Ciclismo

Na Senhora da Graça, Byron Munton escalou para a vitória pela irmã, que luta pela recuperação depois de ser atropelada enquanto treinava

Na Senhora da Graça, Byron Munton escalou para a vitória pela irmã, que luta pela recuperação depois de ser atropelada enquanto treinava
TIAGO PETINGA

Ciclista sul-africano da Feirense-Beeceler dedicou “o melhor desempenho” da sua vida não só aos bombeiros que arriscaram a vida a combater os incêndios que levaram à neutralização de parte da etapa de domingo, mas principalmente à irmã, Jess, promissora ciclista que há ano e meio foi atropealada por um condutor embriagado e tenta agora recuperar algumas funções básicas, depois de sofrer lesões catastróficas

Subir a Senhora da Graça também é um ato de fé. A escalada é curta, mas íngreme, o sol invade a cara e oprime ainda mais os pulmões cansados. Quando a etapa tem como companhia o fogo e o fumo, como aconteceu este domingo, obrigando mesmo à neutralização da tirada, mais ainda. 

Foi também a pensar nos “homens e mulheres” que colocaram as suas “vidas em risco”, “os verdadeiros heróis do dia”, como lhes chamou, que Byron Munton, sul-africano da Feirense-Beeceler, atacou a ritmo já em plena subida, sem levantar o rabo da bicicleta, todo ele força de vontade. Munton, discreto ciclista de 26 anos, a cumprir a sua primeira temporada completa no pelotão nacional, não estava nas cartas para vencer na Senhora da Graça, sendo mais conhecido pelas suas capacidades enquanto contrarrelogista. Mas, por vezes, a força vem não só dos próprios watts por quilo, mas também do que rodeia cada ciclista, cada competidor, a sua história de vida. 

Horas depois de vencer na “mais mística das montanhas da Volta a Portugal”, escreveu o próprio, com “o melhor desempenho” da sua vida, Byron Munton abriu o coração. Na sua página de Instagram lembrou “os 10 anos de espera por um momento assim”, os “altos e baixos” que, de repente, valeram todos a pena. E, logo de seguida, a dedicatória:

“Jess, esta foi para ti”, escreveu.

Jess é a irmã mais nova de Byron, também ela ciclista, que em janeiro de 2024, com apenas 17 anos, foi atropelada por um condutor embriagado, em pela luz do dia, enquanto treinava para os Campeonatos Nacional de Estrada da África do Sul, já com um olho numa possível presença nos Jogos Olímpicos de Paris.  

O futuro promissor da atleta terminou ali. As lesões foram catastróficas e, daí para cá, a vida de Jess tem sido uma paulatina tentativa de voltar a alguma normalidade. Mas as sequelas físicas e cognitivas da jovem mudaram para sempre a vida da família de Byron Munton. Neste momento, Jess faz reabilitação para tentar recuperar algumas funções básicas num centro de recuperação em Espanha. A tentativa de fazer tudo pela irmã levou mesmo Byron a abrir uma recolha de fundos para ajudar com os custos elevados dos tratamentos.

No final da etapa, Joaquim Andrade, antigo ciclista português e diretor desportivo da Feirense-Beeceler, sublinhou a força do seu atleta e a merecida vitória “pelo seu percurso no ciclismo e na vida”. Byron também não esqueceu a equipa, que nunca deixou de acreditar nele “mesmo com alguns contratempos no início da temporada.” 

“Eu acredito que no final tinha alguns watts extra por saber que a Jess também já começou a pedalar”, escreveu ainda, agradecendo a todos os que estiveram ao seu lado “durante um período muito difícil.”

Byron Munton é neste momento 2.º da Volta a Portugal, a apenas oito segundos do líder, Artem Nych. E já prometeu que na segunda semana da Grandíssima vai tentar chegar à amarela. 

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