Luís Filipe Vieira: tudo corria sobre rodas até o Fisco encontrar um túnel ao fundo da Luz

Miguel Prado (texto) Alex Gozblau (ilustração)
Naquele fim de tarde de sexta-feira, o jardim do luxuoso Cap Estel Hotel, debruçado sobre o Mediterrâneo, estava impecavelmente decorado para a festa dos 50 anos de Vadim Vasilyev. O vice-presidente do AS Mónaco convidara uma centena de familiares e amigos para celebrar o seu aniversário, num requintado jantar com direito a música, números de circo e a presença de um dos maiores empresários do mundo do futebol. Jorge Mendes e a sua mulher tinham um lugar privilegiado na mesa Monte Carlo, encabeçada por Vadim. Ao lado, na mesa Singapura, falava-se português. Aí estavam o presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, o treinador do Mónaco, Leonardo Jardim, e o advogado Carlos Osório de Castro, que representa estrelas como Jorge Mendes e Cristiano Ronaldo.
Na festa de aniversário de Vadim Vasilyev, a 25 de setembro de 2015, o ambiente era descontraído. Vieira e Mendes, de fato escuro e camisa branca, sem gravata. Vadim de sapatos azuis, calças brancas e casaco azul claro. Reinava a boa disposição. Uma nova época futebolística estava a arrancar e a janela de transferências desse verão tinha corrido bem ao Mónaco. Os monegascos haviam pago €73 milhões em novas contratações (incluindo €15 milhões pelo benfiquista Ivan Cavaleiro, num negócio intermediado por Mendes) e encaixaram €216 milhões na venda de vários jogadores (como Anthony Martial, transferido para o Manchester United por €80 milhões).
O Mónaco, detido pelo empresário russo Dmitry Rybolovlev, era já então uma pedra fundamental no xadrez de Jorge Mendes, juntamente com outros clubes europeus com os quais o agente de Ronaldo foi fazendo negócios milionários, como o Atlético de Madrid, o Valência e o Benfica. Nesse mesmo ano 2015 também o português Bernardo Silva, com apenas 30 minutos jogados pela equipa principal do Benfica, foi transferido da Luz para o Mónaco por €15,75 milhões. Os críticos falam de Jorge Mendes como o dono de um carrossel onde o empresário vai faturando largos milhões em comissões em cada volta dada por um dos seus jogadores, do clube A para o B, daí para o C, até chegar ao D. No Benfica foram várias as vendas de jogadores que renderam à Gestifute comissões de 10%, como sucedeu com a transferência recorde de João Félix para o Atlético de Madrid por €120 milhões.
No outono de 2015, enquanto o Benfica jogava com a estrela de bicampeão, a Promovalor afundava-se, somando nesse ano um prejuízo de €90 milhões
Luís Filipe Vieira encara a parceria com Jorge Mendes com naturalidade. A comissão da Gestifute é como a bandeirada garantida ao entrar num táxi: já sabemos com o que contar. “Fazem disso um bicho de sete cabeças. Chamo-lhe um táxi. É o táxi que o Benfica faz. Há muita gente a ligar para ele para fazer negócios e ele não faz”, comentou o presidente do Benfica em 2018, numa entrevista à TVI. Hoje garante ao Expresso que Mendes é seu amigo, mas não têm quaisquer negócios fora do Benfica.
Carrossel ou táxi, conforme se queira, a parceria com Jorge Mendes tem rendido dezenas de milhões de euros ao Benfica, sendo uma das razões do sucesso financeiro do clube nos últimos anos. As águias têm conseguido manter o controlo da sua sociedade anónima desportiva (SAD), ao contrário de outros clubes europeus, que vêm sendo comprados por investidores estrangeiros, nem sempre em total cumprimento das regras do fair play financeiro da UEFA. O Mónaco, como o PSG, o Manchester City ou o Wolves, acabou por ser um dos alvos do capital externo. Mas os bolsos fundos que financiaram o clube do Principado não foram árabes nem chineses. O dinheiro veio da Rússia.
No aniversário de Vadim Vasilyev eram muitos os russos presentes no Cap Estel Hotel. Eram pouquíssimos os portugueses. Luís Filipe Vieira faz parte de um seleto grupo de homens de confiança de Jorge Mendes. E Mendes estava no círculo íntimo de Vadim. Amigo do meu amigo meu amigo é, diz a sabedoria popular, e assim apareceu Vieira na festa de Vadim, entre russos endinheirados num hotel de charme no Mónaco. Mas nesse início de outono Luís Filipe Vieira era, em simultâneo, o presidente do bicampeão Benfica, e o dono da altamente endividada Promovalor. No sábado a seguir ao jantar no Mónaco as águias batiam na Luz o Paços de Ferreira por 3-0. Nessa época o Benfica seria tricampeão. Mas os negócios de Vieira fora do futebol agonizavam. Em 2015, a Promovalor somaria prejuízos de €90 milhões. Em falência técnica, o seu capital próprio era já negativo em €162 milhões. O sucesso no relvado florescia. Fora dele nem por isso.
Menos de um ano antes a empresa imobiliária de Luís Filipe Vieira até tinha aberto um hotel de cinco estrelas no Nordeste do Brasil, no complexo turístico Reserva do Paiva, no Recife. A inauguração da unidade hoteleira, com a bandeira Sheraton, teve pompa e circunstância. Um concerto de Maria Rita animou mais de mil convidados. Mas um par de anos mais tarde este empreendimento, uma das joias da coroa da família Vieira, seria entregue a terceiros, por força do elevado endividamento do grupo Promovalor perante o Novo Banco. A instituição que sucedeu ao Banco Espírito Santo (BES) havia herdado uma longa lista de créditos problemáticos. Entre eles os concedidos às empresas de Luís Filipe Vieira no tempo em que a torneira do BES jorrava dinheiro com facilidade.
Durante anos o administrador financeiro do BES Amílcar Morais Pires foi um dos aliados de Luís Filipe Vieira. Em outubro de 2014, pouco depois do colapso do banco, o “Público” escrevia que “eram normais” os jantares na sede do BES entre Morais Pires e Vieira. E o administrador do BES, assumido benfiquista, era presença assídua na Luz. A relação com Vieira era estreita. Em 2013, apurou o Expresso, Morais Pires aceitou um convite para ir a Londres assistir à final da Liga dos Campeões, entre Bayern Munique e Borussia Dortmund. O convite, que incluiu o também administrador do BES António Souto, partiu da Promovalor, através de Manuel Almerindo Duarte, sócio de longa data de Vieira naquela empresa imobiliária, que assumiu as despesas da viagem, com jato privado.
Tem alguma questão? Envie um email ao jornalista: tribuna@expresso.impresa.pt