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A casa às costas

“Perdemos 9-0 com o FC Porto. O Mário Wilson chegou ao balneário e disse: ‘Os gajos é que estão chateados, queriam ter ganhado 10-0’”

“Perdemos 9-0 com o FC Porto. O Mário Wilson chegou ao balneário e disse: ‘Os gajos é que estão chateados, queriam ter ganhado 10-0’”
Joao Girao

Vítor Manuel, de 70 anos, esteve 20 anos na Académica de Coimbra, onde se formou como jogador e iniciou a carreira de treinador. É sobre esse período da sua vida que falamos nesta primeira parte do Casa às Costas. Com a inconfundível voz de trovão, conta-nos como a lesão num joelho arruinou-lhe a carreira do jogador, apelidado “craque saloio”, tal como Toni, confessa que disse à família que ia desertar caso fosse enviado para a guerra no Ultramar, entre muitos outros pormenores e histórias, com continuação na segunda parte

Nasceu nas Mouriscas há 70 anos. Foi lá que cresceu?
Não, eu fui para o Tramagal muito cedo, era bebé ainda. Foi lá que comecei a jogar. Estudava em Abrantes. Aos 15 anos é que vou para Coimbra.

O que faziam os seus pais?
O meu pai trabalhava numa empresa metalúrgica, que fazia as berlies que iam para Angola para a guerra colonial. A minha mãe era doméstica. Sou filho único.

Deu muitas dores de cabeça?
Não. Mas também a nossa vida era boa, era ir para a escola. Tínhamos espaços na rua para jogar à bola, jogava à bola até às dez da noite, o meu pai tinha que ir buscar-me. Dava cabo dos sapatos [risos].

Gostava da escola?
Gostava, não era nenhum sacrifício, fui sempre um aluno razoável.

Lá em casa torciam por algum clube?
O meu pai era benfiquista. Quando a Covilhã estava na I Divisão o meu pai ia muitas vezes de comboio do Tramagal, quando o Benfica jogava na Covilhã. Não é fácil, mas eu vou descodificar a minha opção clubista. Eu sou da Académica de coração, de paixão, porque cheguei a Coimbra com 15 anos, em 1969, e estou lá 20 anos seguidos. Mas como o meu pai era benfiquista, e o Benfica era o clube dominador, ganhava a Liga dos Campeões, comecei a gostar do Benfica. A primeira vez que venho a Lisboa é para ver um célebre Benfica-Sporting, tinha 13 anos e já jogava nos juvenis do Tramagal, em que o Sporting ganhou 4-2, quatro golos do Lourenço e o guarda-redes do Benfica era o Mello, um baixinho que foi meu colega depois na Académica. É a primeira vez que venho a Lisboa, um saloio [risos]. E tenho uma história curiosa sobre esse jogo.

Pode começar a abrir o livro.
Para o jogo vim eu, o meu pai, que não tinha carta e por isso viemos no carro do sargento Batista, mais o senhor o Rui, que era alfaiate e sportinguista. Lembro-me de estarem 80.000 pessoas no estádio, ainda havia o terceiro anel, era tanta gente que quando desci as escadas até vinha no ar. Então, acabámos o jogo, chovia e fomos comer a uma churrasqueira, que ficava num primeiro andar. O senhor Rui tinha por hábito, a qualquer lado que fosse, trazer uma recordação; tirava um prato, uma colher ou uma chávena de café, para fazer coleção. À saída ele enfiou umas facas e garfos dentro do jornal o “Diário Popular” e meteu debaixo do braço, só que, quando foi para entregar a chapinha na receção para a senhora lhe devolver a gabardina e o chapéu de chuva, esqueceu-se, afastou o braço, o jornal caiu e era só talheres no chão [risos].

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