Sem mandar, nem controlar, o PSG saiu vivo de um jogo de entretenimento puro
Steph Chambers - FIFA
Houve 25 remates, 12 nas balizas, num encontro em que o Paris Saint-Germain acabou com nove jogadores e a marcar um golo quando já se via nessa inferioridade. Nunca os franceses foram declaradamente superiores ao Bayern, nem conseguiram ser os donos da bola como costumam, mas venceram (2-0) os alemães num duelo de contra-golpes e estão nas meias-finais do Mundial de Clubes
A bola pertence a ninguém, apesar de esta época, a que ainda é presente e se recusa a ser passado por insistência do Mundial de Clubes, muito ter se ter amigado do Paris Saint-Germain. Quem reinou na Liga dos Campeões e manietado é, em campo, por Vitinha, sinonimizou-se com ela pela forma como joga, também por ter o domador-fetiche da bola que comanda a equipa com base nela e vulgarizou-se esperar que sejam os franceses, como tal, a gozaram mais tempo na sua companhia. Isto se quisermos acreditar na fábula - e o Bayern de Munique não quis.
A renúncia aconteceu em Atlanta, onde a mescla alemã de pressão a todo o campo, coesão a fechar espaços ao centro e intrepidez a atacar com vertigem amestraram o campeão europeu. Estes quartos de final não seriam para alguém dominar, antes para duas partes de contra-golpearem. Houve controlo, domínio inicial até, do Bayern, que domesticou qualquer intento do PSG em jogar. Restava-lhe reagir. Kvaratskhelia deu o primeiro raio de insurreição ao rematar, já sem ângulo, uma bola rasteira vinda de Hakimi. Não demorou até Fabián Ruiz dar seguimento, à entrada da área, com um remate em que pôs jeito a mais rumo à bancada, mas sem esmorecer uma prova: o PSG só reagia se rapidamente, em transições velozes.
Era pela escapatória de Barcola que descobria espaço para lançar o georgiano de nome copy+paste. O Bayern roubara um hábito aos franceses e mostrou que essa imposição não era passageira. Durou a sua muralha combinada com agressividade q.b. dos alemães no miolo do campo, a cerrarem caminhos aos médios do PSG e a cercarem, com afinco omnipresente, o dono da bola para este não lhe tocar. Vitinha esteve 45 minutos a correr mais do que a jogar, dando um passe e depois sprintando para tentar voltar a receber um passe, um médio de posse forçado a ser irrequieto. João Neves e Ruiz nada desatavam. A apertar o colete de forças que os limitava, Pavlovic trabalhava para Kimmich se limitar a facilitar as jogadas. Esta não era uma partida para médios.
Steph Chambers - FIFA
A troca de golpes vinha dos homens de extremos, as setas de ambos os lados. Com os seus pés de caxemira, Michael Olise era uma balbúrdia de preocupações para Nuno Mendes, de quando em vez ultrapassava o lateral com fama de intransponível, numa delas para rematar com estrondo. Gigi Donnarumma estirou-se para negar o francês, antes já Manuel Neuer tapou o sol a Kvaratskhelia, saindo da baliza para se agigantar e forçar um remate com o bico da chuteira. Tão animado de oportunidades, entretido com a troca de golpes estava, que este jogo também haveria de ser dos guarda-redes.
Harry Kane teve uma tentativa para lá da barra da baliza onde a bola chegou a entrar, proveniente da cabeça de Upamecano e de um livre cruzado para a área. O golo foi anulado por fora de jogo, não seria um lance banal a mexer no placard antes de as baldrocas de Coman e os ziguezagues de Barcola, ou o serpentear de ‘Kvara’ e o vou-por-este-lado- ou-talvez-pelo-outro de Olise. Por infelicidade horrível de se ver, tão-pouco seria a técnica de plasticina de Jamal Musiala: já nos descontos, um choque com Donnarumma entortou o tornozelo ao alemão, provocando uma lesão das graves.
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Impressionou a segunda parte não mexer no marcador, porque a ação manteve o seu guião pistoleiro, de filme de ação. Pela pradaria de um western correu Barcelona para Neuer ver a léguas o seu pé a ir ao coldre sacar a pistola para um remate em jeito, ao poste distante. Olise iria depois da direita para dentro seguir o movimento de um remate algo tímido, Coman teve a sua correria para rematar já sem gás, o Bayern de novo matulão com o título Alemanha, mas frouxo a fazer peito na Champions, mantinha o seu aperto ao campeão europeu.
