Chegando à segunda paragem para compromissos internacionais, já temos uma noção exacta das características e do potencial de cada equipa. Nesse sentido, o Gil Vicente colocou-se como uma das sensações de início de campeonato, demonstrando uma proposta de jogo arrojada e com mais-valias facilmente reconhecíveis. De resto, a pressão orientada de César Peixoto tem colocado problemas a quase todos os adversários e ajuda a explicar o baixo número de golos sofridos. Ofensivamente, Luís Esteves caiu de pé no conjunto gilista e comanda as operações a meio campo. Pablo, até então um goleador intermitente, cresce a olhos vistos dentro da área. E não só.
Não se explica o futebol do Gil Vicente por uma ou por outra individualidade, mas pelo trabalho colectivo. Como acontece noutros casos, o facto de César Peixoto ter entrado no final da época passada ajudou no lançamento da nova temporada, arrancando já com princípios estabelecidos. Ainda assim, e pela dificuldade do calendário, seria difícil perspectivar tanto sucesso. Perdeu com FC Porto e Benfica, mas complicando a vida a ambos. Na Luz, o Gil Vicente fez mesmo uma exibição poucas vezes vista na casa de um grande do futebol português. Em Braga, assumiu-se desde o primeiro minuto como candidato à vitória, respeitando a própria identidade. Coloca o tecto muito alto, não se encolhendo contra ninguém. Tudo passa pela ambição de ser mais e melhor.
Um dos pontos indispensáveis é a construção do plantel e a ligação com as ideias do treinador. O mercado entregou um lateral-esquerdo perfeitamente adequado às necessidades, tanto pela solidez defensiva como pela capacidade de progressão em diversas zonas do campo. Konan está a fazer uma temporada brutal, ao nível dos melhores da liga - sem exagero. Aplica-se a mesma lógica a Luís Esteves, que saltou do Nacional para um patamar superior e com a responsabilidade de fazer esquecer Fujimoto. É um médio de maior abrangência, que promove combinações em zona central, activa os corredores laterais e dá soluções individuais na criação e na bola parada. De certo modo, lembra o que Pedrinho fez naquele Gil Vicente de Ricardo Soares.
Até à época passada, Pablo era o filho de Pena. Agora, tornou-se um avançado com nome próprio. Tem um papel importante na ligação, baixando no corredor central. Quando roda, consegue soltar-se e assumir a jogada individualmente. Dentro da área, e numa equipa que provoca bastante o jogo exterior, esconde-se no lado cego do adversário para chegar primeiro ao cruzamento. Não se tratando de um portento de técnica, faz muitas coisas bem. No início da época, o Gil Vicente sentia a falta de extremos capazes no 1x1, mas o regresso de Murilo e a chegada de Joelson Fernandes (tentando seguir as pisadas de Félix Correia) aumentaram as opções às ordens de César Peixoto.
O processo defensivo dos galos é rico, pela forma como conseguem impor-se em pressão e defender em zonas baixas, sempre que o adversário a isso obriga. O posicionamento dos extremos, muitas vezes formando uma linha de quatro mais adiantada, limita linhas de passe no corredor central e obriga a sair por fora, com os laterais preparados para apertar. Depois, há ajustes rápidos e coordenados para recuperar ou condicionar. Sem ter linhas baixas, a capacidade de vencer duelos e corrigir em profundidade de Buatu e Elimbi (este, também com potencial de vingar noutros palcos) é determinante, náo esquecendo a constante evolução de Andrew. Colectivamente, e dominando vários registos, o Gil Vicente reforça uma tendência que vai ganhar seguidores, embora nem todos o consigam com o mesmo nível de eficácia. Será difícil marcar golos aos homens de Barcelos.
A última equipa “extra-grandes” a terminar no top-4 foi o Vitória, na época 16/17, ficando à frente do Braga. Ainda numa fase precoce, seguramente ninguém do Gil Vicente iria assumir essa vontade, mas o nível de consistência colectiva e de soluções individuais permite sonhar com um apuramento europeu. Faltará perceber se, em janeiro, o clube tem argumentos para resistir à natural concorrência pelos principais jogadores. César Peixoto tornou-se um treinador capaz de transportar pensamentos do treino para o jogo, seguindo um modelo claro. Encontrou o contexto de estabilidade para tal. Numa altura em que se pede a elevação do nível competitivo da liga, eis a contribuição do Gil Vicente.
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