Pote, Trincão e Bragança por mares de pernas nunca antes navegados
GREGÓRIO CUNHA
O Sporting teve dificuldades à entrada frente ao Nacional mas o génio de Pote desbloqueou um resultado que, numa segunda parte diabólica dos leões, chegaria aos 6-1. Trincão e Gyökeres bisaram, mas parece ser sempre dos pés de Pedro Gonçalves que saem as melhores decisões, os lances decisivos, a ligação da equipa
A Choupana é um lugar marcante no Sporting de Rúben Amorim. Talvez não futebolisticamente falando, mas no reforço das mensagens do “onde vão um vão todos” ou “jogo a jogo” que tanto ajudaram a forjar o título leonino de 2020/21. Na última vez que aqui havia atuado, em janeiro de 2021, houve mau tempo, voos desviados, um jogo adiado. Quando finalmente as equipas entraram em campo, a lama convivia com a relva, numa guerra pela proeminência - a lama ganhou.
O Sporting entrou em campo sabendo que aquele jogo era para ganhar na atitude e na luta e não na superioridade do seu futebol, porque não havia terreno decente para o praticar, para mais aquele jogo do Sporting. Entrou em campo totalmente de branco, um branco que se tornou castanho. A escolha de indumentária não pareceu, de todo, por acaso. Os leões ganharam, numa altura de pressão, uma daquelas vitórias que valem por dois, tal o kick mental que deu à equipa.
O jogo deste sábado não podia ter acontecido em condições mais distintas. Há um terrível incêndio a lavrar ali perto, que tem dominado as notícias. O sol é forte e obriga a paragem para hidratação. Mas não difere, talvez, a sensação que esta equipa do Sporting deixa: forte emocionalmente, preparada para lidar com a adversidade. E com gente já em excelente forma. A vitória por 6-1 foi também muito cavada pela capacidade técnica que Amorim tem à disposição no plantel. Pote, Trincão, Quenda, Bragança, todos eles brilharam no relvado algo ferido da Choupana - se não é a água em abundância é a aparente falta dela - e o avolumar do resultado aconteceu naturalmente, depois de alguns sustos na 1.ª parte.
Porque o Nacional até começou melhor, nos primeiros minutos o Sporting nem cheirou a bola, com Luís Esteves e Butzke a criarem perigo. Os leões somavam erros na construção, não conseguiam manter a bola, não acertavam a pressão a meio-campo e só no final dos primeiros 10 minutos conseguiram alguma tranquilidade, impondo então o seu ataque apoiado perante linhas defensivas do Nacional que iam recuando e recuando.
HOMEM DE GOUVEIA
A equipa da casa fechava bem a baliza, organizava-se muito decentemente atrás. O Sporting não tinha oportunidades e jogava o jogo da paciência. Até que Pote se fartou de esperar e assumiu sozinho, num dos vários grandes momentos individuais do Sporting, daqueles que só acontecem quando o coletivo é sólido. O ex-Famalicão pegou na bola, driblou no espaço curto uma série de adversários e rematou já em queda, cruzado, sem hipóteses para Lucas França. Uma beleza.
Ao golo do Sporting seguiu-se a reação nacionalista, voltando ao registo do início da partida, em que ia criando muitas dificuldades aos leões em ataques rápidos. À meia-hora de jogo, só um corte baresiano de Quaresma impediu a finalização de Appiah e os cantos que se seguiram foram um ai-jesus na área leonina, com Vladan Kovacevic bem a salvar o Sporting num remate à queima de Zé Vítor. Minutos depois foi Butzke a ficar perto do golo, com Kovacevic novamente atento. E depois de Gyökeres rematar à figura lançado por Pote, Nigel Thomas empatou o jogo, após abertura fabulosa de Matheus Dias, a aproveitar a cratera que se abriu entre Diomande e Geny para isolar o avançado.
Faltavam poucos minutos para o intervalo e o Sporting não abriu espaço ao queixume. A resposta foi imediata e aos 41’, após boa combinação com Pote - mais um jogo completíssimo de Pedro Gonçalves - Trincão meteu um bom remate cruzado a partir da esquerda, mesmo na cara do seu marcador direto.
GREGÓRIO CUNHA
O 2-1 daria o mote para o que seria o segundo tempo em que, à parte de um par de lances mesmo após o regresso dos balneários, o Nacional desapareceu ofensivamente e quebrou fisicamente atrás. O 3-1 do Sporting surgiu num penálti marcado por Gyökeres mas sacado pela magia nos pés de Quenda, que por vezes só é possível de travar com falta. E depois os golos foram surgindo em catadupa: Trincão bisou depois de Matheus Dias oferecer a bola a Geny num lance que tinha como controlado e aos 66’ Daniel Bragança imitou o que Pote havia feito na 1.ª parte, navegando entre o mar de pernas dos jogadores do Nacional plantados na área, driblando quem se lhe apareceu à frente para mais um belo golo do Sporting.
O 6-1 foi mais uma vitória de Rúben Amorim: lançou Debast, ainda queimado pela exibição na Supertaça, e o belga retribuiu com um passe longo para a correria de Gyökeres, que imprimiu toda a potência e colocação num remate que foi entrar no cantinho, entre o guarda-redes e o primeiro poste.
Os números falam por si, mas a vitória do Sporting até podia ter sido mais dilatada e conta a história de uma equipa adulta, que está a reagir com imponência ao desaire atípico da Supertaça. Na Madeira, perante a reação da equipa da casa, houve uma contra-resposta avassaladora, perante a decisão do adversário se fechar, houve gente com capacidade de ir em busca do golo com lances individuais. E tudo teve ainda mais expressão na 2.ª parte, em que o campeão nacional terminou com qualquer reserva física do Nacional, vindo então ainda mais ao de cima a qualidade técnica do plantel.