Crónica de Jogo

Houve mira de Trincão, houve ballet grego, não houve campeão

Houve mira de Trincão, houve ballet grego, não houve campeão
Gualter Fatia

Num campeonato tão equilibrado, com duas equipas tão perto uma da outra, não havia outra forma: o empate 1-1 no dérbi entre Benfica e Sporting deixa tudo para decidir na última jornada, com os leões em vantagem no confronto direto. Os leões marcaram primeiro, numa jogada à Sporting, o Benfica teve mais bola mas só os pés de Pavlidis souberam o que fazer com ela. E por isso os festejos ficam adiados

O futebol dá-se muito ao efeito Mandela. Leia-se, a coletivamente acreditar em algo que, na verdade não aconteceu. Como aquela velha máxima (mas velha porquê?) que a equipa que está pior geralmente ganha um jogo grande. Terá acontecido um par de vezes na história da humanidade - por cá culpamos Liedson - e alguém resolveu colocar na pedra. Diga-se que, neste dérbi, nem havia razão para tal voltar a acontecer, tal é o equilíbrio entre as duas equipa, seja em pontos ou no momento, em todo o campeonato em si.

O que tende a não ser mentira nestes jogos grandes é que raramente são bem jogados. São quase sempre duelos competitivos, intensos, emotivos, de tal forma sofridos que é difícil haver clarividência para a bola cantar rolando no relvado.

TIAGO PETINGA

Este Benfica-Sporting, seguramente o jogo do ano, talvez até um dos jogos do século, não foi exceção. Adiem-se portanto as piadas com o nome do novo Papa, ou os gritos por um campeão que volta. Com o 1-1 no marcador, fica tudo para definir numa última jornada não menos nervosa: o Sporting, em vantagem pelo confronto direto, recebe o Vitória e o Benfica viaja até casa de um SC Braga ainda a acalentar o 3.º lugar. Vai ser, seguramente, até ao fim, num campeonato que se foi nivelando, nem sempre por cima, mas com as linhas de desempenho de Sporting e Benfica a grudarem-se, num abraço que só será desfeito no derradeiro jogo. Só em 1954/55 houve troca de líder na última jornada.

Tudo tão igual está que ninguém estranhará o empate que saiu da Luz. O Sporting marcou talvez na única vez que a sua jogada tipo funcionou na perfeição. O Benfica respondeu com uma tremenda jogada individual do seu jogador em melhor forma, assumindo o jogo na 2.ª parte por ter, também, mais armas para o fazer. O esforço coletivo embateu também numa defesa do Sporting muito serena na 1.ª parte, e competitiva na 2.ª, quando o assunto já só era lutar. A bola no poste de Pavlidis foi o fiel da balança que o ferro não quis que caísse para um dos lados.

Eurasia Sport Images

Seria sempre certo que um golo nos primeiros minutos definiria muito do jogo. O Sporting marcou cedo, aos 4’, num lance de bê-a-bá do livro de estilo do leão, que já deveria há muito estar na cabeça dos jogadores do Benfica: Pote lançou Gyökeres e o tanque sueco atraiu a si três jogadores do Sporting, deixando Trincão com espaço para receber o passe do avançado. O remate, com a parte interior do pé, saiu bem junto ao segundo poste, colocado, rasteiro. O Sporting era, então, virtual campeão nacional.

Mas entre as virtualidades e o bem palpável da realidade havia largos minutos. A reação do Benfica não foi bafejada logo logo pelo pragmatismo. A bola seguia demasiado, como que magnetizada, para os pés de Angel Di María. O argentino, especialista em finais - e este jogo era praticamente uma final -, rematou com algum perigo um par de vezes e é dele a incursão pela direita aos 20’ que se transformou no primeiro lance do Benfica na área. Mas, em geral, o Benfica abdicava do coletivo sempre que Di María conduzia o ricochete.

O Sporting, por sua vez, levava o jogo para o campo da fealdade plástica. Na dúvida, procure-se Gyökeres. Não estando na dúvida, controle-se o meio-campo. O Sporting conseguiu-o na 1.ª parte, com Debast e Hjulmand a anular Kökçü e Florentino. O jogo demasiado lateralizado de Ausnes também permitia esta vantagem territorial. Aos 28’, uma sapatada de Rui Silva aos pés de Aktürkoğlu salvou o que seria a grande oportunidade do Benfica na 1.ª parte, mas o turco parecia adiantado.

RODRIGO ANTUNES

Com os centrais do Benfica aparentemente confortáveis e Maxi Araújo a vencer o duelo pessoal com Di María, o último carregamento do Benfica antes do intervalo assustou mais do que produziu. Mas parecia certo que a equipa de Rui Borges não aguentaria fisicamente mais 45 minutos assim.

E não aguentou. A saída de Di María ao intervalo, aparentemente por problemas físicos, e a entrada de Schjelderup estenderam a procura do golo por parte do Benfica a mais intervenientes. Pavlidis, numa forma soberba, foi um deles. O lance do empate, aos 63’, numa fase em que o Sporting praticamente já só tentava em transições e Trincão e Pote já sofriam fisicamente, é digno dos melhores bailados do Bolshoi. Não sei como estamos de ballet na Grécia, mas que se ponha os olhos nos deslizantes pés do avançado helénico, que deitou Diomande e Quaresma ao chão, antes de ultrapassar Hjulmand e Morita. A bola tocada para a pequena área pedia apenas um simples sopro e Aktürkoğlu, ainda com a ajuda de Maxi, estava lá para o dar.

Pavlidis que esteve a meros centímetros de se tornar o figura deste campeonato (na verdade, ainda vai a tempo), quando minutos depois rematou ao poste após uma arrancada pela direita de Belotti, que parece ter encontrado em Portugal o ânimo que já lhe faltava em Itália. Podia ter sido o lance definidor deste campeonato (na verdade, ainda vai a tempo).

Eurasia Sport Images

O nervosismo que só engordou até final tornou o jogo, então, numa espécie de batalha sem mortos ou feridos. O Sporting muito pachorrento nas transições - e espaço não faltou - fosse por falta de inspiração ou défice físico. Morita não entrou bem, Quenda deu menos do que se esperava ao jogo. Gyökeres, decisivo no golo dos leões, passou a estar muito sozinho, mesmo quando Rui Borges lançou Harder. E o Benfica, com mais opções, outras armas no banco, tão-pouco teve a clarividência para assentar a bola no chão.

Entre o deve e o haver, talvez a história deste campeonato estivesse escrita. Escrita para ter um final e um epílogo até aos derradeiros momentos. Esta semana houve de tudo, menos campeão. Na próxima, em estádios e cidades diferentes, a última frase será revelada.

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