Nasceu nas Mouriscas há 70 anos. Foi lá que cresceu?
Não, eu fui para o Tramagal muito cedo, era bebé ainda. Foi lá que comecei a jogar. Estudava em Abrantes. Aos 15 anos é que vou para Coimbra.
O que faziam os seus pais?
O meu pai trabalhava numa empresa metalúrgica, que fazia as berlies que iam para Angola para a guerra colonial. A minha mãe era doméstica. Sou filho único.
Deu muitas dores de cabeça?
Não. Mas também a nossa vida era boa, era ir para a escola. Tínhamos espaços na rua para jogar à bola, jogava à bola até às dez da noite, o meu pai tinha que ir buscar-me. Dava cabo dos sapatos [risos].
Gostava da escola?
Gostava, não era nenhum sacrifício, fui sempre um aluno razoável.
Lá em casa torciam por algum clube?
O meu pai era benfiquista. Quando a Covilhã estava na I Divisão o meu pai ia muitas vezes de comboio do Tramagal, quando o Benfica jogava na Covilhã. Não é fácil, mas eu vou descodificar a minha opção clubista. Eu sou da Académica de coração, de paixão, porque cheguei a Coimbra com 15 anos, em 1969, e estou lá 20 anos seguidos. Mas como o meu pai era benfiquista, e o Benfica era o clube dominador, ganhava a Liga dos Campeões, comecei a gostar do Benfica. A primeira vez que venho a Lisboa é para ver um célebre Benfica-Sporting, tinha 13 anos e já jogava nos juvenis do Tramagal, em que o Sporting ganhou 4-2, quatro golos do Lourenço e o guarda-redes do Benfica era o Mello, um baixinho que foi meu colega depois na Académica. É a primeira vez que venho a Lisboa, um saloio [risos]. E tenho uma história curiosa sobre esse jogo.
Pode começar a abrir o livro.
Para o jogo vim eu, o meu pai, que não tinha carta e por isso viemos no carro do sargento Batista, mais o senhor o Rui, que era alfaiate e sportinguista. Lembro-me de estarem 80.000 pessoas no estádio, ainda havia o terceiro anel, era tanta gente que quando desci as escadas até vinha no ar. Então, acabámos o jogo, chovia e fomos comer a uma churrasqueira, que ficava num primeiro andar. O senhor Rui tinha por hábito, a qualquer lado que fosse, trazer uma recordação; tirava um prato, uma colher ou uma chávena de café, para fazer coleção. À saída ele enfiou umas facas e garfos dentro do jornal o “Diário Popular” e meteu debaixo do braço, só que, quando foi para entregar a chapinha na receção para a senhora lhe devolver a gabardina e o chapéu de chuva, esqueceu-se, afastou o braço, o jornal caiu e era só talheres no chão [risos].
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