Crónica de Jogo

Em Barcelos ficámos a saber mais um pouco sobre as coisas que o novo FC Porto quer fazer

Em Barcelos ficámos a saber mais um pouco sobre as coisas que o novo FC Porto quer fazer
JOSE COELHO

Na primeira deslocação com Farioli no campeonato, os dragões foram vencer (0-2) a Barcelos um Gil Vicente que soube, aqui e ali, condicionar o arranque do FC Porto no jogo. Mas, sem criar um grande volume ofensivo ou de oportunidades de golo, a equipa portista beneficiou do incansável Froholdt e de mais um golo do renovado Pepê. Houve, também, os primeiros 15 minutos do talento à solta de Rodrigo Mora

É cedo, a época espreguiça-se ainda, mas já sabemos um par e mais outro de coisas sobre este FC Porto.

Que os seus centrais, com bola, aguardam com paciência, caminham com ela à boleia de toquezinhos, chegam-lhe amiúde a sola, cortejam a pressão dos adversários para algum lhes sair ao caminho e o espaço surgir para que um passe entre em Alan Varela, intenção a que os laterais, sobretudo o esquerdo, ajudam ao posicionarem-se mais por dentro, contradizendo o nome da sua posição e honrando a função que lhes compete, malandros por onde andam de modo a forçarem dúvidas nos extremos e médios contrários: vou eu ou vais tu?, salto agora a pressionar ou espero que um passe entre?

Que Diogo Costa tem luvas, protege a baliza e por ter os pés que tem é chamado a jogar como se não pudesse dispor das mãos, que portanto é um guarda-redes que vira mais um na construção das jogadas caso quem faz frente ao FC Porto o faça com pressão alta, perto da área, então ele participa, anda daí, venha a chuteira direita do capitão aos dragões para distribuir um passe longo que lance um jogador na largura, onde esperam Pepê ou Borja Sainz, colados às linhas, quando a preocupação do adversário foi atraída para o centro do campo.

Tanto se sabia já isto com tão-só um jogo oficial feito que o sabido Gil Vicente limitou, durante 20 minutos, a fluidez do processo a ser trabalhado por Francesco Farioli, sabedor o seu homónimo dos hábitos pelos quais poderia tentar emperrar os dragões. César Peixoto pediu a Luís Esteves, um habilidoso sem truques circenses, e ao avançado Pablo Felipe, que barrassem a linha de passe rumo a Alan Varela ao ponto de quase andarem a um braço de distância do outro, além de deixar os extremos sem caírem muito em cima de Zaidu ou Alberto Costa.

O FC Porto não que tenha hesitado ou solavancado, muito menos se precipitou, encheu-se de paciência, confiança também noutras sinergias que se sabem, como as características dos três da vida meiocampista se complementarem, há o construtor Varela para os primeiros passes, a locomotiva loira de Victor Froholdt para transportar a bola quando necessário e os toques de algodão de Gabri Veiga para desatar com classe as jogadas, como quando o seu calcanhar libertou Borja Sainz, que entrou na área e quase rematou.

JOSE COELHO

O que não se sabia era o quão alto saltava o dinamarquês que muito corre, mas mostrou-o, aos 20’, quando de cabeça desviou para golo um canto de Veiga. Punha-se a ganhar um FC Porto com fome, a aproximar jogadores de frente para serem prontos-auxílios aos apoios frontais que ainda custam a Samu, o avançado que remataria, em rotação, um cruzamento de Pepê antes de sair lesionado e choroso, agarrado à coxa. E antes do brasileiro tentar um disparo seu. Libertaram-se os dragões no 0-1, mas o Gil não tardaria a apertá-los.

A perder, a equipa de Barcelos igualou esta cara nova portista na voracidade com que disputou coisas de ninguém, indo a ressaltos, carambolas e segundas bolas com dentes afiados quando sentiu o desconforto alheio nos momentos em que o jogo parou. Um livre batido curto e cruzado ao segundo toque para a área caiu na zona do hesitante Diogo Costa, que no seu vai-não-vai acabou a chocar com Jonathan Buatu, promovendo uma súbita aflição salta por Froholdt, mas não livrando a equipa de um canto onde de novo titubeou, ao não socar para longe o ai-jesus que Luís Esteves remataria, em posição frontal, ao lado.

