Crónica de Jogo

Füllkrug resgata o passado e compromete o PSG do futuro

Füllkrug resgata o passado e compromete o PSG do futuro
Anadolu/Getty

Graças a um golo do anacrónico avançado, o Borussia Dortmund bateu (1-0) os parisienses na primeira mão das meias-finais da Liga dos Campeões. Em noite de grande exibição de Sancho, a equipa de Luis Enrique pode queixar-se da falta de eficácia na segunda parte, mas a derrota até podia ter sido pior

Füllkrug resgata o passado e compromete o PSG do futuro

Pedro Barata

Jornalista

E que tal voltar ao básico? Passe longo do central, desmarcação e remate do ponta-de-lança, golo, felicidade.

Perante a complexidade dos sistemas de Luis Enrique, contra as permutas e trocas e variantes e cambiantes da ideia do técnico espanhol, o Borussia Dortmund agarrou-se à tradição para ganhar (1-0) na primeira mão das meias-finais da Liga dos Campeões. Aos 36', Nico Schlotterbeck levantou a cabeça e serviu Niclas Füllkrug, uma ligação direta que leva os underdogs deste quarteto final da competição em vantagem para Paris.

O jogo foi uma disputa entre passado e futuro, entre o que já foi e o que parece que vem aí. De um lado, o Borussia Dortmund, a equipa de Füllkrug, o último avançado-panzer alemão, o derradeiro desta espécie de atacantes germânicos que primeiro matam com o olhar e depois ferem com a finalização, o conjunto de Mats Hummels, o velho central que sai a jogar com trivelas, o clube de Jadon Sancho, o driblador que voltou atrás no tempo e é o que parecia que ia ser, o emblema ligado à sua comunidade, às gentes da sua cidade, apoiado pela parede amarela mais icónica do futebol mundial.

Do outro, o PSG, o pioneiro clube ponta-de-lança de um Estado, futebol como um departamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros, pós-futebol, na verdade. Este PSG 2.0, já não uma coleção de vedetas, mas um que parece, finalmente, decidido a cumprir o óbvio: se és o único clube competitivo na maior metrópole de concentração de talento futebolístico do mundo, nutre-te dessa matéria-prima.

E assim fomos do disfuncional coletivo de Messi-Mbappé-Neymar para uma tentativa de ter um organismo coerente, com a juventude dos gauleses Barcola e Zaïre-Emery apontando a estrada do futuro. Neste cruzamento temporal, foi o tempo pretérito a vencer.

ODD ANDERSEN/Getty

Nas bancadas, Nicolas Sarkozy, o presidente francês que abriu a porta e ajudou a que o dinheiro do Catar chegasse ao PSG, sentava-se ao lado de Nasser Al-Khelaïfi, presidente do clube, homem cujos tentáculos vão de Doha a Braga. A presença de ambos serve quase como uma nota mental para quem está a assistir ao jogo, recordando-nos que propósitos e intenções serve o PSG, onde começou esta história que, uma vez mais, luta por obter o Santo Graal que desde 2011 se persegue neste clube-Estado.

Desde o início viu-se ao que vinha o Dortmund, uma equipa incómoda e personalizada, nada a ver com as dificuldades na Bundesliga, na qual é quinto. Nesta máquina do tempo, Jadon Sancho foi uma homenagem ao Jadon Sancho que se chegou a julgar perdido, começando logo a servir Sabitzer, que não conseguiu bater Donnarumma, e Brandt, cujo remate foi cortado por Marquinhos de cabeça.

O PSG nada criou na primeira parte. Aos 36', veio o golo que decidiu o desafio, com a assistência de Schlotterbeck para o remate de Füllkrug. A felicidade pode residir no anacronismo, no ponta-de-lança que devolve o passado do fußball, que recupera uma era sem vanguardismos táticos na Alemanha, mas de princípios claros e eficazes.

A segunda parte trouxe uma versão muito mais venenosa dos visitantes. Em 10 minutos, os recém-sagrados campeões da Ligue 1 criaram muito mais perigo do que em todos os 45 minutos iniciais. Aos 52’, o PSG acertou duas vezes seguidas no poste, primeiro numa ação de Mbappé à Thierry Henry, rematando em arco da esquerda para o meio, e depois por Hakimi, que quase festejou no regresso a Dortmund. Logo a seguir, Fabián Ruiz, de cabeça, não teve pontaria na cara de Kobel.

O remate de Mbappé parece que vai entrar... mas foi ao poste
ANP/Getty

Se de um lado há Mbappé, do outro há Jadon Sancho. Houve um tempo em que se pensou que o inglês poderia ir para o patamar do francês, um dos futuros reis da bola no mundo. Uma passagem traumática pelo Manchester United depois, Sancho só tem 24 anos e vê-lo é como recuar no tempo, qual falha na dimensão cronológica das coisas, como se os ponteiros do relógio andassem para trás.

A alegria parece ter sido recuperada, a agilidade está lá, o drible com intuição e fantasia não fugiram. Aos 60’, Jadon enganou Nuno Mendes — teve uma noite de pesadelo — e serviu Füllkrug, que, com tudo para fazer o 2-0, atirou por cima. Instantes depois, o panzer voltou a não ter pontaria, desta vez na sequência de livre lateral. Já depois dos 80', o britânico pareceu contar uma piada à bola, tal a alegria com que esta foi ter com Brandt. Marquinhos cortou o remate do alemão.

O PSG da ideia de Luis Enrique utilizou seis jogadores franceses. O mais velho, Lucas Hernández, tem 28 anos, e há os 18 de Zaire-Emery, os 21 de Barcola, os 25 de Muani e Mbappé, os 26 de Dembélé. Eis um vislumbre de futuro na equipa da capital francesa, com o pequeno grande problema que, desde 2011, se exige que o futuro seja agora, e “agora” significa ganhar a Liga dos Campeões que tem fugido.

Na reação visitantes da segunda parte, Kobel travou um remate de Dembélé aos 72'. Aos 80', Vitinha, o homem que guia esta equipa, o cérebro do meio-campo, abriu para Hakimi, mas Dembélé voltou a falhar contra a antiga equipa. Num lance entre dois ex-Dortmund, o passado não pregou uma partida aos alemães. Era dia desse tempo já vivido sorrir, foi noite de alegria para o outsider entre os gigantes desta Liga dos Campeões. A decisão será dia 7, em Paris.

Tem alguma questão? Envie um email ao jornalista: tribuna@expresso.impresa.pt