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Daniel Ramos, o milagreiro do Marítimo: “Acredito que, com trabalho, posso chegar à Liga inglesa”

Daniel Ramos tem 46 anos e treina o Marítimo desde setembro, depois de ter estado no Santa Clara
Daniel Ramos tem 46 anos e treina o Marítimo desde setembro, depois de ter estado no Santa Clara
Gregório Cunha
Quando chegou à Madeira, em 2016/17, o Marítimo estava em penúltimo lugar, mas acabou a época num lugar europeu (6º posto) - e, no domingo à noite, empatou com o Benfica (1-1). Recorde a entrevista que Daniel Ramos concedeu à Tribuna Expresso em março deste ano, quando admitiu ser um treinador que se deita e acorda "a pensar em futebol"

Quem é o Daniel Ramos que, de repente, põe o Marítimo, depois de um início de época atribulado, em sexto lugar? E ninguém sabe bem de onde veio e como aqui chegou.
Fiz um percurso de baixo para cima. Comecei como treinador adjunto na III Divisão, passei para a II Divisão, passei a treinador principal depois de quatro épocas. Um bocadinho por causalidade, por dispensa do treinador, mas enquanto estava a treinar os resultados apareceram e acabei por ficar. Acabei por ser treinador à força com 30 anos. A partir daí passei à II Divisão B, depois para a II Liga, sempre a desejar uma oportunidade na I Liga, a procurar somar bons trabalhos que permitissem visibilidade e esse alento para que não ficasse, como aconteceu com muitos colegas meus, no esquecimento e não tivesse oportunidade de chegar a uma I Liga.

O futebol não é só a I Liga, há um mundo que não se vê e onde se podem perder talentos. Que condições é que se tem quando se começa a treinar na III Divisão?
Poucas. Lembro-me de ter dificuldades de ter bolas para treino, dificuldade em ter apoio médico. As equipas de escalões inferiores vivem muitas dificuldades. Essas dificuldades acabam por ser muito úteis à frente, acabamos por valorizar o que era difícil. O que para muitos é fácil para nós era difícil e tínhamos de ombrear com eles, tínhamos de lutar pelo mesmo, em situações muito adversas. E tive isso, vivi o drama dos ordenados em atraso, poucos recursos, poucos jogadores. Não percebi isso na altura, mas estas dificuldades ajudaram-me. Quando tive melhores condições senti-me um felizardo porque muitos colegas continuavam a ter as dificuldades que tive. Sei valorizar o que é ter poucos meios para ter bons resultados.

Esse foi um percurso suado, passo a passo...
Palmo a palmo. Posso dizer-lhe que me senti algumas vezes injustiçado. À medida que anos foram passando, via a oportunidades de alguns sem terem feito um trabalho sustentado por trás. E pensava por que é que eu com anos de trabalho, a somar trabalhos positivos - tenho diversas subidas de divisão –, não estava a ter a ter oportunidade. E via outros a ter oportunidade. Uns porque tinham sido jogadores conhecidos e eu não tinha sido, provavelmente era umas das razões. Hoje tenho um sentimento de orgulho, de conquista grande por perceber que fui conquistando o meu espaço, fui adquirindo experiência para que na oportunidade de I Liga tivesse sucesso. Vinha dizendo há alguns anos à minha equipa técnica que quando chegasse a oportunidade da I Liga íamos ficar lá por estarmos preparados.

Como é aguentar 15 anos à espera da oportunidade? Não teve vontade de desistir e fazer outra vida?
Pensei nisso, principalmente no arranque e logo a seguir a deixar de jogar. Regressei aos estudos aos 30 anos, fui fazer a minha faculdade com 30 anos e não foi fácil. Na altura a pensar na possibilidade de ser gestor, direcionado para o desporto. Fiz a minha licenciatura em Gestão de Desporto e pensei deixar o futebol, mas como não deixei o campo ficou aquele bichinho de ser treinador. Fiz o curso de nível 1, nível 2 e a pensar sempre "pode ser que dê". A minha vontade, o meu sonho era ser treinador. Houve sempre uma persistência em tentar ser treinador.

