O confronto de estilos voltou a ditar que o de Espanha continua a não ser alcançável por um Portugal de cristal
Daniela Porcelli
A estreia de Portugal no Europeu confirmou que a seleção nacional não vive o melhor momento. As Navegadoras perderam contra a Espanha (5-0) na primeira jornada do grupo B. No Estádio Wankdorf, em Berna, já estavam em desvantagem aos dois minutos, mas o fervoroso apoio dos adeptos na bancada durou todo um encontro que se arrastou frente às campeãs do mundo
As catástrofes podem já estar a ser vividas ainda antes da devastação que provocam. Não é a mesma coisa estar a perder 2-0 aos 90 minutos, resultado relativamente comum nas histórias contadas nos quadradinhos verdes, ou estar afundado nessa diferença logo aos 420 segundos (digamos assim para parecer que passou mais tempo do que na realidade).
Assim que Vicky López, um tubo de ensaio cheio de prematura classe, foi de carrinho atropelar a bola, Portugal percebeu que também podia sair com uma amolgadela valente. As Navegadoras reuniram a tripulação no centro do campo. Num círculo apertado e com os braços nos ombros umas das outras o que ali foi dito nunca poderá ser revelado por um especialista em leitura labial tamanha a densidade da fortificação.
As conclusões retiradas do congresso em que só Inês Pereira não participou por estar a ser assistida devido a uma alegada lesão apenas serviram para que o ímpeto espanhol só voltasse a agredir 36 minutos depois quando a síncope competitiva portuguesa foi incapaz de encontrar a tampa para que o caldo não se entornasse (5-0).
O determinismo, por vezes, tropeça nos próprios pés quando é desarmado pela falta de respostas que os teóricos que o fundaram esperavam que fosse capaz de dar. Mesmo que Portugal carregasse às costas um gigante ponto de interrogação face à incógnita sobre se seria uma equipa com a competitividade que a história merece que lhe seja atribuída, prevaleceu o delicado momento de uma equipa de cristal que o passado recente estilhaçou em goleadas contra Espanha (7-1) ou Inglaterra (6-0) na Liga das Nações.
A verdade é que um Euro é um tiro preciso no calendário, uma janela curta, uma oportunidade única, a hora h, o momento alto de um processo que se deseja ter atingido o zénite. Não era de todo certo que as Navegadoras estivessem em tal auge na primeira jornada do grupo B do terceiro Euro consecutivo em que participa (2017, 2022 e 2025).
O que devia ser mais um dia de celebração do futebol feminino nacional foi de luto. Diogo Jota está em modo de voo para o céu. Quando se instalar num bom lugar e abrir a janela ouvirá no silêncio - com que o condoído mundo o homenageou - o som dos passáros que harmonizará a estadia. No Estádio Wankdorf, não foi esquecido. Quem tinha uma camisola do Liverpool desengavetou-a. Quem não se vestiu de vermelho, trouxe cartazes onde também coube o amor por um craque.
Fran Santiago - UEFA
A seleção até parecia vir com uma atitude capciosa que meros dois minutos de jogo desfizeram. A noção de espaço de Esther González fê-la perceber onde estava a baliza mesmo depois da abordagem nada natural ao cruzamento de Olga Carmona. Foi fugaz a crença de Francisco Neto num sistema tático com três centrais, Fátima Pinto, Carole Costa e Diana Gomes.
Em pé de igualdade, Portugal e Espanha não contaram com as suas maiores estrelas no onze. Kika Nazareth e Aitana Bonmatí sentaram-se no banco. No caso de La Roja, Montse Tomé também se viu impedida de recorrer a Irene Paredes, castigada, e Cata Coll, que foi rendida por Adriana Nanclares.
O cromo colado por cima do lugar que supostamente pertenceria a Aitana foi de Vicky López que, com 18 anos, a inércia das tranças e o futebol subtil a fizeram parecer estar em campo sublinhada por um marcador fluorescente. Foi desta adolescente o segundo golo que nasceu de uma floreada jogada que Montse Tomé não gostou. A selecionadora espanhola esbracejou e queria que Ona Batlle rematasse quando esta abriu em Mariona, dona da assistência. Numa equipa em que a maioria das jogadoras tem repulsa em atuar nos flancos, tinha que ser um canivete suíço como é a jogadora do Arsenal a sacrificar-se.
Alguém deveria verificar os documentos de nascimento das espanholas para saber se não aparecem registos de x quilos, y centímetros e uma bola nos pés. Pelo contrário, Portugal não a conseguia ter, de todo, e o momento de recuperação acabava sempre com uma devolução da posse.
Era normal que, a partir do banco, Francisco Neto gritasse “NO PÉ”, pois Jéssica Silva, a principal referência para saídas longas, estava cercada por uma Laia Aleixandri e uma María Méndez imperiais. Diana Silva servia para situações de apoio. A colocação de Beatriz Fonseca à direita foi o manifestar de uma intenção ofensiva que nunca se concretizou. Ao intervalo, o técnico lançou Ana Borges, enviando a nova jogadora do Benfica para o campo com ordens para um mais adiantamento na pressão.
Eurasia Sport Images
Perto do final da primeira parte, Portugal voltou a passar por dois minutos de terror. Alexia Putellas, possivelmente a cara do futebol feminino mundial, deitou Diana Gomes e aproveitou nova modorra defensiva para marcar. Inês Pereira não conseguiu ser solução para tudo. Não a julgamos até porque a seleção até nas questões da sorte e do azar saiu desfavorecida. Aquele cruzamento de Clàudia Pina tinha tudo para ir parar a lugar incerto, mas acabou por bater na barra e ser assistência perfeita para Esther González.
O pugnaz salto que Telma Encarnação deu no banco de suplentes para pedir grande penalidade sobre Fátima Pinto. Seria uma boa maneira de Portugal ficar a ganhar no parcial da segunda parte onde estava a conseguir não voltar a sofrer mesmo que a Espanha tivesse acelerado com a entrada de Aitana. Só que em cima do apito, a ponta de lança do Benfica, Cristina Martín-Prieto foi lá onde só ela chega cabecear para dentro da baliza.
Das 29.520 almas no Estádio Wankdorf, as mais acesas foram as portuguesas. Foi impagável sentir o entusiasmo sempre que uma jogadora portuguesa passava o meio-campo com espaço para correr. Portugal pode não ganhar a taça no final, mas com estes adeptos ganhará o coração do Euro. Contra a Itália e a Bélgica, onde terão outras responsabilidades, as Navegadoras têm a oportunidade de recompensar quem vibrou por elas.