Automobilismo

Romagem à Lousã, santuário dos ralis

Romagem à Lousã, santuário dos ralis
Mário Cardoso

A crónica do primeiro dia do Rali de Portugal, feito de muito equilíbrio na frente

Romagem à Lousã, santuário dos ralis

Rui Cardoso

Jornalista

Se Fafe é a catedral do Rali de Portugal, então a Lousã é, no mínimo, a sacristia, senão o santuário. O mesmo se aplica à vizinha serra do Açor que é como quem diz aos troços de Góis e de Arganil que, juntamente com o da Lousã, abrilhantam o primeiro dia do rali desde que este voltou a algo de parecido com o figurino dos velhos tempos.

Devotos não faltam para esta celebração pagã e, a julgar pelas bandeiras e pela forma de falar, alguns vêm de tão longe como a Polónia ou a Estónia. Foi esta moldura humana que enquadrou um primeiro dia da prova a contar para o Mundial de Ralis (WRC) e durante o qual, sobretudo nas segundas passagens por Lousã, Góis e Arganil, ninguém brincou em serviço. Prova disso, à hora de almoço, ao final da primeira ronda, os seis primeiros pilotos estavam separados por escassos nove segundos e ter havido quatro vencedores diferentes dos troços: Takamoto Katsuta da Toyota (Mortágua 1), Dani Sordo da Hyundai (Lousã 1, Góis 1 e Góis 2), Thierry Neuville da Hyundai (Arganil 1), Sebastien Ogier da Toyota (Lousã 2). Com o pormenor picante de, antes do troço final de Mortágua 2 que encerrará este primeiro dia, a diferença entre o primeiro (Neuville) e o segundo (Ogier) ser de seis décimas de segundo.

À segunda passagem pela Lousã, no local onde me encontrava, bem perto do final do troço, em Vilarinho, Sebastien Ogier, veterano destas andanças, deu um festival de condução, conduzindo simples, sem espalhafatos mas desenhando as trajectórias como um catedrático de geometria. Como diziam os antigos, o diabo sabe muito, não por inerência demoníaca mas por ser velho…

Velhas glórias na Lousã

E por falar em velhos, uma vez mais, graças à conjunção de numa série de boas vontades, incluindo a Câmara da Lousã e um piloto da região que aqui se notabilizou noutros tempos ao volante de uma improvável Renault 4 – Pinto dos Santos – velhas glórias dos ralis por aqui se juntaram para assistir à passagem dos concorrentes nos ganchos do final do troço.

Octavio Passos

Foi a oportunidade para ouvir um ror de histórias das bocas de pilotos como Jorge Ortigão, João Baptista ou Carlos Barata. Quando perguntei a Ortigão como é que se conseguia travar na rampa do final do antigo troço das Lousã (a famosa descida de Cacilhas) ele foi ao telemóvel, mostrou uma foto a preto e branco do Mazda que então guiava completamente atravessado e disse: “Assim”. Barata foi o pai do novo troço da Lousã, não só reconhecendo o novo traçado, como aliciando a Câmara para o manter em condições compatíveis com duas passagens de quase cem concorrentes.

Finalmente Baptista evocou os seus tempos de navegador de Américo Nunes dizendo que o lendário piloto dos Porsches enquanto guiava lhe ia mandando apontar todos os pequenos barulhos que detectava, desde apoios de escapa ou caixa de velocidades a muitas outras mazelas. “Quando chegávamos ao fim da prova, a folha de obra para a manutenção já estava feita…”

Quando os troços tinham 70 km

Se hoje as diferenças se medem ao segundo e as classificativas têm em média 20 km, antigamente os troços eram muito maiores. O famoso troço do Mondego tinha 70 km e como recorda Baptista, “demorava mais de uma hora a fazer, de tal forma era sinuoso”. Ortigão temia mais Monchique: “Eram 50 km e nunca sabíamos se quando entrávamos, voltávamos a sair…”

No centro do Funchal uma galeria da fama homenageia os vencedores do rali da ilha. Algo que comoveu João Baptista até descobrir que alguns dos passeantes na zona aproveitavam a rugosidade das paredes do “hall of fame” para apagar os cigarros. Bem diziam os romanos: sic transit gloria mundi, ou seja nada mais efémero que as glórias deste mundo.

Efémeras serão, mas a homenagem aqui fica.

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