E como foi quando a oportunidade finalmente chegou?
Foi a seguir a um jogo do Santa Clara contra o Porto B. Recebi uma chamada do Briguel, eu conheço pessoalmente o Briguel, a perguntar-me se estava disponível para vir treinar o Marítimo. Fiquei surpreendido porque não se está espera disto, fiquei orgulhoso por se terem lembrado de mim. E claro que estava disponível, mas claro que foi preciso negociar com o clube, tinha contrato e sabia que não iam facilitar a tarefa. Estávamos a ir muito bem, íamos com sete vitórias e um empate em oito jogos. Ia ser complicado e foi, foram quatro dias complicados. Felizmente foi ultrapassado, com grande elevação por parte do Santa Clara, defendeu os seus interesses e não me prejudicou. Fico agradecido e também ao presidente do Marítimo e ao Briguel que acreditaram em mim.

Havia muita expectativa em relação a si?
Senti que havia muita expectativa em relação à minha vinda. Alguns madeirenses já me conheciam por ter treinado o União, tinha-me dado bastante bem na ilha. Os resultados estavam a ser muito maus, então havia uma expectativa muito alta em relação ao que ia acontecer. Lembro-me que cheguei numa quinta-feira à tarde, estava a haver treino e ia haver jogo no fim de semana. À partida nenhum treinador aceitaria ir logo para o banco nesse fim de semana. Fui para o banco com dois treinos. Felizmente correu muito bem, ganhámos o primeiro jogo (2-0) e tudo começou a ser diferente a partir daí. A crença dos jogadores mudou, a forma de trabalhar também era diferente, houve mais empatia entre todos, mais sinceridade. Aquilo que lhes pedi foi trabalho, sinceridade e frontalidade, não posso pedir resultados, mas pedi exigência. Assim era possível inverter este ciclo negativo. Felizmente isso aconteceu, tem vindo a acontecer.

Gregório Cunha

Há dois momentos que mudam o ambiente e a forma como se começou a olhar para si enquanto treinador. Os 6-0 na Luz para a Taça e a vitória sobre o Benfica aqui nos Barreiros.
Quando perdemos por 6-0 na Luz vínhamos de resultados bons e disse no final do jogo que nós não éramos aquilo. O Benfica estava num grande momento. E disse também que daí a 15 dias íamos provar que não éramos aquela equipa que tinha perdido por 6-0. Lembro-me de ter entrado no balneário e ter dito aos jogadores: “Daqui por 15 dias vamos lutar pela vitória”. Tinha a sensação que nós em casa éramos bem mais fortes e era preciso dar uma imagem completamente diferente, estávamos feridos no orgulho. Felizmente o resultado foi uma vitória, algo de muito, muito bom para nós.

Tem noção de que nesse dia, que era também o da inauguração do estádio, essa vitória mudou o ambiente, fez regressar a mística do "caldeirão" dos Barreiros?
Foi muito importante, sem dúvida. Não só pelos três pontos, não foi uma vitória normal. Teve um significado enorme por ter sido a inauguração do estádio, por ter sido a primeira equipa a vencer o Benfica nesta época, porque quebrámos um ciclo de 22 jogos sem perder do Benfica. E depois as pessoas passaram a acreditar. Se é possível ganhar ao Benfica podemos ganhar a qualquer uma equipa aqui. A expectativa em relação ao nosso trabalho no Marítimo foi crescendo. Esse jogo fez com que em jogos a seguir com equipas de menor dimensão continuassemos a ter grandes casas, com o estádio quase cheio, com o "caldeirão" quase cheio.

