falo. Adorei lá estar. Tem paisagens fenomenais, sítios lindos para se ver. E eu estive só em S. Miguel. Mas quero ir às largadas de touros na ilha Terceira. Estou mortinho para lá ir com o meu fato do Borat [risos].

Gostava de voltar a sair do país?
Gostava. E a minha prioridade era sair do país.

Para algum campeonato ou país em especial?
Eu gostava muito de ir para Inglaterra, mas sei que por causa da idade agora já é complicado. Por isso gostava de voltar aos países árabes, aos Emirados, ou para o Qatar onde fui muitas vezes fazer estágios e gostei. Se me dessem a escolher era para lá que gostava de voltar. Porque fiz lá uma boa época, era conhecido, as pessoas tratavam-me bem, gostavam muito de mim, penso que fiz 25 jogos e sete ou oito golos.

A língua nunca foi um problema?
Não, nós falávamos em inglês. Mas já dizia muita coisa em árabe. Muitas vezes eles estavam a falar do treino em árabe e quando vinham falar comigo eu já sabia o que iam dizer porque já percebia muitas coisas. E isso era uma das coisas que fazia com que gostassem muito de mim, o facto de me interessar pela língua. Às vezes estava na mesa com eles e pedia mel, sal e tudo em árabe, e eles gostavam.

É crente?
Tenho fé. Mas não sou frequentador de igreja.

E supersticioso?
Não. A única coisa que tenho de fazer sempre é aquecer os joelhos [risos]. Fazer uma pre-ativação, para aquecer.

Onde ganhou mais dinheiro?
Na Arábia.

Onde investiu? Imobiliário?
Tenho uma empresa com o meu irmão na área da confeção, juntamente com a fábrica da confeção do meu pai. Tenho um apartamento mas estava a pensar em comprar agora uma casa maior, em Famalicão.

Se não fosse jogador de futebol, tinha sido o quê?
Se fosse ligado ao desporto era tenista, porque gosto muito de ténis. Mas a coisa que mais gostava de ser era arquitecto. Interesso-me muito por casas, apartamentos, design de casas, de interiores, como se faz, como não se faz. Eu tenho o jogo “Sims” em casa e jogo só para construir as casas. Como é idealizar uma casa, como é que eu gostava para mim.

Tem alguma meta a nível de idade, até onde gostava de jogar?
Quero jogar enquanto sentir prazer e sentir que posso aprender. Sinto-me bem fisicamente ainda. É uma coisa em que tenho de começar a pensar, mas não penso muito, porque quero aproveitar o presente ao máximo.

Mas o que é que se vê a fazer depois do futebol?
A mim já me disseram que ia ter muito jeito para a televisão. Gostava de estar ligado ao futebol, ou numa equipa técnica ou como diretor desportivo de algum clube. Ou trabalhar em televisão. Logo vejo.

Em televisão a fazer que tipo de programa, de humor?
Não sei. Já me disseram que tinha jeito para isso. Dou-me bem com vários humoristas, o Raminhos, Hugo Sousa, Francisco Meneses, vou ver espectáculos do Salvador Martinha. Agora não sei se tenho jeito. é pensar na altura porque se calhar hoje apetece-me uma coisa e quando chegar aos 36 ou 37 anos já me apetece fazer outra.

Quando fez a primeira tatuagem, o que foi e porquê?
Foi o nome da minha primeira filha, Francisca. Tenho da Carlota, só falta fazer da Camila. Tenho escrito "amor para sempre" e "amor verdadeiro" em árabe. Tenho outra frase no antebraço. tenho outra frase com a Neuza. Tenho duas estrelas na barriga que são da Francisca e da Carlota. Tenho a inicial da Neuza. Gostava de preencher o braço com coisas de família, o meu pai, mãe, irmão, das meninas, da Neuza, coisas ligadas à família, mas ainda não sei bem.

No início da conversa disse que o seu primeiro ídolo era o Vítor Baía porque gostava de ser guarda-redes. Teve mais algum ídolo?
O Luís Figo. Por ser da minha posição. Na minha altura, em que comecei ele era o expoente máximo do jogador português.

Joga ténis?
Não. Vou jogando poucas vezes. O meu ídolo no ténis é o Federer.

Tem algum hóbi?
Jogo Playstation, mas só “Call of Duty”, não jogo futebol. As minhas filhas jogam “Call of Duty” também, jogam uma contra a outra. De resto não tenho assim mais nada. Gosto de fazer tudo em família, passear com elas, ir a um parque ou ir ao cinema.

