2022 não foi assim há tanto tempo. Pois não? Bem, se calhar foi. Rui Costa era presidente do Benfica há menos de um ano, Roger Schmidt era treinador há menos de um par de meses, Bruno Lage era treinador do Wolverhampton e o seu trabalho seguinte seria no Botafogo.
Do onze do Benfica que defrontou o Nice, só Otamendi já sabia o que era somar minutos pela equipa principal das águias antes do arranque de 2022/23. Foi nessa altura que chegou Aursnes, não foi assim há tanto tempo, mas já foi há muito tempo, tanto se modificou.
O que se mantém semelhante é a consistência de Aursnes, a constância de Aursnes, a universalidade de Aursnes. Chegou como médio-centro, rapidamente tornou-se ala de pressão e energia, foi lateral em ambos os lados, tornou-se interior em 2024/25. Para 2025/26, parece voltar a um flanco. Mas não só.
Revelou Bruno Lage na antevisão à segunda mão contra o Nice que Fredrik também é um olheiro em part time, que conhece os jogadores, particularmente os do norte da Europa. O jogador-scout, o médio-tudo, o canivete suíço-norueguês, brilhou na serena vitória (2-0) dos encarnados, que repetiram a vantagem de há uma semana.
Em 4-4-2, arrancando da direita, Aursnes surge com amplitude de movimentos, em diagonais para o meio, deixando a linha para Dedic e beneficiando da riqueza de desmarcações da parelha Ivanovic-Pavlidis. Marcou o 1-0, assistiu o 2-0, saiu a tempo da ovação e de ir ao computador estudar umajovem promessa do Bodø/Glimt.
O Nice, sem vitórias nas competições europeias há 12 jogos, jogou em Portugal em provas UEFA pela primeira vez, dado que evidencia que não mora na Côte d’Azur um habitué das andanças internacionais. A derradeira ocasião em que as águias da Riviera francesa estiveram no principal torneio continental foi em 1959/60, na campanha que culminou com a quinta Taça dos Clubes Campeões Europeus seguida para o Real Madrid. Na época seguinte, o Benfica começou a construir a sua fase de ouro.
Na sequência da bela Ligue 1 da época passada, não têm sido poucas as críticas à gestão da INEOS, a gigante que, além de estar no Manchester United, na Fórmula 1, na velaou no ciclismo, também manda no Nice. Foram-se embora nomes de destaque (Bulka, Guessand, Laborde), há outros na rota da saída (Rosario), há alguns lesionados, sobretudo Ndayishimiye, mas fica a sensação de que o clube não é a prioridade para os seus donos, mais atentos a outras paragens. Está aqui parte da explicação para a pobre imagem do conjunto de Franck Haise, o milagreiro que já levara o Lens a ser vice-campeão gaulês. Na etapa inicial, e perante a superioridade local, só por uma vez, num tiro de Clauss ao poste, estiveram os forasteiros perto do golo. Após o recomeço, uma cabeçada de Juma Bah ditou o fim do perigo para Trubin.
O Benfica foi rápido a tirar possíveis esperanças aos franceses. Ainda dos 30', já estava 2-0. Aos 18', o telescópio de Enzo encontrou a desmarcação de Schjelderup, novamente titular, ainda que desta feita com Aktürkoğlu a entrar no epílogo da noite. Andreas deu para Aursnes e a ligação norueguesa deu no 1-0.
Pouco depois, Aursnes tornou-se o primeiro scout de sempre que detetou um futebolista, recebeu uma assistência desse jogador para um golo e, depois, o assistiu para outro. A primeira parte da frase é especulação, o resto não. Aursnes, um simplificador em campo, levantou a cabeça e cruzou atrasado para Schjelderup, que bateu forte e seco para o 2-0, confirmando a tendência para aproveitar as oportunidades quando as tem.
Com a eliminatória sentenciada, com o serão do quente agosto em toques suaves de facilidade, o suor a escorrer sem sofrimento, houve minutos de destaque para a energia de Franjo Ivanovic. O atacante tem um ar de bad boy de filme de ação que, a certa altura do enredo, se apaixona e passa para o lado dos bons, uma espécie de guerreiro furioso que precisa de carinho. Cheio de ímpeto e velocidade, com um futebol de movimentos largos e complementando-se bem com Pavlidis, o croata esteve duas vezes perto do 3-0 antes do intervalo.
No arranque do defeso, o Benfica sonhou ser a equipa dos criativos, o coletivo que juntava Félix e Almada. As circunstâncias do mercado ditaram que, chegado a agosto, o Benfica é a equipa dos pontas de lança, definida, em boa parte, pelo que Ivanovic e Pavlidis dão. Franjo é acutilante, faz diagonais para a direita, estica o coletivo. Vangelis tricota, liga, cria, une as pontas, como um polegar oponível quando se levam muitos objetos na mão. O grego, aos 62', rematou para corte de um defesa, com o ressalto a ir parar a Schjelderup, que acertou na barra.
Em 20 receções a franceses, o Benfica jamais perdeu, com 14 vitórias e seis empates. A parte final da eliminatória foi de oportunidades desperdiçadas para os locais, que exploraram um Nice rendido. Prestianni trouxe energia e criatividade e ficou perto do 3-0, Kerem teve alguns minutos entre a insistência dos rumores de saída. Não obstante, o terço final do jogo teve quase contornos de desnecessário, como as cenas de um blockbuster após sabermos que o protagonista salvou a humanidade.
O Benfica encarava as primeiras semanas da época com dois grandes objetivos. O primeiro, a Supertaça, foi conseguido. O segundo era superar as rondas prévias da Liga dos Campeões. Para estar, em setembro, entre os melhores, o derradeiro obstáculo é o Fenerbahçe de José Mourinho, que deu a volta ao duelo diante do Feyenoord. Estão prontos para os mind games e para dois jogos que começarão e acabarão na sala de imprensa?
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