Estádios cheios não são assim muito comuns, mesmo com equipas da I Liga.
É gratificante. Posso dizer uma coisa muito curiosa. Nas minhas últimas passagens pelos clubes felizmente o número de espectadores tem sido exponencial, isso é muito bom. Posso dar o exemplo do Santa Clara. Quando chegamos lá a média de espectadores por jogo era de 250, mas no meu último jogo foi de 2060 pessoas a assistir nas bancadas. O número foi crescendo. Estive duas épocas e quatro meses no Famalicão e posso dizer que tive jogos com 10 mil pessoas na II divisão B. É gratificante para um treinador perceber que as pessoas acompanham, começam a ir ao futebol. Veem trabalho, veem resultados, veem exibições. Um espectáculo muito mais atrativo e traz gente ao estádio. E eu ainda não estou agradado com aquilo que estou a conseguir aqui.

Ainda não?!
Vou ser sincero. Acho que é possível bem mais. Passa por melhorias, passa por melhor plantel, por melhores jogadores. Passa por alguns aspetos que são melhoráveis. Fica difícil que aconteçam no imediato, mas de forma gradual as coisas vão acontecendo. Estou convencido que as coisas irão acontecer.

Com isso está a dizer que não se importa de ficar no Marítimo mais umas épocas?
Tenho dois anos mais de contrato...

Isso é o que todos dizem.
(Risos) O que posso dizer é que estou feliz no Marítimo, que estou contente com aquilo que me está a acontecer, com o que me está a ser proporcionado. É evidente também que ambiciono mais, que ambiciono o melhor para mim. Não escondo isso.

O melhor é ir treinar um dos clubes grandes, ir para o estrangeiro?
Ambos. Já disse que a minha liga de eleição é a liga inglesa.

Das equipas grandes onde gostava de treinar?
Olhe, onde me quiserem (risos).

Gostava de ir treinar para Inglaterra?
Gostava muito. Sei que isso está longe de acontecer e se acontecer para mim é um feito. Tal como era chegar à I Liga, mas é possível. Acredito que com trabalho posso lá chegar. Até lá tenho de somar trabalhos positivos, muita dedicação...

Qual é o fascínio pela liga inglesa?
Pelo que se vive um pouco aqui, no "caldeirão". Pelo ambiente, pelos estádios com muita gente, muito apoio. É muito mau quando temos estádios com pouca gente. Eu pelo menos sinto isso, não gosto nada. Gosto de envolvência, de ter muita gente. Nós temos capacidade para 10 mil pessoas e temos tido 8, 7 mil. É o estádio quase cheio, é um barulho enorme, uma emoção grande. Em Inglaterra os estádios estão quase todos lotados, nos grandes campeonatos é assim, existe grande paixão pelo futebol. Um local onde existe grande paixão pelo futebol seria um local onde me iria sentir bem.

Aqui há um bocado disso?
Espero que ainda cresça. A semana passada fiz um apelo à nossa massa associativa: tragam bandeiras, cachecóis, tragam cor, tragam verde e vermelho para o estádio. Até já sugeri que se criasse uma música... Tudo o que vier para se criar um ambiente para dar uma atmosfera ainda mais positiva em casa é bem-vindo. As pessoas dizem que o "caldeirão" voltou é muito positivo ouvir isso, é muito gratificante, é sinal de que as pessoas estão com a equipa, estão a apoiar, estão a ver, estão a gostar.

E até lá há o dia que passa...
A vida de treinador é complicada, obriga a andar de um lado para o outro. Além de andarmos por onde calha, onde nos querem. Também estamos muito dependentes daquilo que acontece. O treinador não está só dependente do seu trabalho, vive muito do resultado e do que os jogadores fazem por ele e pelo clube. Ao não acontecerem resultados, não acontecerem exibições, ao acontecerem divergências o treinador é sempre o elo mais fraco. Aproveitar o momento é o também o meu lema, viver o dia-a-dia.

Falta ao Marítimo um título. Quem sabe uma Taça de Portugal, quem sabe um campeonato?
Isso é elevar muito a fasquia. O campeonato é irreal para o Marítimo, é impossível o Marítimo ombrear com as equipas mais fortes. Já lutar pelas competições europeias é algo de muito complicado. Se atendermos aqueles que são os orçamentos e os plantéis de algumas equipas o Marítimo não fica nos seis primeiros lugares. Porque tem um orçamento rigoroso, cumpre, tem um plantel ainda contido, falta alguma qualidade para que isso aconteça. É possível que isso aconteça este ano? É porque podemos lutar por isso, estamos em condições de o fazer, mas tornar-se mais difícil ombrear com equipas mais fortes. Estou a falar do Braga, do Guimarães e temos equipas que estão atrás de nós que têm orçamentos bem maiores, plantéis bem mais apetrechados. Se isso se nota no campo é outro aspecto. Não se tem notado.