Qual é a mais parecida consigo?
Em termos de personalidade, de ter respostas pronta e ser bem disposta, a Carlota. Mas a Francisca também está a ficar e a pequenita também. Elas estão a ficar todas iguais a mim e gosto delas assim. Elas dizem “todas malucas como o pai, todas malucas como o pai” [risos].

Elas veem as coisas que publica nas redes sociais?
A Francisca e a Carlota sim. E na escola dizem, os pais as vezes comentam, dizem que sou muito maluco. Elas andam num colégio de freiras e a Francisca diz que alguns pais vão mostrar-lhe as coisas que eu publico. E algumas fotos que elas gostam mais, a avó delas da parte da mãe imprime e elas andam com uma capinha com as fotos minhas [risos].

Nunca foi abordado por algum pai ou por alguém por não gostar daquilo que publica?
Não. Só às vezes vejo alguns comentários. Também fiz aquele video da Casa dos Segredos, da neve…

E o da lesão peniana.
Sim. Aquilo foi o filho do Vítor Paneira. O Vítor Paneira também é de Famalicão, tenho boa relação com ele, o filho mais velho andou comigo na escola, o do meio andou com o meu irmão e a filha andou na escola com a filha da namorada do meu pai. Entretanto ele tinha um amigo que saiu lesionado de um jogo com uma entorse no pénis e ele mandou-me e eu publiquei isso no Instagram. Depois fomos jogar fora e eu resolvi dizer que estava em tratamento e como tínhamos aquelas maquinas compressivas das pernas, usei aquilo para fazer a foto. Depois, quando fiz 27 anos, pus a foto da rodela, a dizer que com a ajuda da Neuza que era a minha PT, já está curado. Fiz uma sequência de três fotos.

Diga uma pessoa do mundo do futebol a quem gostava de fazer uma partida.
Ao Cristiano Ronaldo. Quando fui internacional A eles perguntavam-me se eu ia fazer alguma coisa ao Ronaldo [risos]. Mas eu não o conhecia. É o que digo, primeiro tenho que conhecer as pessoas, saber como é que agem.

Com que ideia ficou dele?
Eu estive pouco tempo. Eles tiveram jogo de qualificação contra a Rússia e os que não jogaram tiveram jogo amigável contra Cabo Verde. Estive só no balneário com ele. Estive com o filho dele. Cumprimentámo-nos, falámos pouco e nada mais. Porque no balneário tinha outros que conhecia, como o Bruno Alves, Coentrão, Moutinho, Vieirinha, Hugo Almeida.

Não foi praxado?
Não. Na altura também fomos muitos pela primeira vez.

Houve algum jogador que o tenha surpreendido mais?
É assim, quando olho para as pessoas nunca vejo nada de mal. Eu trato as pessoas como se já as conhecesse há muito tempo. A Neuza às vezes lixa-me a cabeça, diz que me entrego,dou-me muito às pessoas e diz que não posso ser assim, que tenho de pôr um travão. Mas eu gosto de me dar às pessoas, gosto de me dar a conhecer. Mas há uma coisa engraçada, o Kayembe, que esteve comigo no Rio Ave, e o João Lucas, que esteve agora no Santa Clara, eram pessoas que não falavam, eram mesmo muito reservados, e o facto de eu ter começado a andar mais com eles e a puxar por eles, eles estão muito diferentes. A mulher do João Lucas diz que ele está muito mais sociável, que faz partidas. Quando ele me fez aquilo ao carro ela disse-me que era impensável ele fazer isso a alguém. E isso também me deixa feliz, fazer com que as pessoas se deem mais e se libertem mais.

Qual foi o dia mais triste da sua vida?
Penso que foram os das lesões, quando soube que tinha de ser operado. É uma mazela que fica para o resto da vida. Mas mesmo nessas situações, eu ficava triste, mas quando as pessoas vinham ter comigo eu dizia-lhes, “não se preocupem. Eu acho que nasci torto e o Dr. Noronha está a pôr-me direito”. Já fui operado à cara, no Porto. Tive uma fractura. No primeiro jogo a titular no Dragão, contra o Beira-Mar fiz uma fractura na cara, com uma cabeçada que levei. Tento levar as situações sempre para o lado positivo e nunca para o lado negativo. Há solução para tudo, só não há solução para a morte. E quando penso em mim, penso que há sempre alguém pior que nós, há sempre alguém em situações mais complicadas que nós. Eu sou um felizardo porque fui operado, mas estou na I Liga, tenho um bom ordenado. Às vezes olho e vejo jogadores na II Liga e em Campeonatos Nacionais que se calhar têm de ter um emprego para além do futebol para sustentarem as suas famílias.

