Nem tudo é sol e bom tempo no sommermärchen. Se é que isto é um sommermärchen. Estamos a descobrir, a decifrar o ambiente, a perceber qual será o fim deste conto de futebol. Estamos, no fundo, como o VAR, protagonista do Alemanha-Dinamarca antes e depois da trovoada.
A mannschaft, pela primeira vez desde 2016, superou uma eliminatória numa fase final. A crise tornou-se menos crise, o pior momento de sempre da seleção alemã suavizou-se. Depois de 2018 e 2022, das quedas nas fases de grupos nos Mundiais, e da saída de cena nos oitavos de final no passado Europeu, havia nuvens de pressão em Dortmund, nuvens como as da tempestade.
Não sabemos se isto é um sommermärchen, mas ao menos já é a Alemanha entre as oito melhores de um torneio, algo que não se via há oito anos. 2-0 contra a Dinamarca e a Espanha ou a Geórgia nos quartos de final.
Foi um jogo de descontinuidades, a arrancar e parar. Marcar golos, ser interrompido pelo VAR, anular golos. Começar a jogar, parar devido à tempestade, recomeçar. Voltar a parar devido ao intervalo. Recomeçar. Marcar outro golo, vê-lo ser anulado pelo VAR. Ver o VAR descobrir um penálti. Ver a Alemanha sair de apuros, à espera de encontros de tubarões neste Europeus. Ver Kroos adiar a reforma.
Estas intermitências resumiram-se em cinco minutos. Aos 48', Andersen marcou e colocou uma nuvem de susto em Dortmund. Adeus sommermärchen, olá, de novo, crise. O VAR descobriu um fora de jogo por milímetros.
Aos 53', o mesmo Andersen cortou um cruzamento de Raum com o braço. O eletrocardiograma que ajuda o VAR a decidir se há penálti entrou em ação, era futebol, era medicina, era meteorologia, tudo misturado na noite de Dortmund. Castigo máximo para a Alemanha, Kai Havertz a fazer o 1-0. Como é que se diz sommermärchen com VAR e tempestade?
O VAR teve mais pressa que a tempestade. Logo aos 4', Kroos, fugindo a que este fosse o seu jogo de despedida, bateu um canto e Schlotterbeck, titular no lugar do castigado Tah, cabeceou para o golo. No entanto, foi descoberta uma falta alemã na área e o festejo do central do Dortmund em Dortmund foi cancelado.
Seguiram-se minutos de intenso bombardeamento à área dinamarquesa. Antes dos trovões, chegaram os remates dos anfitriões. Kimmich, Schlotterbeck, Havertz e Rüdiger protagonizaram uma tempestade na direção da baliza da Dinamarca, onde Schmeichel ia respondendo à altura. Nos primeiros 11', o guardião que um dia ganhou a Premier League com o Leicester somou quatro defesas.
À medida que o céu se foi acinzentando, antevendo-se a trovoada que estava para chegar, os relâmpagos do ataque alemão foram-se silenciando. A Dinamarca estabilizou, conseguindo ter bola e chegar a Eriksen, simultaneamente o seu cérebro mais esclarecido e os pés mais precisos. Aos 21', Rüdiger evitou que um remate do médio chegasse a Neuer.
Com os dinamarqueses estabilizados no desafio, parecendo começar a jogar com a ansiedade alemã, com a pressão do fator casa, com os oito anos sem superar uma eliminatória de um grande torneio, Mæhle atirou com perigo. Foi a última ação de destaque antes da trovoada se tornar protagonista da noite de Dortmund.
Inicialmente, Michael Oliver só mandou os futebolistas para o banco. Quando se tornou evidente a violência da tempestade, todos recolheram aos balneários, sendo impossível não reparar como Müller e Kjaer, jogadores suplentes, vão dando indicações aos colegas como se fossem adjuntos. A eliminatória esteve 20 minutos suspensa, até que o tempo melhorou e o encontro recomeçou.
No recomeço, Schmeichel faria a sua quinta defesa da noite, travando Havertz após cruzamento de Raum. A seguir, Schlotterbeck foi desarmado por Højlund, mas o avançado do Manchester United atirou sem pontaria.
Em cima do descanso, chegaria uma oportunidade de ouro para a Dinamarca. A Alemanha parecia presa nos ecos da tempestade, no medo do regresso da crise, nos traumas do passado recente. Musiala, que fez um primeiro tempo de pouca inspiração, perdeu a bola para Delaney, o médio que assumiu a titularidade devido ao castigo de Hjulmand.
Contra-atacando rapidamente, Delaney descobriu Eriksen, Eriksen devolveu a Delaney e o lance chegou a Højlund. Isolado contra Neuer, o veloz mas algo nervoso e pouco clínico dianteiro não conseguiu marcar.
O intervalo que levou à mudança de lados das equipas em campo — é preciso descrevê-lo assim, tal foi a quantidade de pausas que houve — chegava cheio de avisos para a mannschaft.
Os avisos estiveram quase a ser castigo real aos 48'. Estiveram a milímetros, os milímetros que tiraram o 1-0 a Andersen. Os milímetros que quase pareceram empurrar o braço do central para o cruzamento de Raum. Do 1-0 de Andersen para a Dinamarca para o 1-0 de Havertz para a Alemanha devido a mão de Andersen.
Em vantagem, a equipa de Nagelsmann explorou os espaços que a lenta defesa adversária foi deixando. Havertz, por duas vezes, desperdiçou o bis.
Do outro lado Højlund, voltou a desafiar Neuer. Voltou a perder. A eliminação da Dinamarca, entre milímetros e tempestades e o VAR, explica-se, também, pela falta de eficácia do ponta de lança.
Com muito espaço para explorar, o 2-0 chegou mesmo aos 68'. Musiala, numa noite de menor inspiração, correu para se isolar e sentenciar a noite.
Já com o céu limpo, já sem o rugido da tempestade, o jogo não terminaria sem mais protagonismo do VAR. Sem mais milímetros e intermitências, mais pausas e recomeços. Wirtz marcou, Michael Oliver levou a mão ao ouvido para saber o veredicto. Fora de jogo.
Kroos adiou a retirada por mais alguns dias. Nunca mais jogará no Westfalenstadion, uma das catedrais do jogo. O público despediu-se dele com um aplauso de homenagem. O sommermärchen que ainda não sabemos se é sommermärchen mas sabemos que tem chuva prossegue nos quartos de final.
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