Crónica de Jogo

Nagelsmann gosta do plano A da sua Alemanha, mas essa arte falhou. Então, foi buscar o tanque

Nagelsmann gosta do plano A da sua Alemanha, mas essa arte falhou. Então, foi buscar o tanque
Soccrates Images

O tanque é Niclas Füllkrug, que tem 13 golos pela sua seleção em 19 jogos e o último livrou os alemães de irem para os oitavos de final do ‘seu’ Europeu com uma derrota na cabeça. Ao invés, irão a matutar o empate (1-1) que salvaram contra uma eficiente e competitiva Suíça. E, sobretudo, terão de resolver o que fez mirrar a equipa durante a segunda parte, quando até os passes de Toni Kroos emperraram

Canalha, caçula ou gaiato seriam adjetivos a aplicar a Julian Nagelsmann estivéssemos nós aqui embalados a tentar fazer graçola entre a idade dele (36 anos) e dos restantes treinadores do Europeu, o alemão é o mais novo, bastar mirá-lo, tem energia na cara, as tréguas das rugas ainda existem, veste-se de uma forma casualmente esperta e jovial, na medida do que é possível emanar a um tipo com a sua estampa (1,90m), além do mais novo provavelmente será o mais alto, concentremo-nos, porém, na sua data de fabrico e na validade das coisas em geral partido da sua decisão em nem um jogador trocar na seleção da Alemanha para o terceiro jogo da fase grupos, tendo ganhado os dois anteriores e assegurado logo a presença nos ‘oitavos’ do torneio.

Vulgar seria Nagelsmann adotar por defeito o modo rotação, trocando habituais titulares por usuais suplentes, dando repouso aos supostos melhores para os menos bons, porque é assim a vida, terem ação, dir-se-ia que o selecionador seria benevolente como é corrente serem quase todos quando dão por eles nestas circunstâncias em fases finais de torneios, mas não, “é crucial manter o ritmo” defendeu ele quando avisou que ia renegar a essa ideia velha, tão grisalha que foi pela primeira vez que a Alemanha teve o mesmo onze nos três jogos iniciais de Europeus. E, por arrasto, o terceiro ato neste torneio com Florian Wirtz, Jamal Musiala, Ilkay Gündongan ou Toni Kroos de início.

Dir-se-ia também que fazer coincidir este quarteto, especialmente estes jogadores, seria o agigantar de um berbicacho para a Suíça, valorosa equipa mas sem o conforto dos germânicos, os suíços precisavam de pontuar e, de preferência, ganhar, então obrigatoriamente uma das questões do jogo seria como anulariam este quatro fantásticos, as dinâmicas coletivas entre eles e os maneirismos individuais de cada. Em Frankfurt, quando o intervalo chegou, havia um resumo possível da história para cada um deles.

Verdade que o núcleo passador da Alemanha não foi pressionado por aí além, a Toni Kroos permitiu-se quase sempre um primeiro toque já a pensar no segundo, pior, até tempo e espaço teve na bola para acrescentar um olhar à informação já disponível no radar que deve esconder na sua cabeça para decidir a um toque e até encontrar, um par de vezes, Gündongan por entre a maralha com passes tensos e verticais, no pé, onde o capitão depois se via rodeado, sem ar respirável para se virar à baliza, e Kroos fez isto ao centro, bem no miolo, não pela esquerda, onde pacientemente se esconde como um terceiro central para dali ver o campo todo e orquestrar a rede de passes que só ele tricota, porque os suíços o empurravam para lá, pressionando de fora para dentro e encostando nos alvos possíveis dos seus passes em vez de tentarem umas das tarefas mais difíceis no futebol que é estancar Kroos à nascença.

E já que se mencionou Gündongan, o próximo a resumir é ele, o capitão que sofreu por tabela com a linha defensiva de cinco homens onde os centrais de fora, Schär e Rodríguez, abandonavam a formação se Wirtz ou Musiala se dessem a receber passes entre linhas, eram cães de fila atentos à presa, os talentosos falsos extremos da Alemanha que são mais atacantes deambuladores eram vigiados de muito perto e a equipa teve de procurar mais o capitão, e ele tentou mostrar-se, recuou no campo, veio buscar jogo ou mostrou outra via possível que é atacar o espaço nas costas dos defesas, mas nunca lá recebeu um lançamento em jogo.

Depois Wirtz e Musiala explicam-se juntos apesar de serem tão diferentes no estilo, a abundância de talento tem infinitas formas, mas nem as fintas mais elétricas do loiro, que primeiro abranda para depois explodir em fuga, ou a graciosa planagem do moreno, cuja ultrapassagem de adversários é de plasticina e ele maleável ao esquivar-se de pernas, se viam por aí além. Apareciam a espaços, Florian a livrar-se de suíços virado para uma linha lateral ou Jamal a evadir um desarme no meio-campo alemão para o entusiasmo nas bancadas mirrar no desenlace da jogada. Nenhum deles sacudia a vigilância apertada com que os defesas o acompanhavam ou Remo Freuler e Granit Xhaka, os médios, acentuavam quando necessário.