Alguma vez levou alguma dura que o tenha posto a chorar?
Uma vez como iniciado no FC Porto. Estavam a falar num treino e não era eu que estava a falar mas como eu era um dos que falava mais e era brincalhão, mandaram-me para o balneário. Foi a única vez que chorei. Mas de resto nada de especial.

Já lhe pediram dinheiro, ajuda?
Já mandaram mensagens a pedir ajuda, mas eu digo sempre que é a Neuza que gere as coisas e o meu pai. A Neuza veio pôr-me esse lado que me faltava, veio pôr-me o "não" na boca, porque eu não conseguia dizer não às pessoas. Sempre fui coração mole. É uma das coisas que a Neuza me veio completar. Ela é direta. Eu às vezes prefiro ignorar e não responder, o que é pior, do que dizer não.

Nunca está triste?
Conta-se pelos dedos das mãos os dias em que estou triste. O que me deixa triste é quando tenho dores nos joelhos. É o que me deita mais abaixo. Quando quero correr e sinto dor. E é mais pelo futebol. De resto acordo sempre bem disposto. O Tarantini perguntava: “Como é que é possível serem 8h da manhã e tu estares assim tão bem disposto?”. Até agora, em estágio, o Mamadu ficou comigo no quarto e dizia: “O Ukra é maluco. Como é que é possível acordar às oito da manhã a rir-se”. Mas a verdade é que eu acordo sempre bem-disposto. Acordo bem.

O que o tornou assim?
Não lhe sei explicar. Desde que me fui conhecendo sempre fui assim. Sempre fui muito divertido, sempre com um sorriso. Mesmo na escola.

Nunca houve uma altura em que sentiu o pé a fugir, a tentação de experimentar álcool, drogas, etc?
Não. Experimentar já experimentei. Mas não fumo. Não bebo, só bebo água, refrigerantes, ice tea. Só bebo quando dizem assim: “Ukra, hoje é para a borracheira”. De resto não bebo e não gosto de beber vinho, gosto de beber às refeições algo que me mate a sede. Não consigo beber vinho, não bebo mesmo. Agora se me disserem: “Ukra, vamos sair hoje e é para a borracheira”; “tomas conta de mim?”; “Sim”. Aí bebo, posso não gostar, mas bebo só para a palhaçada. Imagine, eu que nunca bebo, passei a minha lua de mel quase sempre bêbado. Só tomei uma vez o pequeno-almoço com a Neuza. Uma vez. De resto estava sempre bêbado [risos]. Ela dizia "então o que não fizeste em solteiro estás a fazer agora na nossa lua de mel?" Mas foi na lua de mel que ela engravidou. “Olha, estava bêbado, mas fiz bem o trabalho” [risos].

Mas não esteve sempre sozinho só com ela?
Não, estava lá o Josué, depois fomos para a casa dele, depois foi o Moreira, o Guedes, o Bernardo Santos, era um grupo que estava no Algarve. Mas ia mais para casa do Josué.

Quem foi a pessoa que mais custou a aceitar uma partida sua?
O Kayembe. O dia a dia, o interagir com ele. Ele acabou a época esse ano no Rio Ave a dizer: "Obrigado, foi o melhor clube que apanhei". E no fim já era ele que brincava.

Alguma vez pôr fidalgon nas cuecas de um colega?
Já e já me puseram a mim. Uma vez ia para o Algarve, mas antes ia dar uma entrevista e eles puseram-me fidalgon nas cuecas. Estava com pressa, estava a fazer a entrevista, estavam a filmar, e eu estava sempre a mexer-me. Tive de interromper a entrevista para ir pôr vaselina. Porque não se podia pôr água, senão ainda era pior. Enfrasquei-me em vaselina e dei o resto da entrevista. Mesmo que as coisas estejam a correr menos bem, sempre fui assim, alegre, com um sorriso. Fui ao casamento do Pedro Santos, fui um dos padrinhos. No final do dia há um vídeo normalmente feito pelo fotógrafo. quem fez esse vídeo fui eu. Peguei no microfone, o tipo da câmara vinha atrás de mim e entrevistei uma data de gente lá no casamento. O vídeo no final do dia estava muito bom. Eles vieram agradecer-me.

De onde vem a alcunha Ukra?
Quando era mais novo, eu tinha o cabelo muito loirinho e o mister José Rolando disse que eu parecia um ucraniano. Depois era o ucraniano para aqui, ucraniano para ali e ficou ukra. Ukra vem de ucraniano. As pessoas que me tratam por André ou é família ou amigos de infância. Se vou na rua e alguém me chama André porque me conhece muito bem. E a Neuza não gostava de André e agora só me trata por André. Só fala Ukra quando é para dizer aos amigos que o Ukra fez isto ou fez aquilo, de resto é sempre por André.

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