No inferno branco, as feras do senhor da boina foram mais mordazes que os leões
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Num jogo de loucos, como se costuma dizer, o Vitória de Guimarães ganhou um grande jogo de futebol, por 3-2, contra o Sporting, que até começou a vencer esta noite no Dom Afonso Henriques. Os jogadores de branco viveram como o seu treinador costuma pedir: “Sejam campeões todos os dias”
As palavras de Álvaro Pacheco, o treinador do Vitória, na véspera foram curiosas. O homem da boina que por vezes se converte ao boné convocou um “inferno branco” e alertou o país que os seus rapazes trabalham para crescer, para serem campeões. Então lançou-lhes uma espécie de repto: sejam campeões contra o Sporting e conquistem os três pontos. E assim foi. Com um relvado a estalar de júbilo perante a paixão e compromisso alheios e com os senhores do céu a emocionarem-se constantemente, a bola teve durante mais de 90 minutos os batimentos do coração muitíssimos acelerados. E que bela jogatana foi. No fim de contas, Vitória três, Sporting dois.
Rúben Amorim voltou a experimentar algo diferente. Desta vez, Geny Catamo jogou na ala direita, com Ricardo Esgaio (infeliz esta noite) a central pela direita, Ousmane Diomande no meio e Gonçalo Inácio e a sua bela canhota a começar as jogadas pela esquerda, perto do ala esquerdo Matheus Reis. A verdade é que, apesar do sinal ofensivo, custou ao Sporting manter a bola. A relva estava molhadinha e a alma dos vitorianos ardia. Era um jogo daqueles com duelos daqueles…
Bruno Varela fez, à passagem do minuto 8, exatamente o que é suposto os bons guarda-redes fazerem: voou, esticou o braço, o punho já ia cerrado como se celebrasse antes de tempo. Seria um golaço do bom do Pedro Gonçalves, que anda às turras com a felicidade do golo. O médio-avançado criativo e finalizador puxou para dentro e bateu na baliza com a perna direita.
A chuva enobrece o Dom Afonso Henriques e nem peçam a este que vos escreve que justifique tal ideia. Estava tudo mais rápido, a faísca que resulta dos corpos que chocam seduz muito quando há lealdade. E houve. A bola, elitista perante a choradeira do céu, só obedece a quem promete bom trato.
Do outro lado, de branco, imaculado e insuperável no que toca a fardas de futebol (mais uma afirmação tendenciosa), ia brilhando João Mendes. Um jogador fino na relva molhada é outra coisa. Mas havia mais rapaziada com bom toque. Tiago Silva, Tomás Handel e Jota Silva, todos atrás do irrequieto André Silva, que foi barrado algumas vezes pela categoria e fisicalidade de Diomande.
Ia sendo um jogo muito disputado. Ninguém tomava conta da bola. O Sporting, que acalmaria na segunda parte, ia cedendo à tentação de lançar o panzer nórdico que tem na frente. O Vitória, apesar de tudo, estava confortável. Mas o golo dos visitantes acabou por chegar perto do intervalo. Pedro Gonçalves picou a bola para a área, o sábio Hidemasa Morita (talvez em falta) ganhou o lance perante um rival com um gesto acrobático, a bola sobrou para Inácio, que meteu na baliza deserta, 1-0. O empate chegou pouco depois, por um penálti, cometido por Adán, que nem as imagens conseguem declarar “sim senhor, é claro”… Tiago Silva assumiu e empatou, 1-1. É o segundo golo do médio na Liga.
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Depois do descanso, Amorim mexeu: Esgaio fora, Nuno Santos dentro, o que fez mover as peças em escadinha. Ou seja, Diomande central pela direita, Matheus Reis pela esquerda e o patrão passou a ser Inácio. O Sporting, que tentou esticar-se no relvado (Marcus Edwards apagado e Gyokeres pouco servido e pouco conectado com os colegas), ficou melhor, apesar do aviso de Mangas, atirando uma bala para as nuvens. Os leões começaram a bater à porta, mesmo contra a muralha resistente caseira. Afinal, os visitantes procuravam abrir a distância para o Benfica e colocar pressão nos dragões para o FC Porto-Casa Pia.
Mas, com Francisco Trincão e Paulinho em campo (o mui generoso e imaginativo Pote ficou mais perto de Morita), foi mesmo o Vitória que voltou a marcar, numa altura em que o jogo estava muito aberto, partido e rápido como os treinadores odeiam. António Adán ainda travou o golo cantado de Jota Silva, na pequena área, mas, na recarga, com a maior felicidade do mundo, André Silva chutou e viu a bola, depois de um desvio, entrar na baliza.
O jogo estava bom, por vezes dava ares de estar já para lá dos 90, tal era a energia e o desgaste e a carga emocional, mas ainda faltavam 20 e tal. O Sporting não entrou em desesperos delirantes. Continuou a tentar jogar, procurou as melhores soluções e Pote, que até anda zangado com a baliza, ofereceu o bombom para Nuno Santos, um canhoto com um pacto com os deuses dos golos bonitos. Desta vez não foi bonito, bateu na bola e pronto, já dentro da área, 2-2. A assistência de Pedro Gonçalves teve requintes de magia.
Depois, entrou Dani Silva e logo, logo a seguir e com pouca oposição fez o 3-2. É uma daquelas fezadas que os treinadores têm e que denunciou a textura macia da carcaça leonina esta noite em Guimarães. E do jogador, claro. Álvaro Pacheco levantou os braços muitas vezes, como quem implorava pelo inferno branco que falou na véspera. Não há volta a dar: esquecendo os controlos, rigores, os erros que massacram consciências e as ditaduras do que é certinho, era um grande jogo de futebol. Golos, emoção e dois grupos de homens que jogam futebol a defender a sua camisola, com toda a dignidade. Pouco depois, Adrián Butzke, na cara de Adan, viu o espanhol ganhar-lhe essa batalha mental e técnica, mantendo o Sporting em jogo.
Os últimos segundos, já depois de um sururu lamentável numa linha lateral, foram um sufoco dos lisboetas. Pedro Gonçalves ficou muito perto do empate, mas nada feito. O Vitória, munido com uma alma que transborda dos corpos dos homens normais, segurou o resultado, depois daquelas matreirices muito típicas dos campos difíceis. Apito final, o jogo de loucos recompensou a labuta dos senhores de branco. “Temos de ser campeões todos os dias”, costuma dizer Álvaro Pacheco, segundo Tomás Handel. Que satisfatório é quando a palavra se junta à ação…