Crónica de Jogo

A Inglaterra das intermitências tem na final contra a Espanha a sua panaceia

A Inglaterra das intermitências tem na final contra a Espanha a sua panaceia
Bradley Collyer - PA Images

A Inglaterra mostrou na meia-final contra os Países Baixos alguns momentos daquilo que o futebol da equipa de Southgate pode valer. Ainda assim, pela terceira vez no Euro 2024, começou a perder, embora tenha conseguido dar a volta aos 90+1’ com um golo de Ollie Watkins (2-1). A final vai ser discutida com a Espanha

Estão dispersos pelo mundo milhões de jogadores que vivem os dias a sonhar com a possibilidade de estarem num Europeu. Outros que, por muito perto que tenham estado de o fazer, não o conseguiram devido a uma lesão ou por escolha do selecionador. Ollie Watkins tem estado na Alemanha praticamente com o papel de bater palmas aos colegas ingleses que, dentro do campo, lhe têm garantido mais uns dias de permanência na competição. Desta vez, os papéis inverteram-se.

Até à meia-final, o avançado tinha somado apenas 21 minutos. Nada mau, pode-se pensar. Southgate lançou-o contra os Países Baixos perto do fim, ainda com o jogo empatado a um. O selecionador foi assobiado pelo que estava a fazer. Afinal, para Watkins entrar, Kane teve que sair. O prolongamento era praticamente uma realidade adquirida, um final inevitável que o fluxo dos 90 minutos ia confirmar mais tarde ou mais cedo não fosse algum dissidente mudar o rumo dos acontecimentos.

Ollie Watkins, além daqueles nove minutos, podia ter estado mais meia-hora em campo. Em vez de querer brilhar na estatística, foi herói e autor do 2-1 que atirou a Inglaterra para a final contra a Espanha.

Ronald Koeman podia-se dar por satisfeito com o que os primeiros minutos lhe mostraram, só que foi um período positivo demasiado ínfimo para que os Países Baixos se pudessem vangloriar. De qualquer modo, foi rentável o suficiente para garantir um golo. Xavi Simons roubou a bola a Declan Rice e já de joelho no chão por ter colocado o pé de apoio demasiado longe do objeto daquele golpe violento que menosprezou o raspão em Jordan Pickford, finalizou de fora da área.

Os Países Baixos estavam a sair apoiado a partir do guarda-redes com tranquilidade. Por vezes, essa construção era feita com Bart Verbruggen como quarto elemento para permitir que Dumfries se projetasse para lá da primeira linha de pressão inglesa. A vantagem no resultado não deixou explícito que talvez fosse boa ideia manter um certo nível de brio para que ela não desatasse a fugir.

Alex Livesey

É sentimento transversal a todos os treinadores o pudor em revelar o onze inicial antes daquilo a que os regulamentos obrigam. No entanto, o maior fator surpresa da Inglaterra não foi ter jogado o X ou o Y, foi sim a atitude com que reagiu à adversidade. Não foi a primeira vez que a equipa de Gareth Southgate esteve em desvantagem no marcador. O mesmo aconteceu no jogo dos oitavos e dos quartos de final, mas, em ambas as ocasiões, a justiça esteve mesmo cega para deixar que tal acontecesse. O mesmo não se pode dizer neste caso.

Se aos 7’ a Inglaterra estava a sofrer o primeiro golo, aos 18’ estava a empatar. Bukayo Saka abalroou as portagens que receberam a condução de pé esquerdo do extremo à entrada para a grande área. A bola fugiu do controlo do jogador do Arsenal, mas o ressalto acabou em Harry Kane. Ninguém pareceu ter ficado muito importado por Denzel Dumfries ter carimbado os pitons no tornozelo do avançado. Na sua sala, longe da vozearia de 80.000 pessoas, o VAR deu conta da infração. Penálti para a Inglaterra e golo de Harry Kane. A partir daí, instalou-se um domínio inglês que quase deixou a esperança chegar à idade da reforma para aparecer no decorrer do Euro 2024.

Olhava-se para os titulares e, na zona abdominal do terreno, aquela que, quando a coisa dá para o torto, é invadida por um batalhão de formigas nervosas, a Inglaterra estava bem protegida. Imaginava-se que, no centro da defesa, jogassem John Stones, Marc Guéhi e Kyle Walker. No meio-campo, Declan Rice e Kobbie Mainoo. E, claro, acrescentar ainda Jordan Pickford para que a conta certa autorize dizer que estávamos perante um six-pack na proteção à baliza. Depois, se Southgate replicasse o que fez contra a Suíça, Kieran Trippier estaria no flanco esquerdo e Bukayo Saka a fechar à direita como quinto defesa.

Mas esta era a farda conservadora que o selecionador não precisou de utilizar. Bukayo Saka inibiu-se de recuar, procurando ferir a linha defensiva neerlandesa numa zona mais próxima do último terço. Enquanto isso, Kyle Walker posicionava-se como lateral-direito de uma defesa a quatro.

Os Países Baixos tinham para apresentar um onze bastante cristalino. De Tijjani Reijnders, Jerdy Schouten e Xavi Simons pode sempre sair um serviço de catering para a mobilidade de Memphis Depay e para o jogo exterior de Cody Gakpo. Acontece que o abrilhantamento do encontro foi da responsabilidade de outros pés.

Daniela Porcelli/ISI Photos

Phil Foden, incumbido de acrescentar criatividade à dupla Rice/Mainoo no jogo interior, brindou a defesa laranja com uma jogada individual que acabou com a bola literalmente em cima da linha de golo de onde a sacudiu Dumfries. O jogador do Manchester City tentou de fora de área, mas apenas acertou no poste da baliza de Verbruggen com uma chapada da bola a uma velocidade substancial. Até nisso as equipa se iam igualando já que Dumfries tinha cabeceado a bola à trave no decurso de um canto.

A postura que os dois conjuntos trouxeram do intervalo diminuiu a qualidade do jogo. Ronald Koeman retirou Depay e Malen e colocou Veerman e Weghorst ao mesmo tempo que concordou com o domínio inglês. Incapaz de continuar a criar oportunidades, a Inglaterra não foi invejosa e partilhou um pouco da posse de bola com o adversário.

O dinamismo do corredor direito da equipa vice-campeão da Europa em 2020 levou a uma triangulação entre Foden, Walker e Saka, com este último a marcar. A euforia perante a possibilidade de, aos 81’, o encontro se ter decidido ali, foi retraída pelo árbitro assistente que anulou o lance. Tratou-se da resposta ao desvio de Virgil van Dijk que colocou alguns problemas a Pickford.

Weghorst passou a disputar duelos intensos com os centrais ingleses. Guéhi teve que muitas vezes testar os limites da elasticidade da camisola para o travar. O mesmo tipo de intensidade devia ter tido Stefan de Vrij perante Ollie Watkins que fez o 2-1 já na compensação.

O jogador do Aston Villa recebeu dentro da grande área, rodou sobre Stefan de Vrij e rematou cruzado, completando a terceira reviravolta da seleção dos Três Leões na competição. E assim se consegue uma presença na final do Europeu – a segunda consecutiva – onde a Espanha está alapada desde que venceu a França na outra meia-final.

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