Rúben Neves, o’salvador da pátria que teve ajuda da estrelinha (a crónica do Portugal-Rep. Irlanda)
FILIPE AMORIM
Portugal só conseguiu vencer o último classificado do grupo F, em Alvalade, aos 90+1’. O golo foi de Rúben Neves, o médio que tem Diogo Jota tatuado na perna. O apuramento para o Mundial 2026 pode estar à distância de uma vitória
Há espetáculos que, convenhamos, não merecem casa cheia. Este Portugal-República da Irlanda (1-0) foi certamente um deles. No entanto, a astúcia comercial de promotores de outro tipo de eventos arranjou mecanismos para que os artistas não se sentam tão sozinhos em dias cuja sua obra não cativa.
A estratégica está disseminada e consiste em aplicar um desconto ao preço de venda inicial dos ingressos. Em compensação, o espetador entra mais tarde. É possível que a demora o faça perder uma ou duas das músicas mais orelhudas do cantor, as faixas que usa para aquecer o público mais fiel que comprou entradas mal estas foram disponibilizadas. Porém, é seguro que ouvirá os grandes hits que encerram o concerto.
Ao que parece, os compromissos da seleção têm boa saída e esgotam facilmente mesmo que o ambiente seja quase sempre tépido. Ter esta modalidade no sistema de bilhética torna-se, por isso, inútil. Ainda assim, quem não chegou ao lugar a tempo de assistir aos hinos fica a saber que aqueles que chegaram poderão muito bem ter considerado esse tempo mal gasto.
A verdade é que a receção à Irlanda, em Alvalade, foi como um todo mais uma partida para juntar ao compêndio de jogos frente a adversários inferiores onde Portugal sofre. Só depois dos 90 minutos é que a seleção conseguiu o marcar e manter vivas as possibilidades de, com uma vitória contra a Hungria, conseguir nesta janela internacional o apuramento para o Campeonato do Mundo.
Quando nada parecia estar a dar certo, quando Portugal já tinha tentado tudo, Roberto Martínez terá olhado para o banco e pensado em lançar Diogo Jota, decisão que, por razões ainda incompreensíveis, deixou de poder tomar. Mas lá dentro estava Rúben Neves, o amigo que tem o 21 nas costas e a estrelinha da seleção tatuada na perna, para encarnar a saudosa arma secreta.
RODRIGO ANTUNES
A Irlanda não esteve cá para grandes rendilhados com a bola. Fixar, atrair, circular eram tudo conceitos fora da órbitra deste adversário. Caso vissem uma linha de passe previsível, o mais certo era tentarem pregar uma bola, na frente e pelo ar, que só chegaria ao destino algures de madrugada, período recomendável para os jogadores portugueses estarem abraçados à almofada.
Provavelmente, já gastámos um número maior de linhas a apresentar o retrocesso ofensivo da Irlanda do que oportunidades criadas com tão rudimentares manobras. Só que não havia motivo para Portugal ser altivo. Vamos tirar os guarda-redes das contas. 20 pares de pernas em 30 metros desvirtuam os princípios fundamentais do jogo. Nestas condições, Portugal teve que tentar estacionar em paralelo sem bater nos obstáculos adjacentes.
A equipa de Roberto Martínez foi à frente e atrás várias vezes tentando acertar a manobra. Numa das tentativas, o sensor de parqueamento assinalou um ligeiro choque da bola com o poste. Foi lá que Cristiano Ronaldo acertou, ficando perto de se tornar no melhor marcador de sempre em fases de qualificação para Mundiais. Mas isso é história. Para a missão do presente, Bernardo Silva não conseguiu ajudar na recarga.
Mesmo que Pedro Neto estivesse a ser dos mais atinados, Roberto Martínez conseguiu a proeza de diluir ainda mais o lote de jogadores influentes no encontro ao trocar o extremo do Chelsea da direita para a esquerda. É a magia desta seleção: incompreensivelmente consegue tornar banal algo que, no papel, é tremendo.
Sports Press Photo
A Irlanda pouco se expunha e, quando o fazia, Portugal não tinha a sorte da bola ir para os pés certos. Calhou ser Rúben Neves a conduzir uma das poucas transições. O jogador do Al-Hilal arriscou finalizar, mas a resposta de Caoimhin Kelleher foi de nível alto, patamar que manteve logo a seguir perante Vitinha.
Francisco Trincão ganhou a aura de agitador nos quartos de final de Liga das Nações, contra a Dinamarca. Mal foi lançado, cravou uma bola na mão de Dara O’Shea, que estava dentro da grande área. Quando não com as mãos, Caoimhin Kelleher protegeu a Irlanda com o pé, instrumento que usou para parar Cristiano Ronaldo quando esteve assumiu o remate a partir de uma das pintas do campo.
Para quem tinha ficado de novo com a ideia de que Francisco Trincão se ajeitava como suplente de luxo, estava certo. O cruzamento para Rúben Neves foi melífluo e, quanto ao cabeceamento do médio, Caoimhin Kelleher não tinha mais corpo com que o pudesse defender.
Em 2025, Portugal foi forçado a jogar um prolongamento na segunda mão dos quartos de final da Liga das Nações. Nessa mesma competição, só decidiu a final nos penáltis. Contra a Hungria, no segundo jogo do apuramento para o Mundial, a vitória só chegou aos 86 minutos. Desta vez, apareceu aos 90+1’. Não há bem que nunca acabe.