O leão não gosta de pizza e o Sporting foi a Nápoles voltar a demonstrá-lo
Francesco Pecoraro
Jamais o clube de Alvalade venceu em Itália e, pela 14.ª vez em 19 jogos, foi lá derrotado. O Nápoles bateu (2-1) os campeões nacionais, que fizeram uma primeira parte inofensiva e ficarão a lamentar os erros que levaram ao bis de Højlund
Antonio Conte fazia a melhor imitação possível de Antonio Conte, olhando com face enraivecida para o infinito enquanto apontava para todo o lado, vestido de preto Conte, percorrendo a linha lateral como um vendedor ambulante que tem de falar alto para tentar vender o seu peixe. Já era tempo de compensação da segunda parte, o Sporting perdia 2-1, escasseavam os minutos e crescia a ansiedade verde e branca.
Os campeões nacionais não contaram muitas oportunidades contra os vencedores do título italiano. Uma das melhores surgiria ali, perante os nervos de Conte. Cruzamento de Quenda, Hjulmand a tentar um golo à capitão, à líder, rasgando o céu de Nápoles para o 2-2. Vanja Milinković-Savić, guarda-redes com pinta de assassino a soldo de filme de James Bond, tirou a igualdade ao médio.
Seria outro o dinamarquês em destaque. Rasmus Højlundbisou, agradecendo a passividade de um Sporting que se mantém como um leão que rejeita a pizza: 19 idas a Itália, cinco empates e 14 derrotas, sem qualquer vitória. Talvez as dificuldades em chegar, na véspera do embate, a Nápoles fossem um prenúncio de nova viagem amaldiçoada, de chance perdida de obter pontos.
Como tudo em Nápoles ocorre entre o mito e o real, algures num lugar que é parcialmente lenta e parcialmente verdade, também as partidas neste estádio decorrem debaixo desse manto. No caso do clube que leva o nome da cittá, deus tem cabelos longos, é canhoto e merece uma estátua no túnel de acesso ao relvado, qual altar.
Nas bancadas há meninos de 10 anos com camisolas da Argentina e é impossível não pensar que ser imortal é qualquer coisa como isto: glorificado por quem nunca te viu, não te conheceu, nasceu depois dos teus milagres. Diego Armando é mais Maradona em Nápoles do que em qualquer outra parte.
Højlund faz o 1-0
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Talvez em homenagem ao canhoto celestial, Rui Borges lançou um onze com sete canhotos, uma equipa renovada, com Quaresma, Simões ou Ioannidis. Certamente não em tributo a Diego, o começo de partida foi longe das balizas, de pouco risco, de cautelas. Nos primeiros 25’ só houve quatro toques na bola dentro das áreas, três do Sporting e um do Nápoles, e tardou mais de meia hora para haver uma oportunidade de golo.
Quando surgiu uma situação, deu em golo. Os lisboetas pouca bola vinham tendo perto da área italiana e, num dos primeiros momentos de posse prolongada de que dispuseram, trocaram burocraticamente, sem ameaçar. Mal se deu a recuperação, ativou-se o grande perigo do Nápoles. Kevin de Bruyne, um dos melhores jogadores da última década a conduzir contra-ataques, conduziu como se fosse Manchester em 2018, beneficiando da ausência de uma falta tática leonina. O belga isolou Højlund, que tem tendência para ser bem mais eficaz na Liga dos Campeões do que em ligas nacionais. 1-0
Que uma equipa de Conte não jogue com três centrais é como ter a Torre Eiffel sem turistas, Veneza sem os canais ou Nova Iorque sem ruído. Soa a estranho, a desfazado do costume. Mas foi assim que o Nápoles ganhou a Serie A, ainda que se mantenham rotinas do Contismo, como o passe de primeira que quem está na lateral faz para quem está mais à frente em posição central. Outro hábito do cardápio do titulado técnico que prossegue é a vivacidade na linha lateral, o ir gesticulando e protestando, gritando com jogadores e árbitro, como quem acabou de beber três cafés cheios de uma vez.
Em cima do intervalo, Politano, em novo contra-ataque, forçou Rui Silva a boa defesa. O descanso chegava com os verde e brancos sem terem estado perto do golo e, para dar o poder de fogo que a equipa não teve, Rui Borges colocou Luis Suárez e Pote para a segunda parte.
Ainda que não mexendo radicalmente com as bases da noite perto do Vesúvio, as substituições trouxeram nova qualidade individual. Com Pote, o mestre do diálogo, futebolista que multiplica o valor de quem o rodeia, passou a haver melhor circulação, Suárez também deu um ponto de apoio mais associativo na frente.
Suárez transforma o penálti no 1-1
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Aos 62', Maxi Araujo, que por estes dias é uma máquina de ganhar duelos e gerar vantagens na ala, ganhou um penálti. Suárez, sereno, transformou-o no 1-1.
O estádio manifestou o seu descontentamento com o Nápoles. Conte protestava com as partículas de ar. Era o momento do Sporting no encontro. Num contra-ataque, os visitantes tentaram devolver a receita do 1-0, mas Pote, servido por Suárez, atirou por cima, desperdiçando a hipótese da reviravolta quando ela se apresentou à frente dos pés do transmontano.
A reconciliação do leão com a pizza estava ali. O paladar de Alvalade é, definitivamente, inimigo destes sabores. Aos 79', De Bruyne, ressuscitado para as grandes noites europeias pelo Sporting, serviu Højlund, dianteiro dinamarquês que marca poucos golos. Pois bem, são já quatro em quatro jogos contra adversários portugueses (seleção, FC Porto e Sporting) nos derradeiros 12 meses. É o novo Nicklas Bendtner, aqui beneficiando do erro de cálculo de Rui Silva na saída.
Os visitantes acabaram rondando a área local, mas só criando verdadeiro perigo no cabeceamento de Hjulmand nos descontos. A parada de Milinković-Savić deixou os campeões nacionais sem pontos e colocou as bancadas a cantar o "'O surdato 'nnammurato", canção em napolitano que descreve a tristeza de um soldado que luta na Primeira Guerra Mundial e sente saudades da sua amada. Para o Sporting, Itália também é terra de desgostos.