E foi quando muitos de nós antecipavam mentalmente a mesma resposta aborrecida à pergunta da continuidade que Bruno Lage decidiu inovar no estilo. O treinador do Benfica sugeriu então que os jornalistas eram parte interessada e ativa num grande plano obscuro para o retirar do lugar que não é dele - apesar de ter dito “o meu lugar” -, mas do clube. Acusou os presentes de serem pagos em jantares e viagens por alguém para “promover” outro alguém que ele não disse quem, mas especificando porquê. Uma teoria conspirativa construída em direto.
Foi gratuito, despropositado e insultuoso. Por outro lado, também foi inesperado.
A colorida semântica do futebol português já nos trouxe escatologias e metáforas duvidosas, portanto todos concordamos ter ouvido antes subtilezas piores do que esta; o surpreendente, aqui, foi o protagonista.
É que estas insinuações revelaram o troll que desconhecíamos existir em Bruno Lage, o homem que não responde a polémicas das redes sociais, que pede aos adeptos para limparem o Marquês a meio da festa, que elogia os adversários, que insiste em explicar holisticamente problemas particulares, falando da técnica e da tática, e que evita desculpar-se com erros de arbitragem. As considerações mais ou menos agressivas de Lage em conferência de imprensa tinham sido quase sempre camufladas pela pinta de professor-assistente da FMH que marcava as suas intervenções. Até terça-feira.
Daí que se possam inferir duas coisas: a primeira, que é possível que o Benfica tenha perdido o título com o Santa Clara; a segunda, que Bruno Lage esteja ele próprio perdido.
Há alguns sinais que apontam para este, vá, caminho sem retorno.
Um deles é o desgoverno nas escolhas para o onze, cujos pontas-de-lança residentes têm variado semanalmente, somando-se as trocas no meio-campo e o espantoso ex-proscrito Zivkovic no pós-confinamento. Lage legitima estas - alegadas - indefinições com o trabalho no treino, o “momento” e o jogo do adversário. Sobre os dois primeiros argumentos, só ele saberá o que se passa dentro do clube; sobre o terceiro, parece-me impraticável que se mude constantemente de jogadores. Fazê-lo, e ainda por cima em fase de crise, parece fezada e não uma estratégia cuidadosamente planeada.
O segundo é o evidente desassossego de Bruno Lage nas conferências de imprensa, cada vez mais permeável às críticas que ele não gosta, mas que são legítimas quando um clube ganha apenas dois dos últimos encontros disputados - e regista a pior série de jogos em casa da sua história centenária (duas derrotas e três empates). A desculpa da ausência de público - no início da época foi a relva - é indefensável perante a sucessão de erros e equívocos individuais e coletivos de uma equipa que em maio de 2019 se sagrou campeã.
Obviamente, Lage não será o único a culpar pelo status quo: o Benfica vendeu caro e comprou caro, mas não terá necessariamente comprado o que precisava num modelo de jogo que assenta na qualidade individual, nas transições rápidas e num avançado como Félix ou Jonas.
Mas isso é irrelevante, pois a guerra entre empregados e empregadores é desigual e tem um desfecho previsível. É possível, portanto, que Lage saiba que o seu destino está traçado, pois a máquina do Benfica, em situações semelhantes, demonstrou ser implacável e com ele não será diferente. E já está em andamento, com os recados e as recomendações do costume: defender Luís Filipe Vieira, criticar o treinador.
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