Crónica de Jogo

Os bois foram à frente, a carroça do FC Porto atrás. Assim, do modo mais natural do mundo, os dragões passaram em Arouca

Os bois foram à frente, a carroça do FC Porto atrás. Assim, do modo mais natural do mundo, os dragões passaram em Arouca
ESTELA SILVA

O jogo pode ter sido adiado, mas o comboio do FC Porto ainda não parou de passar desde que a época começou. Contra o Arouca (0-4), num jogo em que estiveram 42 minutos em inferioridade numérica, os azuis e brancos chegaram às sete vitórias seguidas no campeonato. O próximo adversário é o Benfica

Não há notícias sobre a arrelia dos bois no desfile ou de algo que dê conta do pouco sucesso do cortejo de açafates. O regozijo etnográfico foi cumprido, os avisos de mau tempo, para desgosto dos organizadores da Feira das Colheitas, é que impediram o fogo de artifício de pintalgar o céu. O FC Porto deixou passar os ruminantes e só depois pôs a sua carroça, tudo dentro da ordem natural das coisas, uma parada tão orgânica como a prevalência daqueles que parecem ter sorvido o elixir da invencibilidade.

A festividade deu um safanão na data do jogo. Dizia-se estarem em causa as condições de segurança. Os azuis e brancos, sentindo-se prejudicados no seu descanso, reclamaram, mas as hipóteses de efeito prático do protesto levaram a um recuo. Esperas e adiamentos acionam polos diversos do sistema nervoso. A muitos pode dar-lhes para a precipitação. A um FC Porto já por si eletrizante deu-lhe para ser vigoroso. A velocidade de Borja Sainz a ir buscar as bolas a repousarem em cima dos cones para as repor rapidamente era o efeito visível dessa ânsia, sentimento que faz o conjunto de Farioli não deixar nenhum dos 90 minutos sentir a ausência do seu fulgor.

ESTELA SILVA

O FC Porto ainda não descobriu em Portugal alguém com capacidade de atingir uma voltagem semelhante à que tem descarregado nos jogos do campeonato. O investimento energético – mas também o técnico, estratégico, o físico e todas as outras componentes que costumam robustecer uma boa exibição – do Arouca foi mais contido e muito menos proveitoso.

Farioli voltou a lançar dois laterais que o são por natureza. Na função de construtor que a um deles é exigido, Martim Fernandes fez evoluir o papel em comparação com outros que o têm tentado desempenhar. O defesa formado no Olival fez o alfinete passar pelos buracos da primeira linha de pressão do Arouca. Da associação com Alan Varela resultou inclusivamente um golo anulado a Pepê.

Por cada vez que a bola se embrenhava nas costas da defesa do Arouca, era como se estivesse a invadir uma terra que quase sempre foi de ninguém e que, outras vezes, foi de mais do que um jogador ao mesmo tempo. Tiago Esgaio e João Valido chocaram e, nos destroços desse caos, Francisco Moura cabeceou ao poste.

O planeamento do FC Porto teve momentos de maior eficácia do que esse. A bola longa de Jan Bednarek encontrou o rasgo de Victor Froholdt e a ruinosa abordagem de Boris Popović. Do imbróglio entre João Valido e Tiago Esgaio, saiu espremida a sorte grande de Samu, marcador de um golo até então estranhamente solitário para um FC Porto ameaçador, a usar os três corredores, e destrutivo a variar a distância dos passes. Os favores do acaso adjudicados ao ponta de lança espanhol terminaram. Ainda resistiu até ao intervalo, mas aí foi substituído por Deniz Gül devido a lesão.

Foi o sueco de militarizado penteado que recambiou os fantasmas a anunciarem um eventual surgimento. Martim Fernandes arriscou demasiado, perdeu a bola e entrou de forma dura sobre Pablo Gozálbez, acabando expulso por acumulação de amarelos. O Arouca era um vácuo futebolístico, mas é motivante ter o empate contra o líder do campeonato a apenas um golo e mais um jogador em campo. Deniz Gül aniquilou imerecidas esperanças.

ESTELA SILVA

As arrancadas em flash de Borja Sainz podem impedir as vistas para o coldre diversificado. A variabilidade das suas armas – a velocidade é parte delas, a objetividade também – fá-la acompanhar-se de altruísmo, semente de fraternidade. A qualidade no serviço para o 3-0 de Francisco Moura assim o enfatizou. O carregamento que Victor Froholdt entregou no último terço evidenciou outro dos acrescentos do FC Porto para a nova época, uma época de apostas certeiras.

A locomotiva do FC Porto nunca parou. O lance do 4-0 assim o ilustra. Alberto Costa envolveu-se num duelo com Arnau Solà. O lateral portista levantou-se, enquanto o adversário ficou estatelado no chão, e foi à linha final cruzar. Zaidu, o seu homólogo do lado esquerdo, também cavalgou com uma vivacidade atípica numa equipa a vencer tão confortavelmente e que atuou 42 minutos em inferioridade numérica.

O jogo contra o Arouca pode ter sido realizado numa data que não a prevista inicialmente, mas é impossível adiar algo que, como este FC Porto, é uma constante. Estamos perante um comboio de alta velocidade que tem passado vezes sem conta. Não importa o dia ou a hora, a rotação está sempre lá.

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