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Não pensamos no Desporto em Portugal: “É mais fácil falar de uma ausência, ou pelo menos de escassez de cultura desportiva”

Não pensamos no Desporto em Portugal: “É mais fácil falar de uma ausência, ou pelo menos de escassez de cultura desportiva”
Luísa Ávila da Costa e Constantino Pereira Martins são académicos doutorados que lideram a Associação de Filosofia do Desporto em Língua Portuguesa. Responderam, em conjunto, às perguntas com que a Tribuna Expresso tentou saber as razões para em 29 debates entre os líderes dos partidos com assento parlamentar nunca se ter puxado o desporto para a conversa. Elas são várias. E no país onde nem existe um ministério dedicado à área (como em 19 dos 27 da União Europeia), eis “a ironia” em que nos encontramos: “O desporto corre mesmo o risco de se ver no lugar menos importante dos assuntos menos importantes da vida.”

O que faz, realmente, a cultura desportiva de um país? O conceito parece abstrato por ser intangível, não lhe conseguimos aferir as curvas e agarrar com as mãos, mas sentimo-lo a cada celebração de conquistas ou depressão do insucesso, nessa dicotomia entre vitória e derrota, na tendência a ter adversários como inimigos, cavando trincheiras que se polarizam, ou na preocupação das pessoas, a cada quatro anos, com o olimpismo, após o vetarem ao menosprezo ou até ao esquecimento durante o quadriénio entre Jogos. E, claro, na quase monopolização exercida pelo futebol no espaço público. Mesmo sem ser palpável, os traços da relação do povo português com o desporto são identificáveis no que se vê, ouve e lê diariamente.

Todos os elementos foram diagnosticados por Luísa Ávila da Costa e Constantino Pereira Martins no âmago de como Portugal vive com o desporto. Professores doutorados e membros da direção da Associação de Filosofia do Desporto em Língua Portuguesa (AFDLP), explicam que “talvez fosse mais fácil falar de uma ausência, ou pelo menos de uma escassez de cultura desportiva em Portugal”. Como o tantas vezes dito, qualquer costela desportiva tenderá a refletir os trejeitos da sociedade na qual se insere e longe de quererem diabolizar o futebol, tão “central na nossa cultura e identidade social”, os académicos identificam “os desvios e as obsessões” causados por “uma monocultura desportiva”. E citam uma sumidade do pensamento crítico do país para o sustentar.

Os académicos elaboram sobre como se “reproduzem as taras da sociedade” no desporto, frase de Manuel Sérgio, filósofo, professor catedrático e o ‘crânio’ da motricidade humana, disciplina na qual a sua tese de doutoramento perdura como manual. Por escrito e com respostas assinadas em conjunto, explicam: “A obsessão funcionalista com a produção de resultados e com a maximização das vantagens económicas e financeiras, assim como a polarização do diálogo público, entre outras, que nos impedem muitas vezes de ver e apreciar o próprio jogo, repercutindo-se isto nas nefastas consequências da desertificação do panorama desportivo global.” Na era da pressa e da falta de tempo, cheia de procura de respostas simplistas, o desporto “nem é consensualmente considerado uma forma de cultura” - isto quando a própria cultura “não tem recebido a devida atenção e relevância”. Por isso, os líderes da AFDLP temem o pior: “o desporto corre mesmo o risco de se ver no lugar menos importante dos assuntos menos importantes da vida.”

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