Os relatórios de Meité, Proença, ânimos verdadeiramente exaltados: o último debate entre Rui Costa e João Noronha Lopes antes das eleições
Sport Lisboa e Benfica
A dois dias da 2.ª volta das eleições do Benfica, os dois homens que restam na batalha, Rui Costa e João Noronha Lopes, tiveram o último confronto, frente a frente, num debate organizado pela BTV. Que foi o mais nervoso, tenso e caótico de todos eles, com mais acusações e apontares de dedos do que ideias, com um tom duro de parte a parte, para exaspero do próprio moderador do canal do clube
E ao derradeiro debate, com a meta à vista, a coisa descambou definitivamente. O último frente a frente entre Rui Costa e João Noronha Lopes antes da 2.ª volta das eleições do Benfica, no sábado, mais do que um desenrolar de ideias para o clube, transformou-se em em duas horas de combate permanente, acusações, dedos apontados, tensão constante. “Mentiroso” terá sido das palavras mais repetidas, de parte a parte. Quem ligou a BTV para se elucidar sobre o seu voto terá dado o seu tempo por mal gasto, com o próprio moderador, Luís Costa Branco, a sublinhar aos dois candidatos que estavam a “prestar um mau serviço ao clube”.
Dividido por temas, os dois candidatos tiveram em pleno Hotel 1904 Benfica, na baixa de Lisboa, bem perto do Coliseu, e não no Estádio da Luz, a oportunidade de apresentarem os últimos argumentos. Mas a cacofonia não raras vezes venceu.
Mensagem inicial
João Noronha Lopes foi o primeiro a dirigir-se aos sócios na mensagem inicial que foi desde logo um prelúdio de um debate que seria, sempre, combativo, mais do que informativo. “Estou aqui a representar aqueles que não querem um Benfica que sabe a pouco. Depois de gastar 400 milhões de euros em contratações, depois de termos vendido 700 milhões, se com isto só ganhámos um campeonato e uma Taça, se este Benfica chega… A mim não me chega, estou farto de não ganhar”, começou por dizer o candidato da Lista F, sublinhando estar “farto de ter de explicar” ao neto porque é que o Benfica não ganha.
“Não me revejo neste Benfica, resignado, que ganha pouco, que só tem desculpas. Ontem foi mais uma noite mal dormida. Estamos no último lugar da Champions, há 12 jogos que não ganhamos em casa na Champions. É muito pouco. O que se passou ontem é responsabilidade de toda a gente, menos do presidente. Quem é o responsável por isto, Rui? Quem é responsável por 60 jogadores que entram e saem, o responsável por continuarmos a não ganhar aos nossos adversários diretos? O responsável está aqui à minha frente. Gastámos 130 milhões de euros em reforços e já estamos a falar de reforços para janeiro. É má gestão desportiva”, continuou.
Na resposta, Rui Costa ditou também o que seria o seu tom no debate, duro, confrontacional, não poucas vezes a interromper Noronha Lopes com pequenos à partes, acusando o adversário de “só falar” de Rui Costa e não do seu projeto. De mensagem para os sócios houve pouco.
“A sua campanha tem sido feita com o Rui, o Rui, o Rui e quando assim é, é porque temos pouco para falar de nós próprios”, atirou, falando pela primeira vez da “bola mágica” que, diz, Noronha tem em sua posse para resolver todos os problemas do clube - expressão que repetiria amplamente ao longo do debate.
“Não temos bolas mágicas, mas temos a obrigação de ganhar mais. Não foi o mandato que eu queria em termos de títulos. Foi um campeonato, uma Taça da Liga, uma Supertaça. Não foi uma Taça, porque nos tiraram a Taça na época passada. Eu tenho um sonho enquanto presidente em que no mínimo acabo com a 4.ª estrela, que significam os 40 campeonatos”, continuou. “Ouço-o falar desses 400 milhões de euros como se o Benfica os tivesse mandado à rua, mas não é assim”, seguiu, antes de apontar um número errado aparentemente dado pelo adversário: “Não foram 60 jogadores a sair, foram 36”.
Futebol profissional
Aqui começou Rui Costa, sublinhando que “o mercado está cada vez mais agressivo e os valores aumentaram” e que “vai haver anos em que o Benfica vai investir mais, outros em que nem vai necessitar de investir tanto”, retocando apenas a equipa. “Criámos condições para ter este investimento, já podemos enfrentar o mercado com clubes importantes, mas estamos abaixo em termos de salários. Mas o Benfica está pronto para fazer melhores investimentos”, continuou.
