De tanto travar, o Sporting tropeçou nos próprios pés
FILIPE AMORIM
Apenas pela quarta vez esta temporada, o Sporting não acaba uma jornada da I Liga na frente da tabela. Porque pela enésima vez não controlou um jogo depois de marcar. O empate (1-1) frente ao SC Braga pode significar uma viragem no campeonato, porque foi-se a vantagem pontual e há muito que já se ia evaporando a vantagem emocional. O Benfica é o novo líder da I Liga, a seis jornadas do fim
Um campeonato jogado a 34 rondas dificilmente se define num fim de semana. A história da I Liga 2024/25 contar-se-á em mil e uma tiras de banda desenhada, cheias de onomatopeias e balões com letras gigantes, tal a quantidade de idiossincrasias e peculiaridades que aconteceram desde agosto, esse agosto que, imagine-se, começou com o FC Porto a ganhar a Supertaça.
Mas estes últimos dois dias poderão muito bem ser um bullet point na crónica de uma liga inusitadíssima.
Porque são dias, ou melhor, as 24 horas, em que o Benfica de Lage, o mesmo Lage que ainda há poucos meses enfrentava adeptos em garagens esconsas, foi ao Dragão ganhar por 4-1. Horas depois, já com o final do campeonato a ver-se no céu limpo do horizonte, o Sporting perde um lugar quase cativo ao longo de toda a temporada. O Benfica é líder a seis jornadas do fim. O Sporting pode estar a caminho de uma desintegração particularmente dolorosa - em 28 jornadas, os leões só não lideraram três delas e à ronda 19, já pós-Amorim e pós-experiência científica João Pereira, tinham 6 pontos de vantagem para o Benfica.
Ainda há muito campeonato - e dérbi na penúltima jornada - mas já se sabe que no futebol é impossível não olhar para o chamado momentum. A energia do momento atual. E a do Sporting depende inteiramente de Gyökeres. Quando o sueco está menos em jogo ou com o discernimento mais turvado, como aconteceu esta segunda-feira frente ao SC Braga, o que se vê no Sporting de Rui Borges é passividade. Medo de arriscar, de tomar para si o jogo.
FILIPE AMORIM
É o jogo da expectativa e, de tanto travar, o Sporting tropeçou nos próprios pés. Daqui a algumas semanas, se tudo o que poderia correr mal para o Sporting correr, de facto, mal, falar-se-á do golo nos últimos três minutos de jogo de Afonso Patrão, 18 anos e deixado livre na área por Diomande e Eduardo Quaresma, como quem pisca o olho e perde uma criança no parque infantil. Mas é preciso também falar dos golos sofridos já à 23.ª hora do jogo frente ao FC Porto ou Aves SAD, que penalizaram o medo e a manifesta falta de ambição, inesperada esta segunda-feira até face à entrada forte da equipa, aparentemente não acometida de uma pressão carregada pelo resultado do clássico: 15 minutos iniciais de grande intensidade valeram um golo anulado a Gyökeres por três centímetros e um golo que, este sim válido, com o sueco a aproveitar uma barreira mal construída por Hornicek para rematar rasteiro e a contar, desbloqueando mais uma forma de marcar golos, como se o futebol para Gyökeres fosse uma espécie de video-jogo cheio de cheat codes - saudades FIFA 98.
É possível que Hornicek não tenha grande jeito para engenharia civil, mas tem para colocar cimento entre os postes da sua baliza. A exibição do checo, um muro quase intransponível, foi seguramente importante para o empate que o SC Braga acabaria por conseguir roubar em Alvalade - tirou golos cantados a Gyökeres, Quenda e Maxi -, mas o demérito deste Sporting não é novo e não é de hoje, confiando em demasia naquilo que o jogo já deu, nas vantagens já conseguidas, sempre no passado e nunca no futuro. A entrada de Harder já a abeirar os descontos, para desesperadamente tentar uma vitória, é disso um sinal paradigmático. A falta de sentido coletivo em Trincão - desaparecido na 1.ª parte, tentando ser herói em solitário na 2.ª - ou em Gyökeres talvez seja um sintoma disso mesmo: o jogo de equipa do Sporting foi-se embora no mesmo jato privado que levou Ruben Amorim para Manchester.
Gualter Fatia
Umas vezes chegará ter Gyökeres em modo besta, cavalgando relvado acima, outras não. Tal como não chega ter Hjulmand e Debast a meio-campo, porque o belga deixa o Sporting nervoso, incapaz de ter bola. Catamo é vertigem e não calma, como é Pote, há tanto tempo no estaleiro. Hoje, o Sporting é uma equipa unidimensional, tão diferente do acervo de soluções do início da época quando o bicampeonato parecia apenas uma questão de quando.
Os problemas do Sporting são também, claro está, os problemas de enfermaria. Como já se disse neste texto, a história deste campeonato pode escrever-se em quilómetros de papiro, com muitas exclamações pelo caminho, mas a lembrança mais viva para os adeptos e para o clube esta temporada, será a de formulação mais simples, sem idas ao boletim clínico: que o Sporting poderá estar prestes a ser protagonista da campanha mais mal desaproveitada de que há memória, por inevitabilidades do destino, certo, um destino red e inglês, mas depois disso por erros muito próprios, tropeçando em si próprio, nos seus inexplicáveis medos e na sua pouca vontade em se tranquilizar. Os campeonatos não são para receosos.