Crónica de Jogo

O decisivo Trincão, o líder Hjulmand: o novo Sporting começa o campeonato agarrando-se aos pilares do velho Sporting

O decisivo Trincão, o líder Hjulmand: o novo Sporting começa o campeonato agarrando-se aos pilares do velho Sporting
Gualter Fatia

No arranque da I Liga, os leões bateram o Casa Pia (2-0) graças a golos de duas referências do bicampeonato. Luis Suárez estreou-se a titular e deu muita qualidade ao ataque, pecando a vitória visitante por escassa

O decisivo Trincão, o líder Hjulmand: o novo Sporting começa o campeonato agarrando-se aos pilares do velho Sporting

Pedro Barata

Jornalista

Há um paradoxo no Sporting 2025/26. Um clube que, em oito meses, perdeu o treinador mais marcante das últimas décadas e o goleador mais decisivo do passado recente é, ainda assim, uma equipa que tenta o tricampeonato assentando nas referências antigas. As referências que ficaram.

Ruben Amorim foi o destruidor de jejuns, Viktor Gyökeres um atalho semanal para o êxito. Mas houve mais para ganhar um bicampeonato que não se via em Alvalade desde os anos 50. Houve esteios de competitividade e regularidade, de qualidade e constância.

Houve Francisco Trincão, que sem o sueco tem de deixar de ser o 'outro' do ataque, o 'ajudante', para ser o protagonista. Houve Morten Hjulmand, o líder para quem se olha quando se duvida.

Primeira jornada da I Liga 2025/26, questões após a derrota na Supertaça, o mercado com as suas interrogações. E o Sporting a apresentar uma muito convincente versão, uma roupagem de domínio, de abafar o adversário, que só criou uma chance para marcar aos 90+3'. 2-0 com participação de quem nos golos? Trincão fez o 1-0 a passe de Pote, os amigos do sueco em evidência. Hjulmand selou os três pontos na sequência de assistência de Trincão. Se na Luz e no Dragão há metamorfose e revolução, em Alvalade a melhor aposta é mesmo tornar as bases do passado na esperança de futuro.

O Casa Pia vive, de longe, a melhor fase de uma história que, na sua génese, tem Cândido de Oliveira como protagonista. A arrancarem para a quarta época seguida na I Liga — antes dessa sequência só tinham uma participação entre a elite —, os gansos ainda não têm o estádio de Pina Manique pronto, nem perto disso, pelo que continuam com Rio Maior como casa emprestada. Assim, os vizinhos de Lisboa, cujos recintos, em teoria, distam uns seis quilómetros, defrontam-se a 80 quilómetros da capital, um dérbi disputado noutra cidade de um outro distrito. 

Hjulmand celebra o 2-0
PAULO CUNHA

O Sporting obteve a 21.ª vitória seguida contra o Casa Pia, não perdendo contra este adversário desde 1930, pouco depois de Cândido de Oliveira deixar de jogar futebol. Os primeiros três pontos na defesa do bicampeonato partiram da particular urgência que os verde e brancos apresentaram, surgindo leves, rápidos, pressionantes, agressivos. O 2-0 foi magro pecúlio para tanto domínio.

Primeiros 20 minutos: 74% de posse para os visitantes, oito remates para o Sporting e zero para o Casa Pia, seis cantos para os de Rui Borges e nenhum para os de João Pereira. O monólogo manteve-se até ao intervalo, com Patrick Sequeira a somar quase tantas defesas (quatro) como a quantidade de vezes que Rui Silva tocou na bola (seis). 

O Sporting entra na temporada entre a orfandade do maior goleador da história recente do clube e a disputa de Rui Borges pela paternidade tática da equipa, tirando-lhe um toque de Amorismo e conferindo ares próprios do técnico transmontano. É errado achar que Borges parte do zero, há muito da outra ideia nesta — muitos momentos a sair a três, Geny e Maxi abertos, Trincão e Pote entre-linhas, Morita a avançar e Hjulmand como âncora —, mas há um toque mais híbrido, muito pela presença de Fresneda. Com Luis Suárez a melhorar muito a ligação ofensiva do coletivo em comparação com Harder, os lisboetas de Alvalade subjugaram os de Pina Manique.

Hjulmand, com um remate ao poste que foi seguido por uma finalização de Suárez para defesa de Sequeira, Pote, com um tiro para parada do guardião do Casa Pia, Maxi, com um cabeceamento à barra e outro ao lado, e novamente Suárez, atirando para intervenção de Sequeira, estiveram muito perto do primeiro golo da I Liga 2025/26. Patrick Sequeira, o costa-riquenho estilo Keylor Navas do Casa Pia, ia sendo a figura da noite, mas o 1-0 teria nota artística.

Sem quem monopolizava as finalizações, Trincão e Pote deram um passo à frente. O canhoto deu para o transmontando, Gonçalves devolveu a cortesia, finalização com categoria.

Suárez jogou bem e esteve várias vezes perto do golo, mas perdeu o duelo com Sequeira
PAULO CUNHA

Depois de bater o seu recorde de pontos na I Liga, o Casa Pia manteve a base da época passada. O onze só tinha dois reforços, Yassin Oukili e Kelian Nsona, dois nomes que reforçam uma equipa de torres, em que só dois dos titulares tinham menos de 1,84 metros e sete tinha 1,88 metros ou mais. Não obstante, as rotinas e a força área não evitaram vários problemas em bolas paradas, culminando no 2-0. Aos 62’, Trincão, num livre lateral, encontrou a astúcia de Hjulmand, que dobrou a vantagem forasteira. Um odor a bicampeonato na perseguição ao tri.

Além dos golos falhados, as lesões também deixaram Rui Borges preocupado. Ainda com 1-0, Maxi Araujo e Diomande saíram lesionados, entrando Debast e Mangas, em estreia absoluta, para essas vagas. Num arranque de etapa complementar muito acidentado, Nsona também desfalcou o errático Casa Pia por problemas físicos.

Todos os predadores do golo que chegam a Alvalade sonham com ser um bocadinho Peyroteo, a lenda dos 526 golos, o homem que também é o melhor marcador da história dos confrontos entre Sporting e Casa Pia, com 23 festejos em sete desafios. Luis Suárez, que sucede a um dos mais dignos sucessores de Peyroteo, revelou inteligência de jogo e facilidade de remate, mas foi perdendo a disputa pessoal contra Sequeira.

Com o Casa Pia rendido, Rui Borges terminou a noite juntando Harder e Suárez no ataque. Com Mangas a querer mostrar-se na esquerda e Kochorashvili a ficar perto de marcar, este já parecia, de facto, um novo Sporting, ainda que circunstancialmente, uma equipa de fim de partida. Suárez saiu sem o seu golo, mas o colombiano deu mostras de conseguir multiplicar o nível ofensiva do coletivo. É, para já, o grande toque de novidade permanente em quem se tem de agarrar aos que já conquistaram outras maratonas para principiar esta corrida de longa distância.

Tem alguma questão? Envie um email ao jornalista: tribuna@expresso.impresa.pt