O mesmo talentoso criador de ataques que o Gil foi comprar à Choupana acabou a primeira parte a maçar bastante a organização defensiva portista, chato a receber passes nas costas de Alan Varela ou a fugir do argentino com harmoniosas receções orientadas. Luís Esteves remataria também na sobra de uma jogada que ele desengatilhou com uma tabela promovida de calcanhar, ao aproveitar um corte incompleto de Nehuén Pérez, o central que sabemos ser permeável a soluções inacabadas.

Que o FC Porto à Farioli se anima a puxar um dos médios interiores para uma faixa, piscando o olho a triangulações que entortem atenções, era também sabido, e lá foi Gabri Veiga à esquerda, quase para a mesma linha de Borja Sainz quando este recuou a sua posição, recebeu o passe e lançou o desvairado Zaidu, esbaforido a correr por dentro, a solicitar no espaço a bola que o galego lhe meteu. O nigeriano de pronto a cruzou, sem antes mirar a área onde surgiu de rompante Pepê, ele sem olhar para o seu passado recente.

Na época que terminou quase que parece ontem, o brasileiro esteve de novembro até ao derradeiro jogo do Mundial de Clubes sem marcar para nesta temporada fazer dois nos primeiros 137 minutos oficiais do FC Porto. O extremo que há um ano era sorumbático, rebelde até na mesma Barcelos, onde se revoltara contra Vítor Bruno e agora se renova com Francesco Farioli, é um dos sinais de uma transformação em curso.

Sem que tudo sejam pétalas de esplendorosas gardénias. Enquanto a precisão dos toques de Luís Esteves não o evadiu, o Gil fomentou uns quantos nervos na forma de o FC Porto saltar na pressão de quem recebe a bola entre linhas, um pouco mais quando Santi García, outro médio de combinações, foi acrescentado à partida. Quando a pressão adversária empurra os centrais a jogarem com os laterais, a saída da equipa por vezes atabalhoou-se, com receções sem certeza. E Borja Sainz parece um extremo dedicado em demasiado ao produto final das jogadas, sem muito contribuir antes de chegar perto da baliza.

Do que vai sendo possível aferir, a Farioli cai bem trocar Gabri Veiga por Eustáquio quando há uma vantagem nos golos para gerir à boleia da caldeira de Froholdt, dinamarquês de pulmão cheio, termóstato que regula a capacidade de o FC Porto manter espicaçada a forte pressão que aciona após perder qualquer bola - e a ligação constante à corrente para frenar qualquer possível saída do Gil para o ataque com uma falta. Mas longe estamos de saber ao certo o que valerá um em forma Luuk de Jong, sem pré-época e por isso sem ritmo. Longíssimo está por determinar que papel acabará por ter Rodrigo Mora, cuja entrada em campo arrancou a ovação da noite do anfiteatro de Barcelos.

JOSE COELHO

O cabeludo prodígio foi lançado para a direita, extremo à primeira vista. Parecia um adolescente já de barbicha no queixo remetido à linha, no lado que menos o favorece, mas, nos 15 minutos que teve compaginados com a relativa balbúrdia no jogo forçada pelo tudo por tudo final do Gil Vicente, fez por deambular com soltura nas jogadas em que o FC Porto manteve a bola durante mais tempo. Chegou para rodar e rodopiar e tornear umas pernas, na esquerda da área, antes de cruzar uma bola venenosa. E para quase marcar pela mesma zona, a finalizar um contra-ataque onde se desmarcou na órbita de Luuk de Jong.

Mais do que tal não se viu, não houve tempo em Barcelos, mas tempo haverá para descobrir o que Farioli congemina para o rapazola que muito tempo tem, sem urgências que justifiquem alaridos, motins ou escatologias montadas a vídeos que o clube partilha dos treinos da equipa.

Nem o FC Porto teve uma segunda parte em que fez muito mais do que o golo. Farto na rotação da equipa, nas correrias, na pressão e na reação, faltou volume ofensivo aos dragões em processo de renovação. Livres de problemas de maior, controlaram sem dominar com ostentação enquanto o Gil tentou aquém de realmente ameaçar. Sabido ficou que Jan Bednarek é defesa central para ficar com as chaves da loja, patrão que apela à calma e varre na feiura quando os apuros desconvidam a fazer as coisas com jeito.

Quando tudo acabou, ficou-se a saber que sim, aos poucos, este novo FC Porto vai fazendo umas quantas coisas bem.

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