O Benfica desembolsou quase 90 milhões de euros em comissões de intermediação pela transferência de 51 jogadores. O valor recebido pelos agentes desportivos foi superior em 76% das vezes ao teto máximo estabelecido pela FIFA, que recomenda que este montante não exceda os 3% da remuneração bruta dos jogadores em causa.
Os cálculos foram realizados pelo Expresso com base na auditoria realizada pela EY ao clube da Luz. A consultora avaliou 51 transferências de jogadores em 176 contratados pelo Benfica entre 2002 e 2023 e mostra que numa delas, a comissão ao agente foi de 980% acima da remuneração (ver subtítulo abaixo).
Noutros casos, algumas comissões de intermediação na transação de jogadores ultrapassaram outra recomendação da FIFA, que define este montante não exceda os 10% da transferência em si. Aconteceu em quase metade das vezes (44%), como nas compras e/ou vendas dos defesas Stefan Mitrovic (72%) e César Martins (44%), do médio Axel Witsel (82%) ou do guarda-redes Odysseas Vlachodimos (33%).
Em termos absolutos, o jogador que envolveu o pagamento maior de comissões a agentes desportivos foi o belga Witsel (mais de 9 milhões de euros para três agentes diferentes), o brasileiro Talisca (8,5 milhões para cinco agentes) e Andrija Zivkovic (6 milhões a dois agentes).
O relatório mostra ainda que em onze transferências, estiveram envolvidos mais do que um agente desportivo e questiona a existência de vários empresários com o mesmo dossiê, como foi o caso da transação de Witsel, Zivkovic, Filip Djuricic ou Jonas, em que a EY diz: “Não nos foi fundamentado o motivo de existência de dois contratos de representação, com dois agentes diferentes, para a celebração desse mesmo contrato com o jogador”, referindo-se à transferência do avançado brasileiro para o Benfica.
Apesar de todas estas questões levantadas, a consultora refere que este tipo de prática - quer no que toca às comissões pagas, quer ao número de agentes envolvidos - é comum em vários clubes europeus, recorrendo ao relatório “Football Agents in International Transfers”.
Ronaldo Camará: o homem dos 980%
Em dezembro de 2018, o Benfica avançou para a celebração de um contrato profissional com Ronaldo Camará, jogador que até então jogava nas camadas jovens dos encarnados. Para agilizar o processo, o clube da Luz pagou 600 mil euros ao agente desportivo Ulisses Santos, um valor que era 980% superior ao salário bruto do atleta. A FIFA recomenda que essa percentagem não ultrapasse os 3%.
A informação consta na auditoria forense realizada pela EY, que mostra que Ulisses Santos pertence aos quadros da empresa US11, detida em 80% pela Bidella Investments, com sede no Panamá, um paraíso fiscal. Quanto a Ronaldo Camará, acabou por sair do Benfica a custo zero, sem nunca se ter estreado pela equipa principal. O jogador pertence aos italianos do Monza e o Benfica ficou com direito a receber 50% de uma futura transferência.
Mas a intermediação da assinatura do contrato de Camará foi apenas uma das pagas a peso de ouro pelo Benfica, muito acima do que a FIFA recomenda. Na lista segue-se mais um atleta formado no Benfica: Pêpê, que atualmente milita nos gregos do Olympiacos, e por quem os encarnados pagaram uma comissão que era 278% acima da sua remuneração, também ao agente Ulisses Santos. Jonathan Ongenda (114%), Dálcio Gomes (111%), e Pelé (50%) são outros casos.
Para que serve o scouting?
Outra das conclusões evidenciadas neste relatório é que, de todas as transações que foram averiguadas pela consultora, em mais de metade (69%) o Benfica contratou jogadores sem ter qualquer relatório de scouting (dos olheiros que observam e, por norma, indicam potenciais jogadores a contratar) e/ou relatório médico.
