Pelo centro do campo e um Nico de cada vez, o FC Porto vai encontrando a felicidade
EDUARDO COSTA
A equipa de Vítor Bruno cedo criou vantagens e também cedo as aumentou. Sempre a ligar jogadas pelo miolo, com Alan Varela nos primeiros passes e Nico González a decidir o desfecho das jogadas, o FC Porto foi ganhar (0-2) ao Santa Clara no calor dos Açores. E mostrou uma clara intenção: a de construir coisas pelo centro, onde se farta de juntar os seus jogadores
O jogo sucumbira a uma fase em que embaratecia as posses de bola, parecia resumido a uma dança de tu perdes a bola e depois perco-a eu, quando, à torreira do sol de São Miguel, aconteceu o motivo para cordas vocais estremecerem mais do que sobreaqueciam devido ao calor a dar lume aos Açores: um passe na diagonal do Santa Clara, logo à procura das costas de Galeno, foi facilmente intercetado e essa sobra, no momento em que uma equipa mostra o usufruto que pretende dar às recuperações, entrou logo num jogador, num lugar e sob circunstâncias que evidenciou ao que o FC Porto ia.
Rodeado por pernas adversárias, o passe entrou em Nico González, o matulão porém nunca trapalhão, antes um corpo ágil, dado à leveza do toque em quem o novo projeto de equipa gosta de assentar.
De pronto, o espanhol virou-se no meio de um cerco. Esguio foi a evadir-se de um jogador para ter o segundo no qual tempo e espaço se fundem, tinha chance de dar seguimento ao esquivanço, mas não, preferiu aguentar, ter a paciência dos espertos que vivem a saber o timing das coisas. O médio só decidiu o que fazer à bola no segundo seguinte, atraídos já três adversários, saídos ao seu caminho e uma auto-estrada aberta nas costas deles pela sua astúcia e pela diagonal do compatriota Fran Navarro. A telepatia de ambos beneficiou outro espanhol, o passe saiu e o golo (16’) rematou-o Iván Jaime, a entrar na área pela direita. Era uma amostra clara de coordenações já vistas.
Perante um Santa Clara retraído a defender-se, com linhas compactas junto à sua área e cheia de paciência para esperar pelas recuperações em que tentava lançar as correrias de Gabriel Silva, notava-se, nos posicionamentos, uma clara intenção. A equipa do cândido e despido de preceitos Vítor Bruno, treinador sem rodriguinhos a explicar-se antes e depois do que se vê no relvado, pôs, desde cedo, os jogadores nas posições certas, ou a correr de e para os lugares certos, para tentar mexer com os adversários que se agrupam num bloco baixo.
Com os centrais, Otávio e Zé Pedro, sem pressão, só Alan Varela baixava para construir na base das jogadas e todos os restantes avançavam, punham-se por diante da linha da bola. A perícia Nico e o baixote, mas irrequieto, Vasco Sousa, estreante a titular no FC Porto, punham-se nas costas dos médios adversários, a espreitarem no seu lado cego, a postura corporal toda lá - braços esticados e mãos abertas para os pés, a pedirem a bola - de quem se dava e queria passes entre linhas. As superioridades numéricas apareciam por ali.
A eles juntava-se, aqui e ali, Danny Namaso, o avançado a partir da esquerda que muito ia ao centro para tocar na bola, também Iván Jaime, médio a fingir-se de atacante de ala do outro lado, e à frente de todos corria Fran Navarro, o real avançado das curtas diagonais constantes. O penálti onde Galeno foi buscar o segundo golo (25’) surgiu porque Navarro, numa dessas tropelias de movimento, recebeu um passe na área e o desnorteado Alysson o abalroou. De novo, houve Nico González a definir o último passe, ele de frente para o jogo e à beira da área para nortear onde a jogada se conclui.
O FC Porto não encontrava muitas vezes espaços à largura que deixava para Galeno, mascarado a lateral esquerdo para a ocasião, e Martim Fernandes, mas, pelo centro, com combinações curtas entre jogadores a saberem mover-se por locais onde suscitava a dúvida nos adversários, criava vantagens para os seus. Não sem um par de arrepios. Em dois momentos em que a reação à perda demorou a espevitar, o Santa Clara saiu disparado em contra-ataque, numa delas um cruzamento de Gabriel Silva causou o pânico porque o desvio foi salvo por um punho cerrado de Diogo Costa em cima da linha, na outra, as mãos abertas do guarda-redes largaram a bola na área. O resgate aí veio de Galeno.
Na soleira Ponta Delgada, o calor não auxiliou o ritmo do jogo que decairia com o avançar da tarde, o jogo quando regressou do balneário foi para um mesmo ralenti de perdas de bola constantes, uns quase 15 minutos assim mas de FC Porto a pressionar o Santa Clara com mais afinco. Namaso e Navarro os primeiros mordiscadores de calcanhares, muito ativos na primeira pressão dos dragões que empurrava os centrais adversários para apuros.
Na generosa selva de bolas divididas, a impotência dos açorianos agravou-se no descuido de Adriano Firmino, imprudente a plantar a sola da chuteira na canela de Alan Varela. Ouviu-se a voz do árbitro no sistema sonoro do estádio a emendar a cor do cartão para a que pinta a camisola do Santa Clara. A capacidade de os anfitriões reagirem ficou no vermelho com a expulsão (64’), a do FC Porto em dar um pisão rotundo no jogo aumentou. E com ela a sua apetência para criar perigo pelo miolo do campo, onde agrupava os seus.
Mais do que a vontade, essa aptidão estimulada e treinada notou-se claramente quando Vítor Bruno começou com as mudanças. Saiu o nuclear Nico e os seus pés decisivos nos golos, além de Vasco Sousa, para Eustáquio e André Franco mostrarem igual intenção em aproximarem-se, ao centro, do raio de ação dos passes de Alan Varela, sempre ele a construir. Havendo receções nas costas dos médios adversários, o FC Porto continuava a ligar a jogada pelo centro. Eustáquio chegou a um remate assim, Gonçalo Borges teve o seu mesmo à entrada da área.
Foi bem visível a intenção de ferir por ali o Santa Clara, incapaz, até ao fim, de esticar a corda à equipa no ataque. Apenas Frederico Venâncio teve um remate, na área, após uma barafunda na ressaca de uma bola parada. Quis o FC Porto, e parece querer esta época, aproveitar a valia dos que tem - e vão por certo ficar - pelo coração do campo enquanto o suposto recheio central da equipa é desguarnecido. Já se foi Evanílson, pode seguir-se Francisco Conceição, Pepê, por enquanto, apenas desempenha um papel começando no banco de suplentes, sobra Galeno, o único a conservar o seu relevo na equipa.
Nesta versão dos dragões de Vítor Bruno há, ainda, a incessante reação à perda de bola do antigamente, o treinador quer todos ligados à corrente, a intenção coletiva de pressionar alto nota-se. Mas, se há comunhão descortinável sem necessidade de aplicar óculos, é a de o FC Porto, en passant com a contenção e a reconstrução a que os saldos das suas contas obrigam, vai estabelecendo a sua preferência pelo jogo interior. Por aproveitar o que tem pelo centro do campo e ali juntar os seus, sejam eles quais forem quando o 31 de agosto for dormir.