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A casa às costas

“O António Oliveira foi esperto, disse aos jogadores para não me cumprimentarem. 15 dias antes eu era o treinador deles. Fiquei cego”

“O António Oliveira foi esperto, disse aos jogadores para não me cumprimentarem. 15 dias antes eu era o treinador deles. Fiquei cego”
Joao Girao

Comentador e analista, Vítor Manuel ainda não perdeu a vontade de ser treinador e confessa que, mesmo à beira de fazer 71 anos, mantém a vontade de “saltar lá para dentro”. Carregado de histórias para contar, revela algumas nesta II parte, onde fala sobre o seu percurso no futebol português e as passagens por Angola e Argélia. Discreto no que diz respeito ao filho, adjunto de Sérgio Conceição, não hesita em dizer que ele está pronto para outros voos e que será melhor treinador do que o pai. Emotivo, apaixonado e expansivo na sua forma de comunicar, revela alguns episódios com Porfírio: nas suas palavras, “um génio”

Como foi treinar o SC Braga, em 1988/89?
A minha ida para Braga acontece de forma engraçada. Há um Académica-SC Braga, em que o Manuel José era o treinador do SC Braga, estamos a perder 1-0 e fico a jogar com três defesas e meto mais um médio ou um avançado. Quem assistia ao jogo era o senhor Frederico Passos, secretário técnico do SC Braga e o presidente da Assembleia Geral, Mesquita Machado. O Manuel José, esperto, como tirei o lateral-esquerdo meteu um gajo encostado ao lado direito. Espera aí que eu já te digo, o Rolão jogava como médio-ala, passei o Bandeirinha para lateral esquerdo e o Rolão para lateral direito, equilibro aquilo e ganho 2-1. Passados 15 dias, este seu amigo foi ver um jogo em Coimbra e quando saio do carro o diretor do hóquei em patins da Académica, o Rui 21, faz-me sinal que quer falar comigo. Cheguei a casa, tocou o telefone, na altura ainda só havia telefones fixos, e ele diz-me: “Ó Vítor, queres ir treinar o SC Braga? O Manuel José saiu e ligaram-me para falar contigo, para saber se estás interessado”. SC Braga? Vou já amanhã. Há 15 dias que não treinava. No dia seguinte lá fui para o Pedro dos Leitões falar com o engenheiro Alberto Silva, que era o presidente, o António Duarte, que era o chefe de departamento do futebol e o Frederico Passos.

Naquela altura não havia empresário…
Qual empresário? Nada. Eu ia a tremer, nunca tinha negociado nada com ninguém. Fui um burro dos diabos [risos]. Sentámos à mesa a comer o nosso leitãozinho e após falarmos um bocadinho perguntam: “Quanto é que você quer ganhar”; “Sei lá”; “Então quanto é que você ganhava na Académica?” e eu, burro, disse. Mais tarde vim a saber quanto é que ganhava o Manuel José [risos]. Ele já tinha estatuto, é verdade, mas se tenho aberto mais a boca... Aliás, eu não abri nada, eles é que me disseram quanto é que me pagavam.

O que respondeu quando lhe disseram o valor?
Por esse dinheiro, vou já. Davam-me o dobro do que ganhava em Coimbra. Posso dizer que o Manuel José ganhava o dobro do que fui ganhar [risos]. Mas para mim já era muito. Cheguei a casa todo contente. O contrato era para terminar aquele ano e fazer mais um, pelo menos. No segundo ano, que já estava acertado, ia ganhar muito mais do que aquilo que eu ia receber naqueles quatro meses. E tinha prémio de manutenção, que era muito bom. Nesse ano safei o SC Braga, no último jogo, em Chaves, no meu segundo ano faço um 6.º lugar e, no seguinte, faço 13.º. Depois vou embora para Penafiel.

Mudou-se de armas e bagagens para Braga. Foi sozinho?
Sim, a família nunca foi porque houve sempre um princípio nosso de que os miúdos não tinham de andar a mudar de escola. A minha mulher também era professora, tinha a sua escola. A vida de treinador é andar de um lado para o outro, sempre de mala na mão, e não íamos sujeitar os miúdos a isso, a minha mulher foi mãe e pai durante 20 anos. Aliás, sem ela não teria conseguido fazer tudo o que fiz. Devo-lhe muito. Foi e é uma mulher fantástica.

Como foram esses dois anos e meio em Braga?
Excelentes. Grandes momentos. Ia treinar muitas vezes com as equipas ali à volta. Ia a Fafe treinar quando o Rui Costa lá estava, cheguei a dizer-lhe: “Ó Rui, tu és um craque, esta passagem aqui não te vai fazer mal nenhum”. Ele era um menino, mas já tratava a bola de maneira diferente.

Acabou por sair do SC Braga porquê?
Havia gente que queria que eu continuasse, mas o presidente, que hoje continua a ser muito amigo, quis mudar. Acho que quem foi substituir-me é o Raul Águas. No último ano fizemos apostas fortes em jogadores que pensava ser mais-valias, mas infelizmente não foram. O Radoslav, o búlgaro, Vermelhinho, Rui Maside, Luís Reina, Tony Seale, um inglês, o sueco Eskilsson. Em termos de classificação, as expectativas eram maiores do que no ano do 6.º lugar.

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