Uma competição pode ser um clube e o mito do Sevilla não morreu. Espanhóis batem Roma de Mourinho e vencem Liga Europa pela sétima vez
ODD ANDERSEN
Sete finais, sete vitórias na Liga Europa para o Sevilla, cujo o nome já se confunde com a competição. O triunfo em Budapeste, conseguido nos penáltis depois do 1-1 nos 120 minutos, aconteceu às custas da Roma de José Mourinho, quebrando o que podia ser o sexto título europeu em outras tantas finais para o treinador português. Algum dos mitos tinha de cair e foi o do Special One
Esta só podia ser a final da queda de um mito. Entre o Sevilla, seis em seis finais da Liga Europa, e José Mourinho, cinco em cinco finais europeias, alguém teria de cair. E como em tudo, um homem não é mais forte que uma equipa e prevaleceu o símbolo, uma relação de simbiose que nunca se viu no futebol: uma competição pode ser um clube e Sevilla e Liga Europa são, mais uma vez, um só.
É a sétima conquista dos andaluzes, todas neste século, numa época em que teve três treinadores e se chegou a temer até uma descida de divisão. Às custas da Roma de Mourinho, numa final que foi até ao fim, até ao último penálti, depois do 1-1 nos 120 minutos. O jogo, esse, foi o que se esperava: competitivo, nervoso, nem sempre bem jogado, sempre intenso. A vitória podia ter caído para qualquer lado. Teria de ser assim, os mitos não caem por dá cá aquela palha, só com sofrimento. No final, havia lágrimas e sangue nas caras dos jogadores da Roma, gente que teve de sair de campo por nem mais um passo conseguir dar. E palmas dos adeptos vencedores aos vencidos.
Na primeira parte viu-se a Roma sendo Roma, Mourinho sendo Mourinho: a não ter problemas em ceder a bola ao adversário, mas gerindo com os olhos, cheirando a oportunidade de aproveitar um erro, uma bola parada, um contra-ataque. O primeiro lance de perigo chegou logo aos 11’, após um trabalho de Dybala na direita, com Celik a encontrar depois Spinazzola sem marcação na área - o remate saiu à figura de Bono. O primeiro golo do jogo, para os italianos, chegaria já em horas extraordinárias para Dybala, que Mourinho disse antes do jogo ter apenas pernas para “20 ou 30 minutos”: aos 34’, apareceu o tal erro, de Rakitic a meio-campo, aproveitado por Mancini para lançar o avançado argentino, a rasgar entre Badé e Navas para rematar de pé esquerdo.
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Com o golo, o jogo não mudou imediatamente de cara, Mourinho estava como queria, como tanto gosta de estar nas finais: em vantagem, segurando a partir daí. Mas aumentou a tensão entre duas equipas altamente competitivas. O futebol não era bonito, as finais, afinal, são para se ganhar, para mais entre um Sevilla e uma equipa treinada por Mourinho. Nos sete minutos de descontos da 1.ª parte, que espelham bem o nervosismo do encontro, o Sevilla finalmente carregou, Rakitic ainda rematou ao poste antes do intervalo, onde seria mais ou menos de esperar que Mendilibar fizesse alterações.
E com a entrada de Lamela mas, principalmente, Suso, o início do segundo tempo foi de carga intensa dos andaluzes. A Roma, sem surpresas, baixou as linhas, mas perdeu o controlo que tinha logrado na 1.ª parte, com o Sevilla a encontrar com mais facilidade espaço para cruzar e criar pânico na área. E foi num desses cruzamentos, aos 55’, que surgiu a infelicidade para Mancini, a desviar para a baliza uma bola vinda do pé ainda tão quente de Navas, homem que esteve na primeira conquista do Sevilla na competição, em 2005/06.
Mourinho entrou então em território inóspito: pela primeira vez desde a final de 2003, com o FC Porto, sofria um golo numa final europeia, tinha de voltar a ser o caçador e não a equipa que se refugia nas trincheiras, defendendo a sua base. E mesmo sem arriscar em demasia, sem colocar o pé em terreno minado, as duas melhores oportunidades até ao apito para o fim do tempo regulamentar seriam mesmo para a Roma: aos 67’, Abraham quase marcava no meio da confusão de pernas após uma bola parada (bem Bono a defender) e aos 83’ Belotti esteve muito perto de emendar um livre rapidamente marcado, com o guardião marroquino a dar um toque subtil na bola que poderá ter evitado o 2-1.
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No prolongamento, apesar de um aparente acordar dos romanos aos primeiros minutos e dos espanhóis nos últimos, houve mais paninhos quentes do que vontade de arriscar. Smalling ainda enviou uma bola a beijar a barra na última jogada, mas tal como nas duas últimas finais de Liga Europa, o jogo que tinha acabado 1-1 nos 90 minutos iria para os penáltis. Entre a equipa que não perde finais e o treinador que só as sabe vencer, alguém teria de ceder - e talvez só pudesse ser assim mesmo, no derradeiro dos desempates.
E aí, Bono, que já no Mundial havia sido determinante na baliza de Marrocos, defendeu dois pontapés, com Montiel, sim, o Montiel que marcou o penálti que deu o título mundial à Argentina, a ser novamente o autor do remate que dá a taça - um talismã, um amuleto, nervos de ferro, alguma coisa o lateral terá.
Foi o mito de Mourinho a cair. Pela primeira vez na decisão por penáltis, pela primeira vez a sentir a derrota no momento crucial. Aos 60 anos, há um sentimento novo para o treinador português, feito patriarca, apelando agora à empatia. Mas ele continua a estar lá, nas decisões.