Vitinha continuou a varrer o campo de lado a lado, atazanado a fugir de marcações. A por hábito calma equipa parisiense, regida por nervos de aço, despachava para a frente bolas que recuperava na área. O jogo ia de uma área à outra em cada jogada, com poucos passes. Esticões constantes, o futebol feito pancadas de ténis. Até o pachorrento Harry Kane se esfolava em corridas rumo à própria área para fazer um carrinho sobre Nuno Mendes. Bayern e PSG alinham num futebol apressado, sem vagar para grandes pensamentos.
Neuer viu-se abandonado também pelos seus quando, fiel ao seu modo de viver atrevido, subido para entre os centrais do Bayern e a meio da sua metade do campo, se precipitou ao tentar um passe. Doué interceptou. Na sobra, Dembélé passou a bola à baliza e rasou o poste esquerdo. Era a primeira das desatenções dos germânicos quando já se tinham refastelado, sem dúvidas, a mandar na toada de um jogo de entretenimento puro no país que gosta de fazer de florear o desporto com espetáculo. A segunda foi-lhes fatal.
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Estava Kane a meio-campo, com a bola, quando o sorrateiro João Neves esticou a perna, surripiou a posse ao inglês, o PSG apressou o seu golpe pela direita até atrasar um passe para Désiré Doué. O seu desejo de pé esquerdo não teve força, nem boniteza ou estilo, mas deixou Neuer imóvel. O golo só acresceu a partida de urgência, o seu estilo contra-goleador não mudou, apenas o acentuar do assalto do Bayern à área adversária onde a sucessão de sarilhos a acautelar deu dois cartões amarelos a William Pacho - o último por encostar a sola à canela de Pavlovic. Obrigou Luis Enrique a formar uma linha de cinco defesas atrás para salvar a consistência atrás.
Já nos descontos, feitos mais remates dos alemães e anulado outro golo por fora de jogo, a partida virou um salve-se quem puder para os franceses quando Lucas Hernández, sentindo a pressão de Raphaël Guerreiro, armou o cotovelo contra a cara do português. Atónito na cara depois do brusco gesto, viu o vermelho de uma expulsão. O PSG teria ainda uns cinco minutos para aguentar só com nove jogadores, afinal seriam mais de dez, uma porção dos motivos esteve no desassombro dos parisienses.
Quando todos julgaram que o tempo restante seria unidimensional, com um lado a comprimir o outro contra a própria baliza, essa crença desorganizou o Bayern ao ponto de perder uma bola e ver-se com dois jogadores contra os três parisienses que, apenas com mais outra meia dúzia deles em campo, ousaram ir por ali fora e contra-atacarem. Vitinha levou a bola, Dembélé recebeu o passe, o remate foi à barra. Nem na ressaca os alemães despertaram, pois a sobra ficou na esperteza de Hakimi, que se esgueirou por entre três apáticos adversários para depois servir o mesmo Dembélé.
Justin Setterfield - FIFA
Com menos dois em campo, o PSG fazia o 2-0. E Dembélé lembrou quem há pouco ficou a menos na vida: sentando-se no relvado, o francês fingiu estar a segurar um comando de consola e a carregar nos botões. O tributo a Diogo Jota, fã de videojogos e de carreira ávida nesse mundo paralelo, terá gostado esteja em que plano estiver.
Nos Estados Unidos da América do Espetáculo, onde cada minuto morto conta para o injetar, havia um pouco tempo para endoidecer este jogo quase imune a tempos aborrecidos. Viu-se um penálti para o Bayern ser revertido, outra defesa vistosa de Donnarumma, mais remates de uns alemães superiores em vários momentos e a despedirem-se do Mundial de Clubes por capitularem perante a eficácia. A que o Bayern nunca teve, nem com Thomas Müller presente nos minutos finais que também foram os seus últimos no clube.
Consta que ele irá chutar na bola para outras latitudes, talvez até nas americanas onde a sua lenda nos bávaros. O Paris Saint-Germain repleto de milhões que reinou na Champions seguirá nos EUA para as meias-finais do torneio reformulado pela FIFA, onde está à caça de dar um par mundial ao seu cetro europeu. Os franceses não viram a bola que costumam, mas entretenimento não faltou.