Os resultados desportivos não roubaram a segunda oportunidade de Rui Costa
José Fonseca Fernandes
A percentagem de João Noronha Lopes confirma que há um terço dos adeptos do Benfica que continua a querer a mudança, temida pela maioria silenciosa que continua a confiar na alma benfiquista de Rui Costa. Mesmo com resultados poucos simpáticos, os adeptos continuam a confiar no antigo número 10
Este sábado, foi bem mais difícil para as televisões colocarem um microfone à frente de um adepto acabado de chegar ou de sair de uma das 108 secções de voto de portas abertas para um ato eleitoral singular. Não porque eles não existissem: existiram e não foram poucos. Afinal de contas, mais de 93 mil sócios do Benfica (93.891, para sermos mais precisos) saíram de casa para votar na 2.ª volta de umas eleições recordistas e históricas. Mas as lições aprendidas na 1.ª volta, em que houve adeptos a esperar horas para votar, permitiram agilizar o processo, com mais mesas de voto em cada secção. Assim, para muitos, com o fluxo mais ativo que o de um rio em pleno inverno, votar no próximo presidente do Benfica foi uma questão de minutos. Minutos para decidir os próximos quatro anos.
Não houve, assim, tantas oportunidades para auscultar os humores e inquietações da psique benfiquista que, ao contrário de um certo receio inicial, não desmobilizou, bem antes pelo contrário. Contudo, ouvindo uma pequena amostra, cedo se percebeu que a maioria silenciosa da 1.ª volta, que não estava com Vieira, mas sim com Rui Costa, havia deixado de o ser. Muitos justificaram o voto no incumbente por meras razões emocionais, alguns lembrar-se-ão ainda vivamente do médio tornado dirigente a bailar em campo com a camisola 10 vermelha, outros falaram de uma “segunda oportunidade” que o presidente reeleito terá feito por merecer, se não pelos esquálidos resultados desportivos (um campeonato, uma Supertaça e uma Taça da Liga em quatro anos no futebol masculino), pelo menos por receio da mudança ou então por essa força imutável e insondável que há quem tenha apelidado de “alma”.
Não é justo avançar com explicações simplistas do campo emocional quando alguém venceu umas eleições com 65,89% dos votos, num sufrágio em que quase 60% dos sócios com capacidade de voto disseram presente, deixando corada de vergonha qualquer Legislativa ou, pior, umas Europeias. Rui Costa também terá tido na candidatura de Luís Filipe Vieira uma inesperada boa notícia: afastou o voto vieirista, de quem há tanto se tenta emancipar, e terá pesado ainda uma lógica de voto útil para quem se mobilizou para votar com receio que o antigo presidente encarnado fizesse um regresso triunfal, mesmo que com a justiça ainda à perna.
E, no final, muito desse voto em Luís Filipe Vieira terá, já decantado das calorias e da influência do antigo presidente, caído no colo de Rui Costa, que passou de 42,12% da 1.ª volta para os tais 65,89%, absolutamente inequívocos, numa eleição em que houve também mais cerca de 7500 sócios a votar.
Do outro lado, haverá também reflexões a fazer. João Noronha Lopes não capitalizou um certo desejo de mudança que existe cravado em pedra em pelo menos um terço da nação benfiquista - o empresário teve praticamente o mesmo resultado nesta 2.ª volta (34,1%) face às eleições de 2020 (34,7%). Se Rui Costa quase dobrou o número de votantes (mais 25 mil votantes da 1.ª volta para a 2.ª), Noronha teve um crescimento de apenas 6560 sócios no segundo round. Apesar da força da campanha nas redes sociais, o coração das Casas do Benfica bate de forma menos digital. Ouvindo os tais adeptos menos politizados que falaram às televisões, notou-se, mais que tudo, uma questão não de projeto, mas de falta de empatia com o candidato. Não os cativou e jogaram pelo seguro. Nos debates, viu-se também um muito maior à-vontade de Rui Costa face ao seu mais forte adversário - e o tom crispado do último confronto não ajudou Noronha. As notícias sobre as suas empresas também não terão sido inócuas para certo eleitorado.
E, assim, não foi uma surpresa que desde cedo fosse claro que Rui Costa não iria deixar fugir o segundo mandato. Se na 1.ª volta, os primeiros resultados no estrangeiro ainda deram uma impressão enganadora de vaga de fundo para a mudança, duas semanas depois nem existiu um vislumbre de nada que não fosse uma vitória da Lista G. Apesar da vitória gorda, o primeiro desafio de Rui Costa, e talvez o mais complexo, será unir os benfiquistas. Se a bola continuar a não entrar, é possível que a tal “alma” valha menos daqui a quatro anos.