Um jogador de Mourinho decidiu o encontro a favor do Chelsea. Mas, 20 anos depois, isso foram más notícias para o Benfica
Bradley Collyer - PA Images
Um auto-golo de Ríos ditou a derrota (1-0) das águias em Londres. No estádio onde o special one fez história, os encarnados competiram bem, causaram problemas aos blues, mas vão para a terceira jornada sem pontos
Era tempo de descontos. O Chelsea queria que o jogo terminasse e, por isso, apareceu uma segunda bola no relvado, uma daquelas coisas que só em Portugal mas que não, não é só neste país.
Eis que, para tirar o intruso e permitir o recomeço, entrou no relvado quem tem casa bem perto do estádio, quem lá instalou câmeras de vigilância, quem chegou àquela sala de imprensa e disse ser um special one. José Mourinho retirou a segunda bola do relvado, o desafio foi concluído, o Benfica perdeu.
A contenda londrina foi de um Benfica à procura de algo, a tentar, a ficar perto de conseguir, mas com o esforço sem recompensa. Nivelou-se o jogo, houve oportunidades, mas alguma sensação de impotência. Tudo é novo para este conjunto, não há memória muscular, tal como não houve golo, nem no bom arranque, nem no forcing tardio. Duas jornadas, zero pontos.
O bloco de notas em cima do relvado. A entrada cénica em campo, consciente da posição de cada câmara, de cada fotógrafo. O nome a ser entoado pelas bancadas. Até o sobretudo recordava 2004.
José Mourinho voltou a Stamford Bridge, o estádio ao lado da sua casa, o seu primeiro lar como técnico principal no futebol internacional. A nostalgia era devolvida para o presente porque é 2025 e não 2004, em campo estavam Cucurella e Enzo Fernández e não Terry e Lampard, Simão Sabrosa encontrava-se no banco do Benfica a reclamar com o árbitro e não a ser disputado por Chelsea e Liverpool para depois acabar por ir para nenhum.
Os adeptos do Chelsea cantaram o nome de Mourinho e o técnico agradeceu
Mike Hewitt
O treinador setubalense montou uma equipa que queria ser sempre equilibrada com Enzo Barrenechea, Ríos e Aursnes à frente da defesa, libertando Sudakov, Lukebakio e Pavlidis para ameaçar os blues.
O arranque do desafio foi promissor para os visitantes, que utilizaram a potência de Lukebakio e a técnica de Sudakov para estarem perto do 1-0. Este é um Benfica novo, um Benfica a nascer, um coletivo que tenta perceber o que é após tantas metamorfoses, como um ator que veste tantas máscaras que acaba por ficar preso nos personagens, olvidando quem é. Nesta equipa ainda com aroma a maternidade, é sintomático que boa parte da criação ofensiva venha de dois homens que somente chegaram ao clube há um mês.
Sudakov combinou bem com Dahl, mas o cruzamento não chegou a Pavlidis; o ucraniano jogou, depois, com Lukebakio, que atirou ao poste; a fechar o quarto de hora inicial de otimismo e atrevimento encarnado, Bakio dialogou com Ríos, cujo remate foi defendido por Robert Sánchez.
Do lado do Chelsea — que, mais do que uma equipa, é um veículo de compra e venda de talento jovem —, a grande ameaça vinha da vertigem de Pedro Neto, que está sempre em campo como um jovem constantemente atrasado para o exame de matemática. O extremo ameaçou Trubin de fora da área e, aos 18', esteve na génese do 1-0.
O passe longo e em balão do português para o segundo poste encontrou Dedic em zonas muito interiores, chegando a Garnacho. O cruzamento do argentino passou à frente de Ríos, que teve a mais instintiva das reações, como uma criança a quem é atirado um brinquedo: chutou-o. Problema? Estava virado para a sua baliza. Consequência? Auto-golo e 1-0. O arranque otimista transformado em desvantagem no marcador, um futebolista orientado por José Mourinho a ditar o destino do encontro neste estádio. Mas é 2025 e não 2004 e a frase anterior mudou de significado: quer dizer que, agora, Mou é quem perde.
O auto-golo de Ríos
Bradley Collyer - PA Images
Na noite londrina, Lukebakio foi quase sempre o depositário das esperanças portuguesas no desequilíbrio. O belga, recém-chegado mas já com aroma a indispensável, criou vários problemas para os campeões do mundo no primeiro tempo e foi-se apagando com o decorrer dos minutos, um insubstituível a fazer o segundo jogo pelo clube e sem gasolina para o tempo inteiro.
O jogo do reencontro de Mourinho com o Chelsea foi, também, o embate do reencontro de Enzo Fernández com o Benfica. Neste segundo caso, não houve carinho, mas crítica e protesto, levando mesmo à intervenção do special one quando o argentino, protagonista de uma controversa saída da Luz, foi bater um canto e recebeu recordações dos adeptos forasteiros.
Perto do descanso, George, improvisado ponta de lança do Chelsea, obrigou Trubin a defesa atenta. Depois do intervalo, Aursnes, em duas ocasiões, surgiu na cara de Robert Sánchez, mas em ambas estava adiantado.
Foram lances que deram lugar a minutos de quase pausa, de expetativa, de futebol como um palco do não acontecimento, um jogo de colar os espetadores à cadeira. Tal era a indefinição que, já perto dos 70', o banco do Benfica parecia uma cimeira de técnicos a visionarem a partida em stop, com diversos adjuntos de Mourinho aconselhando-o em busca da substituição milagrosa. Acabariam por entrar, em simultâneo, Ivanovic, Schjelderup e Barreiro.
Maresca foi colocando jovens, à medida que os milionários da Premier League se iam encolhendo. Ainda assim, um dos meninos pagos a peso de ouro, Estevão, esteve perto do 2-0, que foi negado por Trubin. Perante o recuar do Chelsea, Moisés Caicedo, polvo no meio-campo, terá feito Mourinho pensar que estava ali, diante de si, Claude Makélélé.
Ainda havia Henrique Araújo para lançar e algumas bolas para rumarem à área dos locais. Nenhuma com grande perigo. Terminou com José Mourinho a ir retirar a bola do relvado, perseguindo-a, como o Benfica atrás dos pontos a que não chegou. É preciso ir buscá-los a outros locais, por muito que o calendário da Liga dos Campeões não seja amigo.