Crónica de Jogo

Telma Encarnação e Kika trazem o melhor de Portugal: seleção derrota Vietname e estreia-se a vencer no Mundial

Telma Encarnação, Jéssica Silva e Kika Nazareth festejam o primeiro golo de sempre de Portugal em Mundiais
Telma Encarnação, Jéssica Silva e Kika Nazareth festejam o primeiro golo de sempre de Portugal em Mundiais
Jan Kruger - FIFA/Getty

A equipa de Francisco Neto derrotou (2-0) as asiáticas, conseguindo os primeiros golos e o primeiro triunfo de sempre num Mundial e fazendo Mariza ouvir-se bem alto em Hamilton. O técnico fez sete alterações no onze e Portugal ficou a dever a si próprio uma goleada. Segue-se o duelo com os EUA, vice-campeãs do mundo, e muito provavelmente só uma vitória servirá para seguir em frente

“É preciso perder para depois se ganhar.” A frase é de Mariza, no tema “Melhor de mim”, escolhido por Portugal para passar no sistema sonoro dos estádios quando a seleção marcar um golo. E a ideia da música abraçada por este grupo de jogadoras parece ter passado da arte para o relvado: após a derrota contra os Países Baixos, eis o primeiro triunfo.

Francisco Neto avisara que tudo eram primeiras vezes nesta viagem pela Oceânia. Se o primeiro jogo chegou com as neerlandesas, faltavam os primeiros golos, o triunfo inaugural. Contra o Vietname, essas novas sensações para Portugal foram desbloqueadas: 2-0, mais história feita por esta equipa, o sonho dos oitavos-de-final reacesso.

O selecionador nacional fez sete mudanças no onze, uma revolução num duelo em que só a vitória importava. E cedo o plano começou a dar frutos, com dois golos nos primeiros 21', uma dupla ocasião para fazer ouvir Mariza na Nova Zelândia.

Neste torneio em que tudo é novidade e emoção para Portugal, em que cada passo soa a história, foram de Telma Encarnação e Kika Nazareth, duas das mudanças, os primeiros festejos de sempre. A seleção nacional ficou a dever-se a si própria mais golos, mas continua a cruzar mares desconhecidos. As expressões de profunda felicidade após os remates vitoriosos são mais um postal para o álbum deste conjunto que marca um antes e um depois para a bola nacional.

Phil Walter/Getty

Em Hamilton, palco sagrado para o futebol português — aqui se conseguiu o bilhete para o Mundial, com o triunfo frente aos Camarões no play-off intercontinental —, o encontro foi honesto, mostrando logo a arrancar o que veríamos a seguir. O Vietname não recuou tanto as linhas como seria de esperar e, com Jacinto, Tatiana e Kika no meio-campo, Portugal conseguiu explorar as costas da defensiva adversária e criar oportunidades com abundância.

Só nos primeiros 5’, a equipa de Francisco Neto gerou mais perigo do que em todo o duelo contra os Países Baixos. Primeiro foi Jéssica Silva, isolada por Andreia Jacinto, a atirar ao lado, e depois foi Kika, após soltar-se de uma adversária com classe, a disparar por cima.

As ameaças foram concretizadas aos 7’, com um momento para a história do futebol português. Andreia Jacinto, sempre com um radar do relvado na cabeça que transpõe para o que faz com os pés, descobriu Lúcia Alves na direita. A jogadora do Benfica levantou a cabeça e viu, na área, Telma Encarnação. Depois de ser a primeira portuguesa a rematar à baliza no Mundial, a ponta-de-lança madeirense tornou-se na primeira a marcar. Uma solitária bandeira do arquipélago que a viu nascer agitou-se com orgulho na bancada.

Portugal insistiu na jogada que lhe estava a dar ouro no desafio, encontrando gente entre-linhas para depois atacar a profundidade. Kika Nazareth, que entrou na partida parecendo que estava a dançar com bola, mais do que a jogar futebol, esteve perto do 2-0 aos 12’ e isolou Lúcia Alves logo a seguir, mas o remate foi defendido.

O 2-0 viria mesmo pouco depois. Telma Encarnação evidenciou o manual completo da dianteira: golo, apoios frontais, presença na área, serviços para quem vinha de trás. Assim assistiu Kika, que desta feita não falhou, tornando-se na mais jovem marcadora de sempre por Portugal em Mundiais, sejam masculinos ou femininos. Mariza voltou a ouvir-se em Hamilton.

Até ao descanso, Telma e Jacinto roçaram o 3-0. As vietnamitas só aos 43’ remataram à baliza de Patrícia Morais, mas a tentativa de Nguyễn Thị Bích Thùy foi facilmente defendida. Isso não impedia que, cada vez que as asiáticas passavam o meio-campo, os muitos apoiantes da equipa nas bancadas se agitassem, com audível entusiasmo.

O segundo tempo começou com a repetição do desperdício. Jéssica Silva tricotou pela esquerda, Telma não conseguiu acertar com a baliza. Joana Marchão, canhota numa equipa de destras, também criou sobressalto para Trần Thị Kim Thanh. A sensação reinante era a noite na Nova Zelândia só se complicaria caso a seleção nacional relaxasse muito.

Jan Kruger - FIFA/Getty

O desperdício sucedia-se. Jéssica, isolada, voltou a falhar, Marchão acertou no poste, Kika tampouco teve a melhor pontaria.

Francisco Neto começou depois a dança das substituições. Entraram Andreia Norton, Ana Capeta, Carolina Mendes, Sílvia Rebelo, Ana Rute. O cenário foi-se mantendo igual: muito desperdício, entusiasmo vietnamita nas bancadas, 2-0 final.

Pela primeira vez, Portugal conseguiu ganhar num Mundial de futebol. Na última jornada do grupo, deverá ser preciso bater os EUA, as poderosas bicampeãs da competição, para seguir em frente: basta que os Países Baixos pontuem com o Vietname — altamente provável — para que só os três pontos interessem a Portugal.

"Ainda que a esperança da luz seja escassa
A chuva que molha e passa
Vai trazer numa luta amor"

Voltando a citar Mariza, na canção que se escutou, também, depois do apito final, Portugal promete luta contra as rainhas do soccer. A montanha a escalar é enorme, o nível de oposição será totalmente diferente, mas elas já estão na história do futebol nacional. O melhor da seleção vem de mãos dadas com os feitos desta equipa.

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