É claro que a Alemanha teve mais passes, mais posse e maior iniciativa porque tem melhores jogadores a conviver numa equipa oleada q.b., mas, quando perdeu a bola pouco depois de a recuperar, aos 28’, Freuler fugiu pela esquerda e cruzou para Dan Ndoye marcar antes e depois de atazanar a vida aos centrais alemães por ser danado para correr nas suas costas.

O imbróglio maior do jogo era o dos anfitriões do Europeu, não dos eficientes suíços, que na segunda parte mantiveram as suas marcações quase individuais aos rapazolas alemães, Musiala e Wirtz continuaram insípidos, a sua graça a aparecer aqui e ali só longe da baliza numa seleção que emperrou bastante durante 20 minutos, órfã das atenuantes a que se pudera agarrar antes do intervalo: sofrera um golo, mas o volume de jogo estava lá, Kroos resolvia os problemas em posso, Andrich rematara um par de vezes e conseguiram assaltar a área com cruzamentos. Quando regressaram dos balneários, tinham perdido as boias de flutuação.

Enquanto a velocidade de Embolo e Ndoye os massacraram com diagonais a partir das costas dos laterais e direcionadas às dos centrais, a Suíça avançou o seu bloco, esticou-se na pressão, mordeu ainda mais as receções dos adversários, os seus jogadores pareciam uma retorcida máquina diametralmente oposta à lógica do cansado, porque mais se jogava e mais eles corriam, o relógio avançava e os suíços pareciam refrescar-se com a andadura do tempo. E quando, por volta dos 65’, a Alemanha tentou coisas novas, o imponente central Manuel Akanji assegurou a fortaleza na sua área.

A ver, do banco, os solavancos da equipa, cadente no rasgo e incapaz de ligar jogadas que levassem alguma tabela, algum drible criativo, sequer algum remate surpreendente para perto da área, Nagelsmann recuou Gündongan para resgatar Kroos de tanta pressão e lançou Max Beier, um esparguete avançado de longos membros, para junto de Kai Havertz - depois acrescentaria o tanque Füllkrug.

Se não iam lá pela arte então tentar-se-ia pela força e pelo peso.

O único abanico dado pela Alemanha na baliza da Suíça em 90 minutos surgiria com a bola a partir parada, depois de bater um livre direto à baliza no lado contrário Toni Kroos foi à direita dirigir um canto para Havertz, dando uma cabeçada no ar, desviar a bola com o ombro para bater no topo da barra. Um remate atabalhoado como a exibição germânica na segunda parte, cheia de hesitações e palpitações, sem o nível que mostrara na primeira apesar do golo sofrido e ao invés com a estirpe de desnorte (crateras de espaço abertas para os contra-ataques adversários, maus posicionamentos, ninguém a dar um rasgo criativo) que nem há um ano se via nos jogos da sua seleção.

Mas, se não há arte, pode haver um toque mágico na tal força, no tal peso e nos prosaicos planos B quando o A implodiu devido à urgência. Estavam os suíços, com uma ou outra cócega sentida num cruzamento, um arrepio na espinha ocasional numa tentativa de raide de Leroy Sané, a aguentar a sua vantagem fosse como fosse, quando a artilharia aérea chegou: aos 90’+2, um cruzamento encontrou a cabeça de Füllkrug, a maquinaria em forma de avançado que desviou a bola para livrar a Alemanha de ir para os oitavos de final a pensar numa derrota. Assim, irá só a cogitar os motivos para tamanha regressão na exibição e nos métodos vista nesta segunda parte - até Kroos, a fazer pela vida na confusão, falhou passes e entortou um pouco a mira.

O grande e forte e a quem falta um dente na frente da dentição salvou a anfitriã. E a matéria que perfaz Füllkrug, raramente um titular da Alemanha, é rara, porque, em 19 jogos leva 13 golos pela seleção, quatro em fases finais. Ele dispensa o ritmo que Julian Nagelsmann pretender dar ao plano A, convicção que tem as suas vantagens - antes do gigante acudir ao empate, os 38 anos de Manuel Neuer voaram para resgatar um remate incrível de Xhaka de entrar na baliza onde muita gente queria ver Ter Stegen, o seu eterno suplente -, mas também as consequências. Porque, nos ‘oitavos’, o treinador terá de abdicar de Jonathan Tah, o defesa central que viu um cartão amarelo e terá de cumprir suspensão.

Venha então daí uma espécie de plano B, mesmo que forçado.

P.S. No outro jogo deste Grupo A, jogado à mesma hora, os húngaros marcaram o golo no último dos 10 minutos de descontos e derrotaram os escoceses, ficando com 4 pontos e no 3.º lugar, o que importa pois são um dos terceiros lugares que podem interessar a Portugal no caminho para os ‘oitavos’.

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