João Noronha Lopes retorquiu, atirando que “o Benfica não tem de gastar menos, tem de gastar melhor” e que o clube está “a gastar pior do que o que devia”, dizendo ainda que “Rui Costa já provou que não sabe ganhar” e que ele sim tem “um projeto para vencer, é a grande diferença”. Seguiu-se uma frase forte: “O maior legado desportivo do seu mandato é o bicampeonato do Sporting, o Sporting investiu para manter os melhores jogadores. Você desbaratou os melhores jogadores. O Benfica tem o maior orçamento, salários de mais 40 milhões de euros que o Sporting. É má gestão desportiva”.
Sport Lisboa e Benfica
Acusando o adversário de não responder a qualquer pergunta feita pelo moderador, Rui Costa muniu-se, pela primeira vez no debate, de documentos. Lembrou João Noronha Lopes que “os jogadores são contratados por uma estrutura, não têm paternidade”, deixando-lhe no seu púlpito quatro relatórios de observação de Meité, que o atual presidente do Benfica diz terem sido validados por Pedro Ferreira, um dos homens-fortes para o futebol da lista de Noronha.
“Isto é mentira!”, atirou um exasperado Noronha Lopes. “Não me chame mentiroso”, respondeu Rui Costa. Não seria nem de perto, nem de longe a única vez que este diálogo iria acontecer.
Noronha Lopes sublinhou de seguida que tem uma equipa que sabe “exatamente o que vai fazer”, até porque estão “há um ano a trabalhar, passaram pela formação, conhecem os cantos à casa”. Na equipa de Rui Costa, frisou, “ninguém sabe o que vai fazer”, referindo-se de seguida a Humberto Coelho, que terá dito que ainda não sabia exatamente qual seria o seu papel na administração de Rui Costa, acusado ainda de não ter “chief scout” e de ter provocado uma razia de quadros no clube: “As pessoas saem porque não querem trabalhar consigo, algumas disseram-me isso.”
Rui Costa justificou algumas das saídas com a incapacidade do Benfica lutar contra os mercados emergentes, como o saudita. E sobre a equipa de Noronha, chamou-lhe “um camião tal que não é preciso mais ninguém”, acusando-o de só anunciar Nuno Gomes como administrador da SAD depois de ser criticado no debate a seis por ter um vice-presidente para o futebol, quando o futebol está na égide da SAD.
“Você esteve lá 13 anos e não sabia de nada, assinava sem ler”, respondeu Noronha Lopes, insistindo na pergunta: “O que é que você fez em 13 anos?”. Aqui o debate aqueceu: “Quanto mais fala, melhor para mim”, atirou Rui Costa. De projeto para o futebol, na verdade, nada se falou.
Futebol feminino
Aqui os candidatos pareceram mais de acordo. Ambos acreditam que o futebol feminino deve estar no chapéu da SAD, como já acontece. Noronha Lopes apontou o “desinvestimento” depois do Benfica chegar aos quartos de final da Champions há duas temporadas”, algo que Rui Costa negou. O candidato da Lista F preconiza a criação de um “departamento de scouting” e melhores condições. “Os escritórios do futebol feminino são em contentores.” O responsável pela área, diz, será anunciado depois das eleições.
Rui Costa diz também ter um nome forte para liderar o futebol feminino, “com certeza uma das pessoas que melhor conhece o futebol feminino em Portugal”. Também só se saberá o nome após as eleições. Nenhum dos dois prometeu títulos europeus, mas que o clube tem de caminhar nessa direção. “Não podemos de uma assentada criar condições para sermos campeões da Europa. Temos equipas campeãs da Champions com orçamentos na ordem dos 15 milhões de euros. Temos de fazer crescer o Seixal, quer para o futebol feminino, quer para todas as equipas de formação”, defendeu o ainda presidente.
Modalidades
“Fizemos um investimento forte, equiparando as modalidades aos nossos rivais, que não estavam”, apontou Rui Costa, puxando lustro aos “nove títulos nacionais em masculino” e “15 no feminino” no seu mandato. “No global, ganhámos mais do dobro do mandato anterior. Se estou satisfeito? Não. Mas as modalidades estão mais preparadas para o futuro”. Como objetivo para o novo mandato, Rui Costa diz querer o título europeu “no futsal e hóquei em patins”.