Mas podem acontecer dois ou três azares.
É evidente. Umas das questões que se coloca todas as semanas é porque é que o Marítimo não é candidato? Ser candidato ou não para mim não faz a diferença, não nos perturba. A nós o que nos orienta é ter a perceção de ainda falta muito e podemos de forma natural passar para um sétimo ou oitavo lugar. É natural que isso aconteça. A ambição existe, mas não queremos que nos apontem que falhamos por algo que não nos foi pedido. Não nos pediram competições europeias, não nos podem cobrar competições europeias.

Gregrio Cunha

Falava há pouco de como a vida de treinador é muito ingrata. Li há uns anos que para ser guarda-redes é preciso ter o sentido trágico da vida, que alguém que decide ser guarda-redes tem esse espírito. Com um treinador não é mais ou menos o mesmo? Quando corre mal é o primeiro a ser despedido.
(Risos) Acontece na adversidade a todos os treinadores. Quando os ciclos negativos aparecem é algo que fica sempre presente. Nós sentimos que estamos dependentes daquilo que são as ideias de quem manda, dos presidentes, dos dirigentes. Estamos sujeitos às decisões deles. Se entenderem que devemos sair temos de sair, são a entidade patronal.

E é mais fácil despedir o treinador.
São também as massas associativas que são mais ou menos exigentes, que cobram, que influenciam de forma direta os presidentes. Isso acontece. E isso paira no ar na adversidade, é natural.

Mesmo assim, com essa possibilidade em caso de mau resultado, mesmo tendo sido difícil chegar a I Liga, continua a gostar de ser treinador?
Quem corre por gosto não cansa. Quando se gosta de uma coisa vai-se atrás dela. Futebol é a minha vida, é o que gosto de fazer. Deito-me todos os dias com futebol na cabeça e acordo com futebol na cabeça. E vivemos para isto. É futebol, família, família, futebol. Quando estamos acordados estamos com futebol na cabeça. O treinador não dorme, descansa. E é verdade. Não podemos adormecer, temos de estar sempre alerta.

Por isso é preciso ter o tal sentido trágico da vida
Há que saborear os momentos bons. Os maus também aparecem e aí, quando aparecem, temos estar muito mais fechados e procurar apoio em quem está perto de nós para reerguermos, buscar forças onde nem sabemos que temos. Temos de as ir buscar para inverter. Quem ganha muitas vezes tem de se dar por feliz, quem perde muitas vezes está sujeito a essa penalização que é a mudança,

Quem são os seus ídolos em treinadores? Tem?
Gosto dos que ganham muitas vezes. Quem ganha muitas vezes é muito bom treinador, não é por acaso. Difícil é ganhar muitas vezes. Quem ganha muitas vezes suscita-me curiosidade e entretanto vou ver o que eles fazem e por que fazem. É só qualidade do plantel? Não, não pode, porque qualidade do plantel não chega. Claro que tenho treinadores de referência, que me foram suscitando interesse. É um conjunto de treinadores sem nomear um.

Imagina-se a fazer um brilharete como aquele que fez o Ranieri com Leicester em Inglaterra?
Na liga portuguesa acho que isso é impossível. Impossível é uma palavra muito forte, mas acho muito difícil um clube mediano ser campeão atualmente. Foi o Boavista há alguns anos, mas no atual panorama é impossível uma equipa de menor dimensão que as três grandes ser campeão nacional.

Aquela espécie de conto de fadas não é possível em Portugal?
Só é possível em Inglaterra. Não sei qual é o orçamento do Leicester. É bem menor do que as equipas de topo, mas é bem maior que os três grandes em Portugal. Diz bem daquilo que se pode já ter. Em Portugal a equipa que pode estar mais perto é o Braga e mesmo assim é muito complicado porque há uma grande diferença daqueles que podem ser os apoios, do plantel para as equipas médias.

