Crónica de Jogo

Os que levaram Portugal ao EuroBasket foram os mesmos que o colocaram nos ‘oitavos’ quando Neemias perdeu a cabeça

Os que levaram Portugal ao EuroBasket foram os mesmos que o colocaram nos ‘oitavos’ quando Neemias perdeu a cabeça

Num jogo de tudo ou nada contra a Estónia, Neemias Queta foi desqualificado. Sem o poste, Portugal conseguiu segurar a vantagem no marcador (68-65) que acabou confirmada por Rafael Lisboa. A seleção nacional vai participar pela primeira vez num jogo a eliminar de um grande torneio após terminar em quarto lugar no grupo A. O objetivo traçado para o EuroBasket está cumprido

Os pirilampos acendem-se nas cabeças de quem tem as decisões literalmente nas mãos. O sangue ferve, mas é sempre importante não deixar que a tampa da panela salte fora. Neemias Queta, de cabeça quente, celebrou uma das suas jogadas monstruosas, executada em alturas onde poucos conseguem chegar. A comemoração implicou fazer peito ao adversário e interferir com a reposição de bola. O árbitro viu desrespeito naquele flex e marcou-lhe uma falta técnica, castigo que, como os cartões amarelos, leva à desqualificação à segunda vez que se é penalizado.

O poste dos Boston Celtics saiu de jogo no terceiro período e à disposição de Mário Gomes ficaram apenas os jogadores que participaram na qualificação para o EuroBasket, onde Queta esteve quase sempre ausente. Com aqueles que levaram a seleção a Riga, Portugal superou-se, foi altruísta e descentralizou o protagonismo. A estrela maior teve um dia de aprendizagem, mas os Linces bateram a Estónia (68-65) e cumpriram o objetivo traçado.

A estreia no EuroBasket, contra a Chéquia, deu a Portugal a vitória que precisava para chegar à última jornada com reais hipóteses de terminar em quarto lugar e avançar para os oitavos de final. Sem qualquer triunfo ao fim de quatro jogos, os checos deixaram a equipa de Mário Gomes e a Estónia a sós na luta pela última vaga de apuramento num grupo A marcado pela discrepância entre Sérvia, Turquia e Letónia face aos restantes. Portugal tinha como condição única ganhar para seguir, pela primeira vez, à fase a eliminar de um grande torneio.

Durante o apuramento rumo ao EuroBasket, antes de haver Neemias Queta, Miguel Queiroz foi o jogador português mais eficiente. Recuperando essas memórias, o capitão ditou o ritmo inicial (apanhou nove ressaltos). O aroma a decisões trouxe também Travante Williams, o viciado em desafios, à tona nos minutos iniciais. A Estónia fez a fluidez do ataque nacional desaparecer quando começou a defender o bloqueio direto em hedge, um tempo de ajuda que faz o portador da bola recuar e decidir perante um momentâneo dois contra um.

As triangulações para cravar a bola em Neemias têm sido a opção de ataque regularmente mais confiável. Foi a elas que Portugal recorreu para, cedo, tentar envolver o poste nem sempre hábil a criar o seu próprio lançamento. Os estónios carregaram-lhe em cima do cabedal fazendo-o afundar menos e ir mais vezes para a linha de lance livre (foi a partida do EuroBasket em que o jogador dos Boston Celtics mais a visitou: dez).

Mesmo sendo mais lançador do que organizador, Kristian Kullamäe comandou decentemente o ataque da Estónia. Portugal pouco fez para empurrar as decisões para outras mãos. Em vez disso, encafuou a defesa na área pintada, local onde Neemias, em drop, aguardava as penetrações. Tal inclinação fez com que a equipa de Heiko Rannula fosse o segundo adversário consecutivo a lançar mais de três pontos do que de dois. Ao intervalo (32-27), a desvantagem era escassa, mas foi a Estónia a estar na liderança durante a maioria dos minutos.

Tão reduzida era a marcação que os pontos sofridos por mera falta de conversa causavam uma dor aguda. Mesmo amassado de todas as formas, Neemias Queta continuava a ser o centro do ataque. Numa jogada em que se elevou para pendurar dois pontos, já depois de se envolver em escaramuças com os estónios, o poste acabou por levar a segunda falta técnica ao interferir com a reposição de bola. Restavam 4:34 para terminar o terceiro quarto. Quando a buzina bramiu antes do momento de todas as decisões, Portugal já liderava (47-45).

Estranhamente, a expulsão de Neemias Queta foi como tirar uma pedra do sapato. O ataque deixou de ter uma prioridade e passou a fazer leituras mais rápidas, a atuar de forma mais intuitiva. Rafael Lisboa (17 pontos), um boost a saltar do banco, levou a veia clutch para a Letónia. Um triplo a 45.º e a frieza nos lances livres remataram um jogo que espreitou o prolongamento. Se lá chegássemos, nem todos os corações iam resistir.

Disputar pela primeira vez uma eliminatória não significa ter obtido a melhor classificação de sempre. Essa é um 9.º lugar, em 2007, quando o EuroBasket tinha um formato diferente. Enfrentar a Alemanha, campeã do mundo, a Lituânia ou a Finlândia nos oitavos de final não deverá permitir ir substancialmente mais longe.

A equipa melhor

Tem alguma questão? Envie um email ao jornalista: fsmartins@expresso.impresa.pt