Crónica de Jogo

Em Barcelos, o maior galo veio de Itália e o Benfica pôs-se a cantar ao lado do Sporting na liderança do campeonato

Em Barcelos, o maior galo veio de Itália e o Benfica pôs-se a cantar ao lado do Sporting na liderança do campeonato
JOSÉ COELHO

Em jogo em atraso da jornada 24, o Benfica venceu o Gil Vicente (0-3), igualando o Sporting no topo da classificação. Uma primeira parte entusiasmante alimentou com sobras os momentos de menor ritmo da segunda. Di María voltou à competição, como suplente utilizado, a tempo de marcar

Tendo a evolução da anatomia humana bloqueado o desenvolvimento de cristas à superfície da moleira, Belotti usou a liberdade que lhe é concedida para adereçar a cabeça com uma. A mimetização feita com a mão ocorreu no suspiro do segundo golo da vitória do Benfica contra o Gil Vicente (0-3). Confiamos que no pouco tempo que leva em Portugal o italiano ainda não sabe que fazer o seu habitual festejo em Barcelos pode ser visto como um caso de apropriação cultural.

De qualquer modo, quem se fez dono dos três pontos foi o Benfica. E não foram três pontos quaisquer. O encontro da jornada 24 da Primeira Liga estava em pousio, causando aos encarnados um conflito entre o mundo virtual e a esplanada dos terráqueos. Reposto o jogo em atraso, a liderança do campeonato passou a ser repartida entre Benfica e Sporting, ambos com 62 pontos. Além disso, em termos exibicionais, Bruno Lage talvez tenha a equipa no zénite da temporada.

O efeito pinball dos passes do Benfica era extenuante. A rapidez de circulação decorria nas zonas de vácuo criadas pelo manequim tático bastante explanado. Nas duas margens do fluxo, Tomás Araújo e Álvaro Carreras viviam ambos do progressismo, encurralando o Gil Vicente. Florentino era a conexão entre ambos os polos, invertendo o sentido do jogo como a carta do Uno.

Na velocidade com que a equipa de Bruno Lage contornava o bloco defensivo dos gilistas estava plasmada a reduzida intenção de espetar a bola no antro do adversário. A prioridade era o jogo exterior, o que levava Aursnes, Bruma, Amdouni e Belotti a serem espremidos para um corredor central saturado. A proximidade dos vários átomos nas redondezas da área facilitou o amortecimento que Belotti, após cruzamento de Tomás Araújo, fez para a impetuosidade do remate de Aursnes. A tentativa embateu na barriga de Andrew.

JOSÉ COELHO

O norueguês viria mesmo a dar um verdadeiro murro no estômago ao longilíneo guarda-redes e a toda a equipa do Gil Vicente. A invulgar maleabilidade tática e cadência de jogo ofensivo do Benfica consagrava-se numa interpretação conjunta do guião. Com a timorata contra-ofensiva dos minhotos, foi preciso demonstrar competências noutras áreas. Quando Álvaro Carreras passou a construir mais à retaguarda, Bruma deslocou-se instintivamente até à esquerda para acelerar no flanco à guarda de Zé Carlos e de lá fazer o cruzamento atrasado com que Aursnes deu sentido à caprichosa exibição do Benfica.

Mohamed Bamba ia-se apresentando como uma opção de saída credível para a ousada posse em zona recuada do Gil Vicente. A realizar o quarto jogo em Portugal, quase tantos como aqueles em que César Peixoto orientou a equipa de Barcelos (três), o médio de 20 anos conseguia cheirar a pressão antes desta chegar e livrar-se dela. Faltava-lhe o devido acompanhamento.

Figura perene na defesa do Benfica, Otamendi manteve-se inexpugnável em mais 90 minutos de futebol que se sucederam àqueles que praticou até perto das duas da manhã de quarta-feira em Buenos Aires. Estava o argentino alheado do lance quando o Gil Vicente largou um balão na área. O motivo que fez Pablo Felipe não ser totalmente convicto no cabeceamento foi o mesmo que fez António Silva e Tomás Araújo passaram por displicentes. A pouca tensão com que a bola chegou devia tornar previsível o local onde os defesas a tinham que aliviar.

Eurasia Sport Images

A segunda parte foi vagarosa. Não mais Amdouni e Bruma foram vistos a rematar em incursões interiores, mérito do Gil Vicente que interrompeu o ritmo dos adversários com um maior número de visitas ao meio-campo ofensivo. Foi a bola parada que fez a vantagem aumentar. Orkun Kökçü, sempre rigoroso na execução, deu início ao lance trabalhado que a bravura de Belotti concluiu. As entradas de Di María, Vangelis Pavlidis e Kerem Aktürkoğlu demonstraram que o Benfica, se quisesse muito, poderia ter feito maior mossa. Não é que o resultado (0-3) tenha sido escasso. A prova de que Di María não ganhou ferrugem no mês e meio de ausência por lesão foi a energia que acrescentou, algo que levou à conquista de um penálti cometido por Josué.

Entende-se que, depois do 0-1, o Benfica tenha esperado que a corrente de ar trouxesse mais golos diante de uma equipa com um empate e oito derrotas nos últimos nove jogos. Os pontos estão caros nesta fase do campeonato e há que ser astuto na obtenção dos mesmos. Se, no passado, muitas vezes os encarnados assumiram a faceta calculista antes de demonstrarem capacidade, desta vez, cozinharam rendimento nos primeiros 45 minutos que sobrou para alimentar até os momentos de maior apatia.

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