Só às 17h15 (20h15, em Lisboa) a coisa foi tornada oficial. O procurador geral, John Broyad, confirmou aquilo que todo o país sabia, mas não queria ouvir. "Infelizmente, podemos confirmar o falecimento de Diego Armando Maradona aproximadamente às 12h. Às 16h, começou o trabalho da Polícia Científica. A partir das 18h, a autópsia para determinar as causas da morte, mas não se percebeu nenhum sinal de criminalidade, de violência. O falecimento possui características naturais", anunciou Broyad no meio de um tumultuoso enxame de jornalistas em frente à casa onde Maradona faleceu.
O procurador tentou fintar a imprensa. Enquanto falava, o corpo de Maradona saía de casa cercado por viaturas da Polícia rumo à morgue de San Fernando, município vizinho ao Tigre, onde Maradona estava desde o dia 11 de novembro, depois de ter recebido alta da clínica onde foi operado, no dia 3, de um hematoma subdural e onde começou a tratar os sintomas da abstinência ao álcool, vício que substituiu os anteriores.
O corpo, transportado em caravana policial, foi acompanhado como uma procissão transmitida televisivamente para todo o país. Assim como a finta do promotor não evitou a cobertura da imprensa, Maradona não conseguiu dar a sua última finta à morte.
A cama
Segundo o relatório policial, Diego Maradona acordou de manhã, mas voltou a adormecer. Não se estava a sentir particularmente bem. Quando lhe foram dar um medicamento aparentava continuar a dormir, mas já não acordaria mais.
Ao constatarem que não reagia, foi chamado um médico vizinho para ajudar. Enquanto lhe praticavam reanimação cardiopulmonar (RCP), um serviço médico privado foi chamado. As tentativas de reanimação duraram 30 minutos, até as 11h45. Ao meio-dia, a Polícia foi avisada.
Nasce a lenda
A Argentina vive uma espécie de feriado forçado de tristeza. Na Vila Fiorito, a favela na periferia de Buenos Aires onde Maradona viveu, os moradores foram até onde os Maradona viveram; espontaneamente, pintaram a fachada abandonada num sinal de homenagem ao que, por aqui, é uma religião.
Da mesma forma, adeptos ocuparam espaços emblemáticos da carreira do jogador. À porta do clube Gimnasia y Esgrima de La Plata, a 56 Km de Buenos Aires, último clube do qual Maradona foi técnico. À porta do Clube Atlético Newell's Old Boys, em Rosário, província de Santa Fé. À porta do seu clube de coração, o Boca Juniors. Ou onde tudo começou: o clube Argentinos Juniors, no bairro de La Paternal em Buenos Aires.
Em todos: faixas, cartazes, flores e velas em homenagem.
"Eu estive neste estádio, quando ele estreou em 20 de outubro de 1976. Foi a melhor fase do futebol dele. Fez coisas incríveis aqui. Era um gigante. Sem ele, o futebol morreu. É o que sinto. O futebol morreu. Não houve, não há e não acredito que haverá alguém que o supere. Nasce uma lenda", diz emocionado Claudio, de 72 anos.
"Venho render homenagem porque aqui foi onde a mágica começou. Este é o lugar que mais o representa na essência. Não acreditei quando soube. Não pude evitar chorar. Foi o argentino que mais alegrias nos deu na vida. Pensamos que o mito é imortal. Mas hoje o mito torna-se lenda", afirma Alberto, de 55 anos.
No Boca Juniors, o clima era o mesmo. Foi aqui que Maradona se lançou ao mundo e era aqui que tinha um camarote que ocupava o camarote como adepto. Um adepto divino.
"Aqui era o Diego do povo. Por mais que alguém jogue parecido e queira destroná-lo, nunca haverá outro Maradona. Maradona não morrerá nunca. Nasce a lenda", acredita Juan Pablo, de 32 anos.
O luto
O velório de Maradona, no entanto, não será em nenhum dos clubes. Será na Casa Rosada, sede do Governo. Nos próximos três dias, o presidente Alberto Fernández suspendeu toda a agenda oficial: Maradona tornou-se questão de Estado.
"Estou a receber mensagens de autoridades do mundo. O chanceler do México, o rei de Espanha. Todos me dão as condolências. Nunca vamos poder pagar tanta alegria que Maradona nos deu. São essas mortes que não podem ser preenchidas com nada. Não sei se alguma vez, poderemos ter outro Diego. Eu duvido", avaliou o presidente Alberto Fernández, que demonstrou não ter concordado com a alta médica no dia 11 de novembro. "Quando o retiraram da clínica, eu fiquei preocupado porque me lembro de ouvir um médico dizer que não era prudente dar a alta", questionou.
Entretanto, a Confederação Sul-americana de Futebol (Conmebol), por pressão do clube Boca Juniors, suspendeu o jogo desta noite entre o Boca e o Internacional pela Taça Libertadores da América, em Porto Alegre. A Conmebol pretendia fazer uma homenagem, mas os jogadores argentinos avisaram que não entrariam em campo. O jogo será dentro de uma semana.
"O clube agradece o respeito da Conmebol", anunciou, numa nota, o Boca Juniors. "O legado de Maradona será transmitido de geração em geração até a eternidade. Boca decreta três dias de luto e suspende todas as atividades", anunciou o clube num espelho do que se tornou a Argentona, paralisada pela morte do seu mais famoso filho.
Como diz o jornalista e escritor, Daniel Arcucci, Maradona era o último mito vivo da Argentina. "Diego está dentro da galeria dos mitos da Argentina. Nessa galeria estão Ernesto 'Che' Guevara, Evita, Carlos Gardel, Juan Domingo Perón e Juan Manuel Fangio. Sobre todos eles, havia devoção em vida, mas o mito veio com a morte", disse ao Expresso o autor do livro "El Diego de la gente"(O Diego do povo).