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De onde vem esta incrível seleção de andebol? O capitão Rui Silva explica: “De olhar para o lado e sentir que ninguém nos vai deixar cair”

De onde vem esta incrível seleção de andebol? O capitão Rui Silva explica: “De olhar para o lado e sentir que ninguém nos vai deixar cair”
Mateusz Slodkowski
Foi instinto de capitão dizer a Martim Costa, jogador que marcou um golo nos 60 minutos antes do prolongamento contra a Alemanha, um “agora é tudo teu, ninguém te pára, vais ser tu”. E foi mesmo: seria dele o golo decisivo que apurou Portugal para as meias-finais do Mundial. Em entrevista à Tribuna Expresso, Rui Silva explica que esta crença emanada pela seleção vem da confiança que todos os jogadores têm uns nos outros: “Quando chegas a alturas importantes, decisivas e mais difíceis, essa é essa a força que conseguimos tirar de cada um de nós.”

Rui Silva lembra-se bem. Ainda cheio de miudagem, um dos primeiros jogos de qualificação que teve com Portugal, há década e meia, calhou ser contra a Letónia, um país assim-assim no andebol, sem fulgor nem peso - “e nós perdemos em casa.” Ele não precisa que o recordem. Ficaram-lhe no corpo as cicatrizes desses tempos, “do processo”, de todas as “dificuldades” colhidas da travessia do deserto árido ou da escalada do Evereste se for Paulo Jorge Pereira, o selecionador, a recorrer a uma das suas analogias para invocar os 14 anos (entre 2006 e 2020) que a seleção nacional contou sem alcançar fases finais de torneios. Esta seleção que acordou, espreguiçou-se e saiu da cama esta quinta-feira como uma das quatro melhores do mundo.

À sétima presença, de oito possíveis (a exceção foram os últimos Jogos Olímpicos), em grandes provas desde então, a equipa liderada por Rui Silva está a raspar no céu com a ponta dos dedos. Invicta em sete partidas, vencidas as potências da Noruega e agora da Alemanha, de forma épica, o capitão que antes jogava de óculos postos e hoje os dispensa tem bem nítido na sua panorâmica mental o que sustenta esta epopeia. “É a perceção que temos e com a qual neste momento nos valorizamos a nós próprios, porque percebemos que somos uma equipa com qualidade”, explica, sem ser apenas isto. “E, depois, junta-se o espírito de grupo.” Será só isso também? “A união, a ligação, a relação que existe aqui dentro também faz com que [apareça] esse tipo de sentimento de luta nos momentos menos bons, de luta quando queremos mais do que aquilo que já fizemos.”

Rui Silva descasca as camadas, crente e fiel à doutrina que tenta explicar. À que no prolongamento contra a Alemanha, nervos e pressão a conspurcarem o ar, o fez ir ter com Martim Costa, que a atacar nem navegava nos seus dias (um golo nos 60 minutos regulamentares), a dizer: “Vai lá e rebenta com ele. Agora é tudo teu, ninguém de pára, vais ser tu.” O mais velho dos manos aproveitou o vento, foi para cima. E marcou. Isto é matéria de instintos e pressentimentos, uma pitada de épico também. Para Rui Silva, tudo vem da confiança dos jogadores uns nos outros, canalizada primeiro pela que o selecionador lhes incutiu como uma picareta a marrar na cabeça.

Tantas forças de vontade puseram Portugal numa meia-final do Mundial contra a Dinamarca, na sexta-feira (19h30). E moveram montanhas figuradas. O político Marcelo Rebelo de Sousa anunciou o que a política normalmente faz, que é querer estar presente quando há sucesso, e irá a Oslo assistir à meia-final com a Dinamarca. Para quem está longe, o jogo será transmitido na RTP1 ao invés de no segundo canal público, palco de todos os anteriores. Os jornais desportivos estampam a seleção nacional nas primeiras páginas. Além-campo, as consequências dos feitos de Portugal neste Mundial de andebol estão a alastrar-se. Rui Silva também os sente em forma de carinho em Oslo, onde a equipa tem competido sempre. “Estarmos tão longe nestas fases finais faz as pessoas gostarem destes outsiders, destas equipas que apareçam sem estarem a contar”, suspeita.

Ou, simplesmente, pode ser que seja muito difícil não gostar desta seleção, alcunha de Heróis do Mar, a navegar nas águas geladas da Noruega.

Conseguiram dormir alguma coisa?
Estamos a recuperar, tem de ser.

Em 2021, foste tu a marcar um golo quase no último golo, à França, que valeu outro feito histórico ao andebol português: a qualificação para os primeiros Jogos Olímpicos. No meio do turbilhão de ontem [quarta-feira], lembraste-te desse momento?Sim, é muito semelhante porque falámos de fazer história, é esse aspeto que torna tudo semelhante. A nível de pensar, sinceramente não. Uma pessoa com o cansaço, com tudo o que está à volta e estamos a viver durante o jogo, com a intensidade que foi, uma pessoa só deseja que acabe da melhor forma. E nem pensar no que está à volta e já acontece.

Ainda por cima, tal como há uns anos, ainda houve ali uns segundinhos em que o adversário tentou ir com a bola ao meio-campo para rematar à baliza.
Sim, a coisa boa é que a bola ficou um bocadinho presa [na baliza] e nós quando começámos a correr para trás, para recuperar, apercebemo-nos que já não havia mais nada a fazer para a Alemanha.

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