Mesmo chegando à I Liga ganhar um título continua a ser para poucos...
Para poucos, para muito poucos.

São 18 equipas, mas não são 18 equipas candidatas ao título?
Só era possível isso acontecer se houvesse um sorteio dos jogadores e mesmo assim não chegava. Há claramente uma necessidade de equilibrar para proporcionar uma aproximação entre os debaixo e os de cima. A melhor aproximação advém de mais condições de trabalho para as equipas com a criação de centros de treino. Muitas equipas têm muitas dificuldades em relação ao treino. Se tivermos maus relvados para treinar, más condições para o trabalho então como é que vamos proporcionar qualidade de jogo? Não é só no jogo, não chega, é no treino, de forma diária, de forma sistematizada.

Quando um treinador ganha é trabalho e esforço, quando começa a perder é de quê? É azar?
E não somos os mesmos? Em termos estatísticos, a mudança não traz resultados significativos a muitas equipas. Umas vezes corre bem, outras vezes não. Os clubes ficam tentados a mudar e o mais fácil é mudar o treinador, mas nem sempre é a melhor opção. Eu próprio já estive nessa situação. Já estive num ciclo de três derrotas, onde foi equacionado sair. Estive mesmo para ir embora, percebi isso. A decisão acabou ser ficar, os dirigentes foram ao balneário e disseram este é o treinador até ao final e acreditamos nele. Posso dizer-lhe que nessa época perdi só três vezes, foram aquelas, e estive para sair. Fiquei, não perdi mais até ao final e subimos de divisão. Se não houver tato e sensibilidade dos dirigentes para saber se a equipa está ou não está com o treinador, saber se existem ou não condições de continuidade. Se faltar isso podem ser tomadas decisões muito erradas que levem à mudança.

Existe muito imediatismo?
Existe alguma impaciência, a ideia de que mudança traz vitórias. Nos meus primeiros anos de treinador tive uma experiência dessas. Vinha de um ciclo de vitórias, empatei em casa com o terceiro classificado e tinha dirigentes sem experiência e fui despedido, fui mandado embora. Na teoria dessas duas pessoas – do presidente e do presidente da assembleia geral – uma mudança de treinador traz vitória. Foi um empate em casa, foi algo de inacreditável.

Tem 46 anos. Não é tarde para chegar à I Liga?
Nem tanto. A maioria são jogadores que deixam de jogar, vão fazer a sua formação e acabam por ser treinadores, esses são os mais novos. Acho que no caso do treinador não. Vemos treinadores com 60 anos no ativo e em grandes equipas. Em Portugal tanto se aposta num treinador com experiência, com 50 e muitos, como se dá oportunidade a um ex-jogador sem experiência, porque jogou e é-lhe proporcionado uma oportunidade na I Liga.

Isso não terá muito a ver com a forma como o negócio do futebol está montado?
Também, óbvio que sim. Tem a ver com as dinâmicas do futebol, com os agentes de futebol, tem a ver com os contactos. Tem a ver com isso tudo.

Pairam sobre o futebol algumas sombras. Sobre os negócios, as arbitragens..
Eu faço o que gosto, corro na minha pista. O que se passa ao lado são problemas dos outros. Faço o meu, tento fazê-lo o melhor possível com exigência na minha equipa técnica, exigência ao nível do treino, a proporcionar um bom grupo de trabalho, bom companheirismo,a tentar com que haja respeito, coerência nas decisões para que o grupo sinta que somos todos importantes, que pertencemos todos ao mesmo, jogando menos ou mais todos são válidos para mim e para a equipa. A olhar não para o que os outros estão a fazer, mas para o que estamos a fazer. É uma semana de trabalho com treino, vamos treinar, jogamos. Passou venha outro. Tão simples quanto isto.