Nestes 35 atletas, as águias desembolsaram 180 milhões de euros (contando com os valores das transferências e das comissões pagas). A maioria destes jogadores não teve sucesso desportivo e saiu passado um ano. Em alguns casos, os valores das transferências pagas foram recuperados.
Jogadores como Derlis Gonzalez (ler subtítulo seguinte), César Martins (por quem o Benfica acabou a pagar 150 mil euros ao Nacional da Madeira, para emprestar o jogador), Claudio Correa, Pedro Henrique, Yony Copete, Bernardo Martins, Ronaldo Camará, Erdal Rakip, Jonathan Ongenda, Dálcio Gomes, Yartey e Ghislain Mbeyo'o, nunca foram recomendados pela equipa de observação dos encarnados, o clube avançou na mesma para a sua contratação, mas nunca jogaram.
Depois, a EY salienta "incongruências" como no caso do dinamarquês Daniel Wass, onde a avaliação final do atleta "sugere a sua não contratação", mas o Benfica pagou mais de 5 milhões de euros em comissões a agentes desportivos, pela sua contratação e posterior venda aos franceses do Évian (o ala assina pelo Benfica como jogador livre depois do seu contrato com o Brondby IF, da Dinamarca, ter expirado).
Os pagamentos e os contratos triplos
No meio dos 611 contratos revistos pela EY, em alguns casos o pagamento das transações foi efetuado pelo Benfica para contas diferentes daquelas que estavam estabelecidas nos contratos. Segundo a análise dos auditores, foram detetados dois casos em este cenário se verificou.
Aconteceu, por exemplo, na venda de Derlis Gonzalez, em que parte do montante pago pelo Benfica foi parar a uma conta no nome individual de Carlos Alberto Gamarra Pávon, que tinha jogado duas épocas no Benfica, no final dos anos 90. No contrato, estava escrito que o montante iria para o beneficiário FCR Sport SA.
O jogador paraguaio chegou ao Benfica com 18 anos, no verão de 2012, oriundo do Club Rubio Ñu. Pela transferência, os encarnados pagaram o equivalente a 846 mil euros, mas mesmo antes de viajar para Lisboa, o paraguaio firmou três diferentes contratos com o Benfica, com diferenças quanto ao prémio de assinatura e à sua remuneração. A consultora não obteve “justificação para as diferenças entre os contratos”
No ano seguinte, em novembro de 2013, os encarnados alienaram os direitos económicos sobre Derlis Gonzalez à Master Internazionale FZC por um total de 1,2 milhões de euros, que posteriormente o vendeu ao FC Basileia por mais do dobro (3 milhões), três meses depois. De acordo com o Transfermarkt, o valor do passe do jovem paraguaio na altura era de um terço desse montante.
Outra transferência destacada pela é a do jogador Yony Copete, em 2020. O atleta vem a custo zero para o Benfica, que paga, no entanto, 2,25 milhões de euros em comissões ao agente Bruno André Carvalho. E a transferência é referida, uma vez que Bruno André Carvalho era, em simultâneo, agente do atleta e detentor de 15% da empresa que o representava, a Prime Sports.
“Esta situação poderá corresponder a um conflito de interesses, considerando que o agente Bruno André Carvalho tem interesses diretos na entidade que representou a Benfica SAD (...) e tem interesses diretos na entidade que representou o jogador, a Prime Sports”, pode ler-se no relatório. Copete nunca realizou um jogo ao serviço dos encarnados.
Apesar de todas as falhas admitidas pela EY, a consultora concluiu que os representantes da SAD encarnada não lesaram o clube. A investigação às contas da Benfica SAD tinha sido prometida pelo atual presidente do clube, Rui Costa, após a vitória nas eleições antecipadas do dia 9 de outubro de 2021. Foi pedida na sequência das investigações judiciais à gestão do antigo presidente dos encarnados, Luís Filipe Vieira. É divulgada quase três anos depois, na véspera de uma assembleia-geral de sócios com uma forte afluência prevista.