Eleições Benfica 2025

Rui Costa, o presidente “do quase”, ganhou a primeira volta das eleições do Benfica e quase ameaçou a maioria absoluta

Presidente do Sport Lisboa e Benfica.
Presidente do Sport Lisboa e Benfica.
José Fonseca Fernandes

Foi o primeiro a votar e o último a falar. Desde os primeiros resultados conhecidos, vindos das casas do Benfica no estrangeiro, até às duas secções da Luz que acolheram os votos de quase 25 mil sócios, Rui Costa foi sempre liderando a corrida à frente de João Noronha Lopes, o candidato que muito falou em mudança e criticou os últimos quatro anos do presidente que ficou perto (a menos de 8%) de vencer as eleições à primeira volta. Para o segundo ato, a 8 de novembro (sem jogo do Benfica nesse dia), haverá mais de 25 mil sócios que ficaram órfãos de candidato

O primeiro a votar, era a manhã uma infante, Rui Costa não se riu mas poderia tê-lo feito quando os jornalistas lhe perguntaram se os resultados seriam conhecidos “ainda hoje”, o hoje sendo sábado. Tão-pouco riu ao ser questionado se estava confiante. “Sempre estive, hoje também estou”, respondeu. Já a madrugada de domingo era chamada às eleições e logo quando se soube das vontades vindas lá de fora, dos escassos votantes em Marselha, Hamburgo, Cidade da Praia ou Estugarda, constatou-se uma tendência: o presidente do Benfica usufruía de muita preferência dos sócios. 

O incumbente tinha razões para estar confiante.

Nestas eleições clubísticas politizadas como nunca, recheadas de tempo de antena nos canais de notícias, honras de horário nobre na TV e entrevistas diárias em jornais, arrumado ficou o Benfica-Arouca da noite de sábado e Rui Costa não quis politizar um pouco mais o dia histórico, à Benfica, em que a chuva encharcou o sufrágio para testar as vontades dos 85.422 sócios - 53,3% do total de elegíveis - que abandonaram o abrigo de casa para irem votar sob um céu cinzento e choroso. Terminado o jogo, ele quis ir para casa.

Preferiu o recato da família, poupou-se a ficar de plantão na sede de campanha (João Diogo Manteigas, Cristóvão Carvalho), a cochilar em quarto de hotel enquanto lá em baixo as bandeiras e os cachecóis de apoiantes viam o tempo passar (João Noronha Lopes) ou a esboçar uma tentativa de espera pelos resultados para depois se render ao sono, desligar o telemóvel e ir “para o vale dos lençóis” (Luís Filipe Vieira). A madrugada era a pior guardadora de segredos. Todos compreenderam a espera longa que aí vinha e Rui Costa, prático perante as evidências, foi o candidato que não falou, de todo, enquanto nada havia para dizer.

O primeiro a votar acabou por ser o último a falar. “No meio dos benfiquistas estou bem”, desabafou pela fresca, ainda no sábado, refastelado a falar para o coração dos adeptos, sem saber o que o sol traria da sua sesta. Domingo despertou para o manter estável na liderança, sempre acima da casa dos 44% dos votos à medida que mais e mais secções de voto iam sendo apuradas, uma tendência a cativar o sorriso no incumbente. O segundo lugar jamais conheceu outro que não João Noronha Lopes, nem por isso distante no número de votantes em relação a Rui Costa (uma margem entre os cinco e os seis mil), mas a ver a hipótese de uma terceira goleada do fim de semana aparecer.

DIOGO FARIA REIS

Aproximava-se a hora de ter faca, garfo e prato cheio à frente e um tacho com vagar para 200 mil votos de diferença era ameaçado. A vitória do ‘Maestro’ na sua versão de fato e gravata era uma inevitabilidade ao almoço e como entrada já se falava da hipótese de Noronha Lopes poder baquear, desistindo de ir a uma segunda volta das eleições. O benfiquismo dos sócios obliterou o recorde de afluência que pertencia ao Barcelona, desde 2010. A eficácia da equipa principal de futebol atropelou nos golos o Arouca, no Estádio da Luz. A força nas urnas do presidente “do quase”, soundbyte repetido pelo adversário como quem respira, honrava o cognome: quase ameaçava uma maioria absoluta.

Ainda as televisões guardavam o plantão diante da garagem da residência de Rui Costa e o empresário que se submeteu, pela segunda vez, às votações dos sócios não descolava da faixa dos 26% das preferências. E ainda estavam por conhecer os resultados guardados pelas duas secções com maior adesão no sufrágio, a do estádio e do pavilhão do clube, onde 24.627 tinham votado. Só uma bolha na Luz a armar-se em cúmulo da divergência salvaria Noronha Lopes do que outros lugares tornavam flagrante: o ex-jogador ganhara-lhe, em sócios e votantes, em todas as capitais de distrito onde havia secções de voto.

