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Reportagem. Em Buenos Aires, os argentinos velaram Maradona, que amou furiosamente e só quis ser amado

Reportagem. Em Buenos Aires, os argentinos velaram Maradona, que amou furiosamente e só quis ser amado
Tomas Cuesta

Uma multidão passou a noite em vigília e festa na Praça de Maio à espera do melhor lugar para entrar no Palácio do Governo argentino para se despedir o ídolo. Antes, durante a madrugada, o corpo do ex-jogador atravessou a cidade enquanto as pessoas aplaudiam a caravana pelo caminho, assim como quando Maradona voltou campeão em 1986 ou vice, em 1990. Todos os estádios do país acenderam as luzes e as pessoas foram às janelas a aplaudir

Márcio Resende, correspondente em Buenos Aires

Durante a madrugada portenha, o corpo de Diego Armando Maradona chegou à Casa Rosada, o palácio do Governo, onde nesta quinta-feira uma multidão calculada em um milhão de pessoas pretenda despedir-se do maior ídolo do futebol argentino.

Os portões serão abertos às 6h (9h em Lisboa) e fechados às 16 horas (19 horas em Lisboa), embora não se tenha certeza se o horário não será estendido ou mesmo se haverá um segundo dia para a despedida popular.

"Tudo vai depender da decisão da família, de Claudia Villafañe (ex-esposa) e de Dalma e Giannina (filhas). Elas vão definir a duração do velório", anunciou o presidente Alberto Fernández.

O horário de abertura estava previsto para as oito, mas foi antecipado duas horas. Um movimento que poderia indicar que o objetivo da família é limitar o velório a apenas um dia.

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Antes da abertura dos portões da Casa Rosada, durante a madrugada, a família velou o corpo em companhia dos amigos mais íntimos e de ex-técnicos e jogadores, como os campeões de 1986.

Buenos Aires não dormiu

Quando o cortejo fúnebre chegou, a multidão na Praça de Maio, em frente à Casa Rosada, explodiu em cânticos, gritos e fogos de artifício. Ao longo de toda a noite e madrugada, a Praça, transformada numa gigantesca arquibancada popular agitou bandeiras, faixas e gritos em torno de duas palavras repetidas incessantemente: Diego e Maradona.

Apesar de a Argentina ser um dos países com maior contágio e mortes por coronavírus do mundo, não houve distanciamento social e muitos não usaram a máscara obrigatória em Buenos Aires.

A previsão é que a fila para despedir Maradona se estenda por mais de um quilómetro num momento histórico só comparável às mortes de Carlos Gardel, Juan Domingo Perón ou Eva Duarte de Perón, a Evita.

"A morte de Maradona poderia ser comparada com a morte de Perón ou mesmo de Gardel. Sempre se imaginou que o funeral de Maradona geraria algo muito forte no país. Não sabemos o que vai acontecer neste período de pandemia, mas o funeral de Maradona é um fenómeno de massas. Estamos a falar dos grandes mitos populares argentinos", compara ao Expresso o sociólogo Pablo Alabarces, um dos fundadores da sociologia do desporto na América Latina e considerado um "maradoniano", dados os seus estudos sobre o fenómeno popular em torno do ex-jogador.

Antes de chegar à Casa Rosada, o corpo de Maradona foi da morte a uma casa funerária para a preparação final. O trajeto de 24 quilómetros foi acompanhado por uma esteira de torcedores. À medida que a caravana atravessava a capital argentina, as pessoas à beira de ruas e avenidas aplaudiam e emocionavam-se com a homenagem derradeira.

Foi o mesmo comportamento visto em 1986, quando a seleção argentina de futebol, liderada pelo capitão Maradona, voltou vitoriosa do México. Também quando a seleção retornou vice-campeã da Itália em 1990.

Estádios acesos e aplausos das janelas

Ao longo da noite, em pontos estratégicos e representativos da história de Maradona as pessoas deixaram oferendas e preces. Aconteceu, por exemplo, à porta do clube Argentinos Juniors, onde pequenos altares com velas, flores, fotos e bandeiras foram armados pelo acúmulo de homenagens.

O tradicional "D10s" por "Dios" em espanhol (Deus) e o número 10 de Maradona tornou-se "Ad10s" (Adeus).

Às dez da noite, o estádio onde Maradona se estreou em 1976 - e que hoje tem o seu nome - soltou fogos de artifício e abriu as portas para milhares de fãs que não paravam de cantar.

Todos os estádios da Argentina acenderam as luzes como se iluminassem o palco para mais um espetáculo do futebol comandado por Maradona.

Das janelas, as pessoas aplaudiam, assim como faziam nos primeiros meses da pandemia em homenagem ao pessoal de saúde.

O que Maradona esperava do seu funeral

Em 2005, no programa "La noche del 10" (A noite do 10) apresentado por Maradona, o jogador fez uma entrevista consigo mesmo, usando um sósia."

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Se você tivesse que dizer umas palavras no cemitério ao Maradona, o que diria?", perguntou Maradona a si mesmo. "Obrigado por ter jogado futebol porque é o desporto que mais alegria me deu. Foi como tocar o céu com as mãos, graças a bola", respondeu o próprio Maradona, acrescentando: "Eu colocaria na lápide: Obrigado à bola".

"E o que você gostaria que a Claudia (ex-esposa) dissesse nessa despedida?", indagou Maradona a si mesmo. "Ainda que estejas morto, continuo a amar-te", respondeu Maradona. "E o que você gostaria que as suas filhas dissessem?", avançou Maradona a si mesmo. "Nós te amamos, pai", respondeu Maradona sobre o dia do seu próprio funeral.

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