Portugal ofereceu à Geórgia o seu dia mais especial
Chris Brunskill/Fantasista
Com uma equipa alternativa, Portugal perdeu por 2-0 frente à Geórgia, que assim se qualificou como um dos melhores terceiros para a próxima fase. Um misto de erros individuais e falta de soluções e ideias não permitiu uma fase de grupos perfeita à seleção nacional - e os efeitos de uma derrota são sempre imprevisíveis, até porque esta foi clara. Segue-se a Eslovénia nos oitavos de final
“Believe”, lê-se no cartaz num dos topos do estádio, é uma das imagens de marca dos adeptos da Geórgia, imitando a série “Ted Lasso” onde esse cartaz e essa palavra, acreditar, portanto, significa tanto para um grupo de underdogs tornados uma equipa cheia de coração. E os georgianos sempre acreditaram. Lá no fundo, sempre acreditaram. Mas talvez não com tanto, não em bater Portugal e em qualificar-se para a fase seguinte logo à primeira participação num Euro, é um sonho e uma bonita história, às custas de Portugal, que mesmo a jogar com uma segunda ou terceira linha de jogadores - menos Cristiano e Diogo Costa - tinha a obrigação de fazer mais, de jogar mais e, mais que tudo, de errar menos.
Os erros individuais da defesa fizeram a Geórgia acreditar, depois fizeram-na crescer quando o ataque posicional português não encontrou soluções. Portugal perdeu por 2-0 em Gelsenkirchen, agora terreno sagrado não só para alguns adeptos portugueses, mas para toda esta jovem nação, e até podia ter perdido por mais, permitindo à equipa de Willy Sagnol mover-se nos seus terrenos preferidos, as transições, o aproveitamente dos deslizes. E Kvaratskhelia apareceu, finalmente. Com estrondo, perante milhares que olham para ele como um símbolo.
Mesmo que Roberto Martínez tenha mostrado, com as suas opções durante o jogo, que o resultado não lhe interessava tanto assim, Portugal une-se com esta derrota aos favoritos com asterisco, aqueles que deixam dúvidas, questões. Não é uma luta em que Portugal esteja sozinho, estão lá França, Inglaterra, até a Alemanha, um pouco, mas não é uma boa luta para se estar, para mais quando se segue um quadro cheio de equipas gigantes.
Portugal viu-se a perder sem praticamente deixar o adversário tocar na bola, o que é obra. Um erro individual de António Silva, num atraso mal medido, a que se juntou uma má colocação da defesa, deu à Geórgia aquilo que tanto gosta: uma transição rápida. Mikautadze viu a cavalgada de Kvaratskhelia que, decidido, avançou até à baliza de Diogo Costa para marcar pela primeira vez neste Europeu, o golo que tantos compatriotas lhe pediam.
NurPhoto
NurPhoto
14
Assim são os heróis. Ainda nem dois minutos havia no relógio e a Geórgia, ainda com a esperança da qualificação, agora tão próxima, agarrou-se ao seu conservadorismo recém-adquirido. Não foi estranho ver duas linhas bem definidas e juntas a tapar os caminhos da baliza de Mamardashvili. Portugal via-se obrigado a inventar espaços, o que quase nunca aconteceu - e isso é o mais preocupante de tudo.
Com Ronaldo bem rodeado, Portugal foi tentando de longe, primeiro num potente livre do capitão, a uns bons 30 metros, que o guarda-redes da Geórgia afastou bem. Francisco Conceição não esteve longe num remate ao segundo poste na sequência de um canto e João Félix, o melhor de Portugal na 1.ª parte, também cheirou o golo, após um lance de boa reação à perda da seleção nacional, aspeto em que sempre esteve bem - acabou a 1.ª parte com 70% de posse - apesar de alguns apuros na área de Diogo Costa nas poucas vezes que a Georgia lá chegou. Durante boa parte do jogo, Portugal resumiu-se a isto.
A primeira jogada em que Portugal conseguiu quebrar as linhas do estreante neste Euro apareceu já bem para lá da meia-hora, numa combinação interior entre Neto, Palhinha e Ronaldo, com o remate do avançado a ser prensado por um defesa rival. Alguns dos problemas vistos no primeiro jogo, com a Chéquia, voltavam a assombrar a equipa de Roberto Martínez. E a Geórgia era empurrada também pelos seus ruidosos adeptos, com tanto ou mais coração que os onze em campo.
Já com Rúben Neves na equipa - entrou para o lugar de Palhinha, tal como no jogo com a Turquia -, Portugal saiu do intervalo assediando a área da Geórgia numa sequência de cantos. Mas começaria então uma série de erros, como que advinhando um evento desafortunado, que fizeram tremer a seleção nacional. Primeiro foi Inácio, a perder na velocidade e quase dava a Kvaratskhelia a oportunidade do bis. E de seguida António Silva tocou em Lochoshvili na área, com o VAR a intervir - penálti. Golo de Mikautadze, apesar de Diogo Costa ainda ter adivinhado o lado.
Anadolu
Anadolu
14
O jogo pedia mudanças, o Geórgia crescia e cheirava o inesperado nervosismo nacional, mas Martínez não as fez até aos 65’, tirando Cristiano Ronaldo, muito longe das exibições dos primeiros dois jogos, e António Silva, intimamente ligado aos dois golos da Geórgia. Entraram Gonçalo Ramos e Nelson Semedo. Sem resultados imediatos. Seguiram-se Diogo Jota e Matheus Nunes para a vez de Neto e João Neves. Roberto Martínez, claramente, preferia a rotação ao resultado, veremos com que consequências: na mesma situação, no Euro 2008, Portugal caiu logo de seguida frente à Alemanha; no último Mundial, depois da derrota com a Coreia do Sul, seguiu-se uma vitória gorda nos oitavos de final às custas da Suíça.
Até final o jogo partiu, Nelson Semedo e Diogo Jota ainda estiveram perto e tudo o resto Mamardashvili salvou - é uma das figuras deste Europeu. É certo que Portugal ofereceu à Geórgia um dos dias mais felizes e importantes nos pouco mais de 30 anos de história deste país, mas o guardião do Valencia foi, na fase de grupos, uma espécie de milagreiro.
A derrota significa também que o adversário para os oitavos de final será a Eslovénia, com quem Portugal já perdeu este ano. Uma equipa organizada, que trará à seleção nacional precisamente o tipo de problemas que teve dificuldade em resolver neste Europeu. Uma eliminatória em que a seleção nacional tem muito a provar. Não há mais espaço para rotações, para experimentação em plena competição. Agora quem cair vai embora. E as rotinas do jogo português deixam dúvidas legítimas.