Crónica de Jogo

O canto do sofrimento volta a tramar Portugal e amarga a estreia no Mundial

O canto do sofrimento volta a tramar Portugal e amarga a estreia no Mundial
Lars Baron

Na (emocionada) primeira vez de sempre no maior palco de todos, a seleção nacional entrou com. uma derrota (1-0) contra os Países Baixos, vice-campeãs do mundo. Tal como no passado Europeu, Portugal voltou a encaixar de canto, conseguindo igualar o duelo em muitos momentos mas tendo muitas dificuldades para criar perigo

Se dúvidas houvesse do que este momento significa para este grupo de jogadoras, todas essas questões ficaram dissipadas no momento de ouvir o hino nacional em Dunedin, a sul da ilha sul da Nova Zelândia, praticamente no local mais distante possível de Portugal. As lágrimas de Tatiana Pinto e Jéssica Silva deram sentido a anos de sofrimento, de luta, a uma grande viagem que as trouxe aqui à boleia do passado e querendo inspirar para o futuro.

Mas, entre tantas novidades e primeiras vezes, houve uma continuidade com o passado recente, um trauma não apagado, um sofrimento que voltou para amargar a estreia. As bolas paradas, os malvados cantos, os esquemas táticos que tantas dores de cabeça deram no passado Europeu, que tantos golos encaixados provocaram.

Foi assim, aos 13', que Stephanie van der Gragt fez o único golo do jogo, selando a derrota por 1-0 da seleção nacional. Pouco depois, Jil Roord também ameaçou o 2-0 da mesma forma, recordando que, para conseguir realmente resultados a este nível, este é um pecado que tem de ser corrigido.

Se é verdade que Portugal competiu e vendeu cara a derrota, levando as neerlandesas a perderem tempo, não menos verdade é que a equipa quase não teve último terço, só fez um remate à baliza rival — aos 82' — e pouco perigo criou. É preciso mais poder ofensivo para conseguir mais.

Lars Baron

Passadas as emoções do hino, a bola começou a rolar, a tão aguardada estreia tornou-se real. Depois do jogo do gato e do rato com o selecionador neerlandês, Francisco Neto entrou, de facto, com três centrais, com Ana Borges, pela direita, a juntar-se a Carole Costa e Diana Gomes. Amado partiu da esquerda e Tatiana Pinto da direita, numa decisão que afastou a completa centrocampista do centro do jogo. Aí estavam Fátima, Dolores Silva e Andreia Norton, atrás de Diana e Jéssica Silva.

O começo do jogo foi renhido, muito dividido a meio-campo, cheio de duelos e fricções, escasso em oportunidades. Portugal conseguia dividir a partida, mas não tinha chegada à frente: não criou qualquer oportunidade de golo no primeiro tempo e só fez o primeiro disparo aos 82'.

Com um onze muito ofensivo, as neerlandesas tiveram a primeira situação aos 12’, e logo para fazer o 1-0. Primeiro foi Lieke Martens, numa das suas conduções cheias de veneno nas botas, a assistir Lineth Beerensteyn, que viu o seu remate travado por Carole Costa. Do canto veio a insegurança, o pânico, o 1-0, num cabeceamento de Stefanie Van der Gragt que primeiro foi anulado por fora de jogo de Jil Roord — não tocou na bola, mas a árbitra considerou que incomodou Inês Pereira —, mas que foi validado depois de consulta do VAR.

Pouco depois, aos 24’, as dúvidas e fragilidades nacionais repetiram-se num canto. Francisco Neto gritava para dentro de campo para tentar corrigir posicionamentos, mas Roord apareceu sozinha para rematar na pequena área. Valeu a falta de pontaria. Em cima do descanso, Beerensteyn voltou a ameaçar. O intervalo chegou com Portugal a conseguir dividir a meio-campo, mas sem presença no último terço.

O reatamento trouxe uma enorme chance para os Países Baixos, mas Inês Pereira travou o remate de Danielle van de Donk, quando esta estava totalmente isolada. Na defesa de Portugal, Diana Gomes, sólida nos duelos e audaz a sair a jogar, era a melhor.

Por volta da hora de encontro, Francisco Neto passou para a linha de quatro defesas, com Ana Borges a lateral e Tatiana Pinto no meio-campo, como interior, onde tem mais contacto com bola. O jogo nacional ganhou metros e qualidade, mas continuavam sem aparecer os remates.

Em busca dessa criatividade foi lançada Kika Nazareth, aos 67', reforçando-se a aposta com uma tripla troca aos 79', entrando Lúcia Alves, Telma Encarnação e Andreia Jacinto. As neerlandesas não tinham excessivo conforto no desafio, pareciam incómodas, mas Portugal apresentava zero disparos realizados em 80 minutos de futebol.

SANKA VIDANAGAMA/Getty

O cenário da falta de tentativas de golo mudou aos 82'. Numa seleção em que muitas atacantes insinuavam mas não concretizam, numa equipa de avançadas móveis e velozes, Telma Encarnação, ponta-de-lança de vocação, é uma exceção, uma madeirense que primeiro olha para a baliza e depois para o jogo.

Logo depois de entrar, fugiu pela esquerda e atirou de pé esquerdo para defesa de Van Domselaar. Na sequência do lance, Fátima Pinto rematou muito por cima.

Os últimos minutos trouxeram uma equipa portuguesa a tentar mas a não conseguir, procurando esticar-se mas sem recursos para chegar à outra ponta do campo com critério. Igualar partidas de máxima exigência parece missão cumprida, falta ferir mais, criar mais. Elevar o nível, como disse Francisco Neto. Segue-se o Vietname na grande viagem desta equipa.

Tem alguma questão? Envie um email ao jornalista: tribuna@expresso.impresa.pt