Crónica de Jogo

Vítor Bruno costurou um disfarce perfeito para Nico González e o FC Porto goleou o Gil Vicente graças à brincadeira

Vítor Bruno costurou um disfarce perfeito para Nico González e o FC Porto goleou o Gil Vicente graças à brincadeira
Diogo Cardoso

Não se sabe bem se é um médio ou um avançado. Sabe-se que Nico González ganhou uma nova vida com Vítor Bruno. O farol na área portista viu a forma de arrancar duas grandes penalidades e servir como referência ofensiva do FC Porto que goleou o Gil Vicente no Estádio do Dragão na estreia no campeonato (3-0)

O FC Porto, entre os crónicos candidatos ao título, é aquele que menos se pode habilitar a adormecer perante o trabalho que tem em mãos. Mas evitar a modorra significa ficar impedido de passar pelas brasas na mesma almofada que os cenários ideais. Este FC Porto parece ser de fiável (há muitos pontos de interrogação, é certo) e, numa altura em que todos os sonhos são possíveis, merece a confiança de também vislumbrar um onírico ambiente de festa quando o campeonato chegar à região antípoda daquela onde este se encontra agora.

Para já, estamos na primeira jornada e ainda há uma casa a ser arrumada. Vítor Bruno não era capaz de tirar os olhos do relvado. As vistas estavam coladas à trajetória da bola, sintoma de um vício de quem parece ser treinador principal há anos. O jogo ainda seguia naquela fase do reconhecimento, em que se passa uma sonda pelo adversário para se saber o que esconde. As amarras do olhar não lhe prendiam as mãos que aplaudiram a homenagem que, ao minuto três, recebeu Pepe. O Estádio do Dragão uniu-se para enaltecer a carreira do central internacional português que se retirou.

Diogo Cardoso

No relvado, Galeno parecia trazer um AirPod no ouvido. Não era mais do que uma proteção para revestir algo impercetível. Seria recomendado que prestasse atenção a tudo o que o rodeasse. É o instinto de sobrevivência que se manifesta quando se pisa território desconhecido e diga-se que jogar a lateral-esquerdo numa defesa a quatro não é bem ir ao fundo da rua e voltar, é fugir uns quantos quarteirões. Ao menos fez bom uso da liberdade.

Vítor Bruno bem que tinha comentado na conferência de imprensa que não é cá de usar quadros magnéticos para mimetizar o posicionamento dos jogadores com ímanes. Assim fosse e Galeno estaria descontextualizado. No entanto, o fluxo do jogo levava-o até a ultrapassar Iván Jaime pela pista de fora. Depois, arqueava bolas para uma área bem preenchida. Do lado direito, Martim Fernandes, dando o efeito contrário à bola, atirava o fio de nylon para a área na expectativa de que os avançados mordessem o anzol.

Só que do mesmo modo que Galeno é uma relativização do conceito de lateral-esquerdo, os avançados do FC Porto também são algo mais do que aquilo que a palavra tem capacidade para albergar. É que Nico González não é um avançado, mas é o melhor jogador de área quando Evanilson está no banco. O espanhol é alto e serve bem de farol. O seu jogo de cabeça seduz os serviços dos companheiros. Na lógica de saturação da área que o treinador azul e branco procura é uma opção válida.

O sinal de validação de que Nico González merece todo o acesso que se lhe for possível dar para aparecer como finalizador chegou aos 23 minutos com um desvio mal calculado. Mesmo que acabe por não rematar, o ex-Barcelona consegue demonstrar a capacidade combativa que por vezes lhe falta quando atua mais recuado. Bate, desgasta e impede os centrais de agirem em conformidade com o seu lema de protegerem a baliza a todo o custo. Foi o que aconteceu na disputa que teve com Jonathan Buatu, onde a mão do angolano e a bola escolheram o mesmo sítio para estar. Nasceu assim um penálti para Galeno converter.

Não se aponte o dedo a Nico González por este não ser generoso. É que, usando o disfarce que Vítor Bruno lhe costurou à medida, o médio voltou a enviar os colegas para a marca de grande penalidade. No caso, foi Danny Namaso que acabaria por apontar o 3-0. O movimento do espanhol foi obstruído por Andrew, o guarda-redes do Gil Vicente, que não contava com o aparecimento daquele intruso num espaço tão adiantado.

Era natural que o Gil Vicente não tivesse a proposta de jogo mais refinada, testada contra a força de gigantes, contra a fúria do vento ou contra animais selvagens e nota-se quando se saltam etapas na obtenção do selo de qualidade.

MIGUEL RIOPA

O campeonato ainda mal começou e já o futebol português fez das suas. Tozé Marreco era o treinador do Gil Vicente até às vésperas da estreia dos mandatários do galo de Barcelos na Primeira Liga. O técnico deixou o cargo. Terá os seus motivos, tal como terá a direção do clube para não lhe dar as condições que pretendia. Neste arrazoar, uma equipa ficou a levitar no vazio contra o vencedor da Supertaça. A versão correta da história viverá num regime de guarda partilhada, oscilando entre os participantes na trama. O traje de desleixo do caso ficará agarrado ao seu corpo como se fosse a pele com que surgiu.

Lá veio então Bruno Pinheiro, o sucessor já oficializado que, no Estádio do Dragão, encetou um bloco para colar à memória as notas que utilizará quando puder moldar as predefinições da equipa aos seus gostos. Para já, foi o interino Carlos Cunha que liderou os gilistas perto da borda do campo.

Uma nota desafinada soou como consequência de uma estratégia pouco ensaiada. Tentativa de saída de bola a partir do guarda-redes Andrew, perda de bola no corredor direito e espaço para o FC Porto verticalizar. Gonçalo Borges assistiu Iván Jaime com espaço vital dilatado para marcar.

O pouco que se viu no Gil Vicente aconteceu nos primeiros três minutos inaugurais da segunda parte mais por desnorte dos dragões do que por uma fabulosa execução da equipa de Barcelos. Maxime Dominguez rematou fraco e Rúben Fernandes não deu o seguimento que o passe de Fujimoto, picado para as costas da defesa, merecia.

O FC Porto começou o encontro a ser impositivo territorialmente e assim se manteve numa exibição dominadora, adjetivo que tanto se ouve da boca de Vítor Bruno, face a uma oposição débil. Sandro Cruz acabou por ser expulso no Gil Vicente e, neste cenário de descalabro, o treinador portista lançou André Franco, Vasco Sousa, Fran Navarro, Evanilson e Pepê. Marko Grujic, titular na Supertaça, acabou por não entrar.

Se há coisa que Vítor Bruno, refém da impossibilidade de contratar, tem feito é valorizar jogadores desacreditados. Não é fácil devolver a alegria a alguém, fazê-lo sentir-se importante e parte integrante de algo maior do que ele. Para já, não se tem dado mal. Dois jogos oficiais, um título e uma goleada na estreia no campeonato. Quase que é possível jurar que se sente uma corrente de ar puro no Dragão.

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