O Borussia Dortmund, ovelha negra desta Liga dos Campeões, vai à final porque ganhou ao Paris Sans-Champions
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A equipa que mais corria por fora, a que menos estrelas e brilho tinha, vai jogar a final da Liga dos Campeões. Depois de vencer na Alemanha, o Borussia Dortmund foi a França ganhar (0-1) ao Paris Saint-Germain, tirando outro pão da boca aos milhões do Catar que financiam o clube e tanto perseguem, há quase 15 anos, a conquista do troféu. Será a terceira final da história para os germânicos, a última delas em 2013, onde estavam Mats Hummels (marcou o golo) e Marco Reus. Hoje trintões e a viverem os desfechos da carreira, vão ter uma última oportunidade de tocarem na glória
Estamos fartos de saber que a Liga dos Campeões é a cenoura a pairar diante dos olhos de quem injetou milhões, muitos milhões e depois mais alguns no Paris Saint-Germain, clube que se confiarmos na sua página em português na Wikipédia e na primeira referência acerca da sua pujança futebolística deste século “teve um renascimento em 2011 com maior apoio financeiro”, uma tradução eufemística de Qatar Sports Investment, por sua vez outra forma de mencionar como, um dia, um país assente em petrodólares se lembrou de comprar um clube, recheá-lo de dinheiro sem fim e dotá-lo da capacidade para pagar a nomes como Kylian Mbappé, o quase lunar francês, personificador das duas faces do PSG.
Outrora, quando foi contratado, mais uma estrela a juntar à constelação que já lá morava (Neymar, Verratti, Di María) e honrava o costume esbanjador (antes houve Ibrahimovic, Pastore, Thiago Silva, Beckham, Cavani, por aí fora) do clube, hoje é o único exemplo-mor dos tempos consumistas do PSG a manter-se no projeto que se quer afrancesar e optar por alguma modéstia. Ainda estelar, o seu brilho polar a irradiar na equipa, notou-se em Mbappé o esforço a atrapalhar a intenção, como se possuída pela pressão auto-imposta de ter de ser ele a dar uma final da Champions mais desejada. Isso traiu-o, e à equipa com ele.
Por duas vezes esqueceu-se da bola quando se aprontava para serpentear com ela, uma na maralha do meio-campo, outra junto à linha de fundo. Dois remates tentou, já dentro da área, atabalhoado num em que não acertou em cheio com o pé direito na tentativa e precipitado noutro quando demasiados corpos de amarelo tinha pela frente, esbarrando neles a bola. Até ao intervalo, o mbappécentrismo afetou-o na maioria das suas ações e o Borussia Dortmund acautelado contra essa faceta, juntando jogadores perto do francês ao notar que ele aprontava alguma ideia. Quando na sua cabeça não as congeminava, o PSG foi outro, mais equipa como tem sido esta época, mais farto em soluções.
Os seus pézinhos leves e frenéticos entraram na área, atraíram adversários e quando passou em vez de forçar o seu caminho a equipa contornou a área, levou a bola ao lado oposto da área e Ousmane Dembélé, livre para rematar, acertou na rede lateral da baliza. Depois, momentaneamente à direita do ataque, Mbappé reviveu essa paciência, preferiu passar a querer resolver, viu Fabián Ruiz sozinho com o alvo à vista, entregou-lhe a hipótese e um ricochete no seu remate quase deu um desvio para golo.
Em 45 minutos não os houve, o Parque dos Príncipes suspirou a cada ataque, a arena via a equipa a ter mais bola e os passes de Vitinha feitos com pinças a comandá-la, com a projeção de Nuno Mendes e Hakimi, os laterais, a permitir um plantão do PSG a predominar na metade do relvado dos alemães. Não davam, porém, vazão às intenções perto da baliza, em parte pela falta de presença na área onde Gonçalo Ramos nem sempre chegava fresco por ter de correr para trás sem bola, o seu esforço utilizado para ser ele a defender mais para Dembélé e Mbappé, pouco dados a tal, se pouparem a essas preocupações. A principal deles, a de todos, era perseguir a derrota por 1-0 trazida de Dortmund.
Por isso tranquilos e calmos, sobretudo descomplexados em permitirem tanta iniciativa ao Paris Saint-Germain sem a tentarem contrariar com pressões altas, linhas subidas nem pressas, os jogadores do Borussia estiveram uma parte a concentrarem-se na organização coletiva e outra a aproveitarem a inclinação crescente dos franceses para o ataque. Antes do intervalo, os centrais Mats Hummels e Nico Schlotterbeck sustiveram a muralha alemã, ora o experiente destro ou o jovem canhoto a lançarem ataques rápidos pela sua capacidade de passe longo e curto. Mas só começando com as mãos o Dortmund ameaçou: em dois lançamentos laterais longos, da direita, para o matulão Niclas Füllkrug, o avançado serviu Adeyemi e Ryerson para rematarem.
Só na segunda parte, novamente com a bola a ter de ir fora do campo, os germânicos tiveram sucesso e cheios da contribuição dos seus defesas centrais, pouco falados nesta Champions e tão capazes de provar como o falatório, por muito que seja, conta pouco. No canto ganho após uma cavalgada para a frente de Schlotterbeck com a bola, o Borussia marcou (50’) pela cabeça de Hummels, sereno a saltar nas costas da deficiente defesa à zona dos franceses.