João Noronha Lopes lembrou os “30 milhões de euros” que se gastaram nas modalidades. “Mas ganhámos pouco, ganhámos 30% dos títulos masculinos. Temos de ter uma melhor organização. Há que apostar mais na formação e ser transparente em relação ao que gastamos em cada modalidade”, continuou. “Preocupa-me que os pavilhões estejam vazios. Temos de arranjar mais patrocínios”, argumentou, ainda criticando os valores atuais. E, no final, uma farpa ao adversário: “A Cidade das Modalidades nunca saiu do papel, é mais uma promessa não cumprida.”
Contas e finanças
Para começar, Noronha Lopes acusou Rui Costa de não defender o clube no momento em que “o Sporting teve um perdão fiscal de 100 milhões de euros”.
“Há concorrência desleal que nos está a prejudicar. Porque falta voz ao Benfica e isso tem um impacto financeiro”, disse. E seguiu-se a primeira referência a Pedro Proença, com Noronha a dizer que Rui Costa “tem medo” do atual presidente da FPF.
Seguiu-se mais um momento de tensão que nada teve a ver com finanças: João Noronha Lopes disse que Rui Costa reagiu à arbitragem da última final da Taça de Portugal “tarde e a más horas”, com um comunicado - na verdade, Rui Costa falou aos jornalistas logo após o final do jogo, no Jamor. O presidente dos encarnados aproveitou o deslize para bombardear o adversário sobre a que comunicado se estava a referir. Sem resposta, atirou: “Está nervoso. É porque a primeira volta correu como correu?”
Mas vamos às contas então. Rui Costa voltou a sublinhar que o Benfica “é o clube português com melhores condições financeiras, incomparável com todos os outros”. Assume que “há uma subida, sim, da dívida líquida, dos tais 95 milhões de euros, mas há uma redução da dívida total, passou-se de 247 para 241 milhões”, apontou, munindo-se novamente de um papel com um gráfico. “Para o que são as receitas do clube, temos uma dívida líquida estável e com tudo alinhado para reduzir ainda mais para parâmetros semelhantes ao momento em que agarrámos a direção. Fazendo este trabalho, a dívida global baixará drasticamente”, prometeu. Noronha Lopes acusou o rival de viver “numa realidade paralela”.
“Como é que um gestor pode dizer que um exercício está feito quando não sabemos quanto dinheiro vamos fazer na Champions - e neste momento temos zero pontos -, quanto é que vamos ter de direitos televisivos, que vendas de jogadores teremos de fazer, que receitas comerciais precisamos? Isto é irresponsabilidade”, apontou. “É verdade que a situação é melhor que a do Sporting e FC Porto, mas não é verdade que seja boa. Todos os anos temos de ir em busca de 70 milhões de euros, há um buraco que se tapa como? Vendendo o João Neves, mas nós não temos um João Neves todos os anos. Nem a nossa prioridade deve ser vender jogadores para tapar buracos e não ganhar nada.”
De seguida, João Noronha Lopes elencou como pensa amainar os problemas financeiros do clube: “Cortando custos, 20 a 25 milhões por ano, tendo um bom resultado na Champions - e para isso é preciso um bom projeto desportivo -, ter um bom contrato de direitos televisivos - e para isso é preciso negociá-lo -, aumentar receitas de dia de jogo, aumentar investimento nas redes sociais. Com tudo isto os resultados podem passar de 15 milhões negativos para mais 30 milhões de euros. Isso vai permitir-nos poder pagar o passivo em melhores condições e não vender jogadores tão cedo. Mas para isto é preciso saber gerir o clube. A situação financeira do Benfica é pior do que aquela que Rui Costa herdou. O dinheiro deve servir para ganhar títulos e tem sido mal gasto”.
Direitos televisivos
Aqui Rui Costa começou por garantir que o clube já tem em mãos “propostas superiores” aos valores hoje em vigor para os próximos dois anos de direitos audiovisuais. “E ainda não estamos satisfeitos com elas, iremos trabalhar de imediato, porque não há muito tempo. Já estamos salvaguardados com um valor, mas queremos mais. Fizemos pausa nesta altura, porque não justificava fazer um contrato antes das eleições, mas a garantia é que teremos um contrato superior ao que temos hoje.”
“Vou-me encarregar pessoalmente de fazer esta negociação, que é fundamental para o Benfica”, respondeu Noronha. “Queremos ter o melhor contrato e depois há que pensar no futuro”, disse, falando já da centralização e passando para o ataque. “Durante anos esta direção foi embalada pelos 300 milhões de euros de Pedro Proença, um número irrealista. E depois salta fora. Como é que o Benfica, que é o clube que mais gente leva ao estádio, que mais audiências tem, está fora do processo dos direitos televisivos? Revela total desnorte.” Mais uma vez Pedro Proença na equação no debate.