A expetativa que sobrava era devida aos novos Estatutos do clube, aprovados em março, que passaram a obrigar à realização de uma segunda volta caso nenhum candidato ultrapasse os 50%. A espera era para confirmar em que desaguaria a confirmada derrota para Rui Costa.

Ao início da tarde, a comunicação do empresário com passado na McDonald’s e repetente em eleições garantiu não ter sequer ponderado a hipótese de abdicar de se apresentar no segundo ato. “Se acham que alguém vai abdicar de alguma coisa, é porque ainda não conhecem bem o homem”, susteve Vasco Mendonça, o seu diretor de campanha, nas redes sociais. À hora de almoço, já havia mais de 200 mil votos a separar o incumbente do pretendente, embora nem oito mil votantes coubessem entre eles. Haverá, por isso, painéis de comentariado a fazerem chover sobre o molhado dos supostos ‘velhos’ que preferem Rui Costa, sem que um voto que valha 50 votos por recompensa aos 25 anos de filiação (havia 27.045 nessa condição) seja estanque a implicar que se trata de alguém na terceira idade.

Assumi-lo é outra das especificidades de eleições clubísticas, uma que existe dentro desta que tão específica foi na sua lonjura temporal. Chuvosa no arranque às 8h30 de sábado, cinzenta no fecho das urnas às 22h, pelas 14h30 de um domingo soalheiro, com azul lá em cima enquanto foi dia, passaram a faltar as tais duas secções de voto com mais votos lá guardados. Também visitante de vários feitios do clima, só perto das 16h30 chegou o último correio - mais de 32 horas após a abertura das urnas.

NUNO FOX

Confirmada a segunda volta, ilações haverá a tirar nas seis barricadas. A contestação a Rui Costa tinha pernas de barro, mais reputação e do que sustentação; a pujança percecionada em Noronha Lopes, cheio de tração aparente nas redes sociais, disponível para se multiplicar em aparições televisivas, retribuiu-lhe com mais 12.772 votantes do que os 14.337 que o apoiaram com uma cruz, em 2020, na sua primeira experiência em eleições. O espírito de mudança que saudou, por várias vezes, nesta ida outonal às urnas, não lhe valeu uma vitória.

Rapado o bigode, atrelado o reboque dos casos judiciais, os sócios com Luís Filipe Vieira mirraram por comparação com os que lhe deram um sexto mandato há cinco anos: teve 11.816 votantes, aquém dos 22.787. O mais velho ficou a ver de perto o seu oposto na idade, João Diogo Manteigas, a ultrapassá-lo na preferência à cabeça: o advogado teve 12.259 associados a preferi-lo, mas a antiguidade de filiação de quem o empurrou no boletim de voto ficou a dever à dos fiéis do antigo presidente. Na dispersão de votos que se esperava, pouco sobrou para a traseira da carruagem: Martim Mayer e, sobretudo, Cristóvão Carvalho (148 pessoas votaram nele), foram quase irrelevantes na contagem. 

Somando os sócios que votaram na primeira volta e ficaram sem destinatária de voto, esvaziados por quem não passou no filtro, haverá 25.703 benfiquistas sem alvo de preferência para a segunda volta, que trará uma panóplia de imponderáveis: esses sócios estão disponíveis para deslocarem o voto e terão vontade de participar no ato de 8 de novembro? Quem não o fez agora, sairá de casa para se redimir? Sozinho, Noronha Lopes seduziu quase tantos votantes quanto os que os quatro candidatos menos bem-sucedidos tiveram, em conjunto. Algum deles, em concreto Vieira ou Manteigas, irá declarar um apoio aos nomes que vão discutir a segunda ronda? Ficam as perguntas para duas semanas de nova campanha, uma que Noronha pediu com menos ruído, para se concentrarem mais na discussão de ideias e projetos.

Os dados maiores sugerem, à primeira vista, uma fenda demarcada entre João Noronha Lopes e Rui Costa se o foco estiver nos 209.837 votos que os separou. Mas, em preferências de carne e osso, o presidente só teve mais 5.789 sócios com ele. E há para lá de 25 mil cérebros permeáveis se não a mudarem de ideias, porventura recetivos a cederem ao voto útil consoante o perfil que desejam para a liderança do Benfica. O primeiro a votar seria mesmo o último a falar. “Cá no fundo, queria que isto acabasse à primeira volta para não ter mais 15 dias disto, mas era inevitável, desabafou. Ainda ninguém ganhou as eleições.

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