Como é que põe ordem no plantel?
(Risos) Com regras, com disciplina, com cobrança, com comunicação, com conversa, com partilha. Falamos muito. Percebemos que umas vezes estão mais tristes do que outras, precisam de atenção. Não é fácil. A gestão de um grupo de trabalho é complicado. Um treinador tem de tomar muitas decisões, tem que fazer muitas escolhas, tem que decidir muita coisa e tem que tentar acertar em muita coisa também. Quando erra muito é mau sinal.

Gregrio Cunha

Há ainda a ideia de que os jogadores de futebol são assim um bocado destravados.
São se os deixarmos. O jogador de futebol tem de aproveitar enquanto joga. Um jogador precisa de jogar e jogar faz a diferença toda. Os jogadores vivem muito do momento, aproveitar o momento. Futebol é bom é a ganhar, porque perder é péssimo. Como é bom é a ganhar temos de fazer tudo para que isso aconteça. É um grande princípio, mesmo fora de campo.

E como é reverteu a indisciplina no Marítimo?
O lado da indisciplina tem a ver com o passado. O histórico do passado do Marítimo em termos de cartões vermelhos e amarelos é negro. É muito cartão vermelho, muito cartão amarelo. A principal referência a esse nível foi o Raul, central, que teve quatro vermelhos na época passada. Como é que um jogador que leva quatro cartões vermelhos anda direitinho esta época, como é que a equipa que era indisciplinada anda direitinha? Não é fácil como é evidente, mas passa por regras que foram introduzidas.

Um exemplo dessas regras que foram introduzidas?
Quando entrei disse que o jogador que a primeira vez que fosse indisciplinado ao ponto de eu sentir que estava a passar a linha automaticamente deixava de jogar, fosse quem fosse. Posso dizer que isso aconteceu, houve um jogador que ficou sem jogar e foi a única vez. Ninguém mais passou a linha, Estamos todos dependentes uns dos outros, um jogador penalizado é um jogador que faz falta.

E o Diego Souza?
Sobre o Diego Souza o que foi complicado foi o tempo que demorou a decisão do castigo, que se sabe agora que é de seis meses de suspensão, e o deixou na incerteza sem saber se jogava ou não jogava, se treinava ou não. Isto dá cabo de um jogador. Como é que se consegue ter um jogador motivado para jogar, com atenção, com dedicação? O Diego Souza passou por essa dificuldade. Nós treinadores fomos muito sinceros com ele e ele gosta muito de nós, ainda agora nos disse: “Mister não dá mais para ajudar, eu queria”. Eu disse-lhe que, mesmo castigado, continuava a ser um de nós. “Não podes treinar, damos-te treino à parte. Seja na praia, seja no parque, seja no ginásio. No clube estás proibido, mas nós vamos dar-te treino”. Quando era permitido jogar vinha, quando não era voltava a treinar fora. Tivemos preocupações com ele, ele ficou agradecido e isso é importante. E ele tentava retribuir com ajudas positivas.

E é fácil vir treinar para as ilhas?
Temos de nos adaptar, passamos muito tempo sozinhos, para quem está com a família fica mais fácil. Eu e a minha equipa técnica não, estamos sozinhos e fica um pouco difícil. Há muitos momentos de solidão, de estarmos sós. A televisão ajuda, a internet ajuda. Temos muito tempo para pensar em futebol, para nos dedicarmos ao futebol, para planearmos. Há muito tempo, não temos a família por perto, mas por vezes fica difícil, principalmente quando corre mal. Quando corre mal a família é uma grande ajuda. Nessas alturas chegamos a casa temos os filhos, a esposa e o futebol fica à porta. Aqui não, estamos sozinhos e chegamos a casa e é futebol o tempo todo.

Dá-se bem com os sotaques das ilhas?

Uii... Isso é uma guerra. Já me aconteceu ter de pedir para repetir por não ter entendido à primeira. Quando falam muito rápido.

A insularidade ainda é um problema?
Eu acho que não, vou-me habituando a viver numa ilha, às características da ilha e não noto isso sinceramente.

Tem medo de andar de avião?
Não. Senão não tinha vindo! (Risos)

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