Rui Costa negou que o clube esteja “completamente fora” do processo. “Está a mostrar ao Governo e às instituições que o que estão a oferecer é uma mão cheia de nada. Estaremos dentro quando forem cumpridas as promessas que foram feitas aos clubes. O Benfica foi o primeiro clube a manifestar-se contra a centralização quando percebeu que os 300 milhões não iriam estar em cima da mesa.”
Infraestruturas
Aqui ambos acreditam que é necessário aumentar a capacidade do estádio, para mitigar os 15 mil sócios que estão na lista de espera para o Red Pass. “O estádio neste momento está curto e temos um projeto para os 80 mil. É uma necessidade extrema do clube”, frisou Rui Costa, que tem no Benfica District uma das bandeiras eleitorais. O presidente do Benfica garante que o projeto trará “40 milhões de euros por ano” em receitas e revelou que a “Sonae já manifestou interesse em ter ação na área comercial”.
Sport Lisboa e Benfica
João Noronha Lopes admite juntar o seu estudo, da Dar Engineering, ao da Populus, que fez o projeto do Benfica District, para perceber “se dá para conjugar” as duas ideias. “Garanto que não vou apresentar primeiro ao Presidente da Câmara, mas sim aos sócios e com um estudo financeiro fechado. E não será de 200 milhões de euros como o do Benfica District, que é ridículo para o que é previsto. O Benfica não precisa de betão nem de fazer hotéis, nem centros comerciais ao lado do Colombo”, aponta, dizendo que a prioridade nesta área tem de ser “modernizar o estádio, os pavilhões e melhorar o Seixal”.
E, inopinadamente, nasce aqui mais um momento de enorme tensão entre os candidatos, com Noronha Lopes a pedir a Rui Costa para apresentar também os relatórios de observação de Bernat e Draxler. Rui Costa respondeu com o de Darwin Núñez, que Noronha Lopes garante ter sido descoberto por Pedro Ferreira. Voaram, aqui, mais acusações de mentiras. Rui Costa, até então aparentemente mais controlado, subiu definitivamente o tom.
Mensagem final
Que não melhoraria na interpelação final aos sócios. Começou Noronha, ao acusar Rui Costa de só ter “uma estratégia que é fazer-se de vítima e de esquecido do que foi enquanto dirigente e presidente”. E seguiu com o discurso que tinha preparado.
“Estamos a eleger quem está mais preparado. Entre quem não fez e quem pode fazer, entre o passado e futuro. Se querem um Benfica que ganha apenas um campeonato em quatro, um Benfica que está pior financeiramente do que há quatro anos, que se ajoelha perante os adversários, que tem medo de Pedro Proença, então não votem em mim. Mas se querem um Benfica ambicioso e respeitado, que não gasta 130 milhões para ter zero pontos na Champions, com firmeza, grande na Europa, um Benfica à Benfica, então votem na Lista F. Tenho a equipa certa, o projeto e a coragem para defender o Benfica. O Benfica não aguenta mais quatro anos assim.”
Rui Costa não tinha qualquer discurso preparado, apenas uma ata. A mesma que, de acordo com a sua lista, diz que Noronha se demitiu de vice-presidente do Benfica 58 dias depois de tomar posse, na vigência de Manuel Vilarinho. Noronha Lopes exaltou-se, mais do que nunca, acusou Rui Costa de ser mentiroso e de não conhecer “a história do clube”
“Estive lá a defender o Benfica e se não fosse Manuel Vilarinho naquela altura, o Benfica hoje não era dos sócios nem dos adeptos. Estive lá um ano a trabalhar. Você mente”, atirou.
O tom estava de tal maneira tenso que Rui Costa, por sinceridade ou estratégia, acabou o debate a pedir desculpa aos sócios. “Peço desculpa por este debate, porque isto não foi nada. Foi algo que não dignificou o clube e da minha parte eu lamento por isso. Lamento profundamente que os sócios tenham assistido a isto”, terminando com um apelo para que o recorde de há duas semanas, de mais de 85 mil votantes, seja novamente batido.
E já com os créditos a rolar, ainda se ouviu Rui Costa atirar ao rival: “Você é um mentiroso compulsivo.”