Às vezes, a ignorância é uma benção. Imaginemos que pouco sabemos de Zé Pedro, o central do FC Porto. Olhando para o que fez esta noite, no Dragão, contra o Casa Pia (2-0), diríamos que se tratava de alguém gracioso, com uma trajetória admirável e provavelmente gloriosa. O passe que fez para Stephen Eustáquio, que depois deu o golo de Evanilson, é um daqueles momentos que pertence aos defesas que poderiam ser históricos. Para a estatística, a assistência é do canadiano, é certo, mas a ideia, a assinatura do projeto e a coragem de avançar com a empreitada é toda, toda do central, de 26 anos, até há bem pouco tempo desconhecido. O golo que fez nas alturas, o primeiro pelo clube do coração e perante a apatia de Vasco Fernandes, respeita a história da autoridade dos centrais portistas. E assim o Porto venceu e, antes do clássico em Alvalade, alcançou o Sporting na liderança da Liga.
Os puxões de orelhas no pós-debacle na Amoreira, para a Taça da Liga, deu-se em forma de não convocatórias e bancos aquecidos do lado errado do cal. David Carmo nem convocado foi para este duelo com os casapianos, agora treinados por Pedro Moreira, um homem que, enquanto adjunto de Paulo Fonseca, foi treinador no Dragão. Mantendo a linha de 5 de Filipe Martins, o Casa Pia sofreu bastante até ter ousadia para ter alguns momentos interessantes.
O FC Porto, com um tímido Iván Jaime, engoliu o rival. Se fosse com os plantéis de tempos idos, o marcador não teria muito descanso. Não há maior gasolina para esta gente e para as suas gentes do que se alimentar dos desaires de Benfica, que empatou em casa com o Farense, e Sporting, que perdeu esta noite em Guimarães, num jogo de loucos. A forma como a rapaziada de Sérgio Conceição conquistava e reconquistava a bola não deixava dúvidas: contem com esta equipa até ao fim. E quem saltou agora, mal visto depois do jogo no Estoril, terá a vida muito difícil.
Eustáquio (duas assistências), operário com um espaço de intervenção extenso, foi o primeiro a ameaçar a baliza de Ricardo Batista. Evanilson, que vai voltando ao seu melhor futebol, ia desbloqueando e descobrindo espaços, nas suas especiais e sublimes diagonais curtas. A seguir, foi Alan Varela a chamar o holofote para ele, com um tiro de longe. A bola saiu ao lado. O argentino ainda não convenceu derradeiramente o Dragão, mas tem argumentos para tal. E os passes longos são uma das armas mais eficazes e elegantes que tem. Também em crescimento notório estão os laterais do FC Porto, os novos laterais, Jorge Sánchez, solidário e sempre com pedalada para ir para frente, e João Mendes, o canhoto que dá muito mais garantias do que Zaidu. Pepê, apesar de algumas acelerações, ainda não é o Pepê que os portistas esperam.
Pepe estava de regresso e ia sendo ele a dominar os espaços e as aventuras alheias, como uma de Clayton, que parecia isolado até que o experiente central, de 40 anos, deu algumas passadas e apanhou-o, tratando do assunto no limiar da falta (ou até em falta, o que valeria um vermelho direto). Zé Pedro, cuja história foi escrita pela Tribuna Expresso quando Sérgio Conceição ligou para o Canal 11 para o elogiar, sai muitíssimo beneficiado por ter um monstro ao lado.
Com Leonardo Lelo em bom plano, mantendo a sua identidade apesar do afogamento coletivo dos gansos, o Casa Pia ia vivendo de alguns esticões fugazes de Yuki Soma (testou Diogo Costa depois de cruzamento com desvio em Pepe), Tiago Dias e Clayton. No miolo, Beni Mukendi andava à bulha com os dragões, batendo, levando, jogando, sendo enganado. Foi uma luta digna do médio. O Porto, apesar das tantas dúvidas ao longo do ano e das vantagens pela margem mínima e do pouco vistoso futebol que vai apresentando, exibia-se mais fluído e com mais qualidade do que habitualmente.
Pepe ia sendo tão imperial que foi ele, numa viagem até ao hemisfério improvável, a fazer o 3-0, qual ponta de lança. Os centrais tiveram uma noite especial, honrando a história dos defesas do clube. Pepe foi substituído aos 83’, entregou a braçadeira a Diogo Costa, saiu pela linha mais perto e ouviu a ovação de um agradecido Estádio do Dragão.
Jajá entrou e logo, logo ameaçou, superando Pepe, mas o defesa das 1001 batalhas recuperou a posição, sabe-se lá como, tirou-lhe a bola e ainda ganhou falta, como só os sábios podem fazer nesta vida. O atrevido Jajá continuou, continuou e, depois de um malabarismo, encontrou Clayton na área. O avançado superou Zé Pedro e bateu com violência ao poste da baliza do FC Porto.
Antes do golo do ex-dragão Fernando Andrade (3-1), de penálti (cometido pelo imprudente Jorge Sánchez), houve um momento inusitado, perto dos 90, quando os Super Dragões cantaram “Pinto da Costa allez, Pinto da Costa allez” e uma parcela do estádio assobiou. Este é um clube dividido, porém a tentar recalibrar a rota já tantas vezes percorrida: a Avenida dos Aliados.
Mas esta noite nada ia estragar a festa azul e branca, que se prepara agora para lutar pela permanência na Champions, contra o Shakhtar, e depois pela liderança na Liga, em Alvalade.
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