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Vem aí um jogo contra o Benfica e Mourinho já o começou a jogar

Vem aí um jogo contra o Benfica e Mourinho já o começou a jogar
Carlos Rodrigues

Mal confirmou um reencontro com os encarnados no play-off de acesso à Champions, José Mourinho falou ao seu jeito. “Acho que o Benfica não está feliz e sinto que preferiam o Feyenoord. Eles sabem que somos mais fortes e não vai ser fácil”, disse o treinador do Fenerbahçe, homem que também construiu a sua lenda com mind games

Com a melena ainda voluptuosa, é razoável afirmar, com a benesse da retrospetiva, que José Mourinho não precisava do ato que protagonizou naquela tarde de fevereiro. “Em condições normais, nós somos muito melhores. E em condições normais nós vamos ser campeões. Em condições anormais… também vamos ser campeões”, disse, equipado à treino, o fecho do casaco aberto, em 2003, a pausa na última frase e a palmada dada na mesa da conferência de imprensa a dramatizarem a intervenção. Era treinador do FC Porto, sabemos o que aconteceria uns meses adiante.

Dono dos seus costumes, Mourinho sempre foi assim, tanto que em Inglaterra não inventaram a expressão com a sua chegada, mas banalizaram o uso de “mind games” para lhe vestir esse chapéu em cada tirada do português, fã de as multiplicar generosamente e assim trazer a si essa muleta. “Tudo o que faço é mind games, tudo o que digo é mind games”, já se queixava o treinador em 2014, embalado pelo sarcasmo, durante a segunda e menos bem-sucedida passagem pelo Chelsea. Há pouco mais de dez anos, já se queixava da reputação que entretanto não amainou.

Vencedor das três provas europeias existentes, campeão nacional em Inglaterra, Espanha e Itália, colecionador de títulos em quatro países, os hábitos e trejeitos de Mourinho a comunicar para fora engordaram em evidências à medida que o treinador deixou de ter trabalhos para contestar a conquista dos principais campeonatos na Europa - ou seja, sobretudo ali a partir de meados da década passada, após o 2.º lugar na Premier League que logrou com o Manchester United, em 2018 (ficou a 19 pontos do City, rival citadino).

A apetência de José, hoje com 62 anos, de incluir, nas flash interviews ou conferências de imprensa, uma farpa ou alusão a algo que o insatisfizesse, fosse com intenções retroativas ou a pensar mais à frente, reforçou esse lado de quem ávido é a não dar nó sem ponta quando chega o momento de comunicar. Ganhando o Fenerbahçe, na terça-feira, ao Feyenoord em Istambul, na segunda mão da 3.ª pré-eliminatória da Liga dos Campeões, o português evidenciou de novo a sua apetência a tirar proveito das palavras.

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Ao reagir à vitória (por 5-2) e passagem (por 6-2) ao play-off de acesso à fase liga da Champions, o técnico teceu comentários ao próximo adversário, “que gastou uma quantidade incrível de dinheiro para tornar a equipa mais forte”. Referia-se, pertinentemente, ao Benfica, enunciado um desequilíbrio na perspetiva do ‘nós contra eles’ que insistiu em clivar. “Vai ser uma gigante missão. Há muitas equipas na Liga dos Campeões que podemos bater, mas o próximo adversário é um clube gigante que investiu uma quantia incrível para se reforçar e vai jogar a segunda mão em Lisboa.”

A mais mourinhesca das suas intervenções em Istambul, mal a partida terminou, nem foi essa. “Acho que o Benfica não está feliz e sinto que preferiam o Feyenoord”, opinou. “Eles sabem que somos mais fortes e não vai ser fácil”, acrescentou o treinador, limando já a mentalidade que pretenderá ver nos seus para a eliminatória. O primeiro encontro será a 20 de agosto, na capital da Turquia e no ambiente ruidoso do Fenerbahçe, onde chegou recentemente Nélson Semedo, além do avançado Jhon Durán e de Archie Brown, lateral esquerdo inglês.  

Ao calhar com brevidade uma partida oficial frente ao Benfica tão pouco após ter defrontado os encarnados em jogo particular, na Eusébio Cup, o mais titulado treinador português lá fora, o homem do “em condições normais” no FC Porto, do conceito “parking the bus” que introduziu aos ingleses, quando no Chelsea, e do “zero titoli” à boleia da “prostituição intelectual” de que se queixou no Inter de Milão, teve mais uma oportunidade para reforçar esta sua particular cadência. Vindo aí um jogo contra o Benfica, Mourinho já começou a jogar. 

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