Aumentava o prejuízo que arrealiava o PSG já de si apressado no regresso dos balneários, quando pisou de novo o campo teve logo no primeiro ataque um remate no poste de Zaïre-Emery, nem a dois metros da baliza, após um desvio feliz de Gonçalo Ramos. O cerco dos parisienses ao último reduto alemão, sobretudo após o golo, pintou-se como duas linhas que crescem em paralelo num qualquer gráfico, os angustiados acumulavam jogadores perto da área, com Barcola e Asensio lançados para a companhia e Dembélé e Mbappé, enquanto os vantajosos no resultado agrupavam corpos à frente da baliza, às tantas com uma linha de cinco de defesas com a entrada do tanque Niklas Süle para terceiro central.
A postura do Dortmund foi a cara do pragmatismo, esse termo causador de alergias e comichões no futebol, mas criticável até que ponto se, cada vez mais, à bola também joga um desequilíbrio de receitas e orçamentos que não cessa de crescer. E o Borussia que o diga, afetado pela desafinada balança da Bundesliga, onde o Bayern de Munique tem o hábito de lhe comprar os melhores jogadores e ir ganhando onze campeonatos seguidos, e vergado também pela própria incapacidade da Alemanha em acompanhar os lucros da Premier League, onde as suas equipas enriquecem sem comparação no resto da Europa.
Esse Borussia Dortmund remeteu-se a defender e a aguentar, mais naturalmente do que previsivelmente foi recuando no campo, aguentando como pôde as investidas do PSG. Remetidos à sua área, os alemães arriscaram perante os riscos assumidos pelos desesperados franceses que tiveram pontaria demasiado afinada, ou azarada, nestas coisas é impossível precisar. Só nos derradeiros 10 minutos, o discreto Mbappé, vergado pela ocasião quando habituou o futebol a agigantar-se nos cenários mais épicos - este é o homem que, aos 23 anos, já tinha quatro golos marcados em finais de Mundiais -, rematou à barra quando estava perto da marca de penálti e, depois, bem mais longe, um foguete disparado por Vitinha esbarrou no mesmo ferro.
Ingrato e injusto são outras considerações complicadas de validar no futebol, por muito que se sintam, porque as sinas deste jogo dependem de bolas que entrem na baliza e o Borussia, em 180 minutos, fez duas passarem por entre o PSG em Dortmund e Paris, onde os franceses produziram o suficiente para acabarem a sorrir nestas meias-finais da Liga dos Campeões. A história desta eliminatória, como todas, resumir-si-à ao resultado e respetiva ditadura dos números, o que será contado foi que os alemães tiveram a sua terceira final da prova (1997 e 2013) em detrimento do PSG das centenas de milhões de euros do tal “apoio financeiro” que não será este ano que vai merecer uma edição na Wikipédia para lhe acrescentar uma conquista.
Já no findar do tempo de desconto, quando pelo menos os franceses caçavam um golo se não houvesse minutos para mais, um súbito atrevimento da linha defensiva do Dortmund combateu o instinto de se encolherem junto à área e avançou uns metros, afastou-se da baliza, a equipa do PSG viu e sobretudo Kylian Mbappé avistou esse espaço, correu para lá com frenesim, um passe entrou e por um segundo pareceu que o jogo daria ao príncipe-herdeiro da luz dos holofotes dos dois extraterrestres da última década e meia um momento de se vincar nesta história. Mesmo que não a salvasse para o seu lado, que surgisse em nota de rodapé. Mas, no segundo subsequente, Mbappé escorregou, estatelou-se na relva, viu a rasteira bola rolar para longe e ouviu um apito a alongar-se.
Assim terminou o jogo, com uma estrela aterrada no chão depois de furar a atmosfera e tombar, com ela o Paris Saint-Germain que provavelmente vai abandonar quando a época terminar e aí ainda será o Paris Sans-Champions. O simbolismo de Kylian Mbappé caído no relvado talvez ficará porque com isso o futebol costuma prezar - o poder das imagens que ficam. Solta a festa dos jogadores do Borussia Dortmund, outras muitas fotografias da ocasião ficarão, à cabeça as de Marco Reus emaranhado por adeptos amarelos no meio da bancada onde ficaram os apoiantes da equipa, e a de Mats Hummels com sorriso de petiz, agarrado com as mãos à cabeça, incrédulo face à sua noite.
Ele com 35 anos e Marco Reus com 34 (anunciou esta semana que sai do clube no fim da época) terão uma quiçá última oportunidade para sorrirem com o Dortmund daqui por semanas. Em 2013 perderam uma final da Liga dos Campeões com quem mais lhes podia doer, o Bayern de Munique. O ano passado perderam um campeonato em casa, na última jornada, onde prevaleceu a imagem de um Reus triste e desamparado, sentado no relvado e descalço nos pés e na felicidade. O futebol, pelos vistos, ainda liga à redenção e lá vai retribuindo.