Para contradizer Mourinho, o Benfica foi a Newcastle ver jogar
Robbie Jay Barratt - AMA
O treinador, na véspera, desfizera-se em elogios à valia do Newcastle e à aura do seu St. James' Park, coisa que o Benfica fez por engrandecer, ao ser derrotado (3-0) pela máquina de pressão dos ingleses com a qual nunca soube lidar. Tomás Araújo foi lateral esquerdo e, muitas vezes, presa fácil para a forma como o adversário apertou a todo o campo. Ao terceiro jogo na Liga dos Campeões, os encarnados continuam com zero pontos
Este Newcastle, o lá de cima das zonas industriais e mais cinzentas de Inglaterra, há muito que não é o das danças de Faustino Asprilla, colombiano que bailava com a camisola listada a boiar-lhe, o patrocínio à cerveja local estampado no peito, após marcar golos servidos pelo cabelo L’Óreal de David Ginola, craques prévios à vigência carnal do senhor tão mítico que ficou escultural, à porta do estádio. Até os tempos com Bobby Robson na dobra do milénio parecem tão distantes, os dias do gentil cavalheiro a comandar a equipa que tinha no coração que despejava amores para cima do tipo que não convenceu, mas, pelos vistos, enamorou.
José Mourinho amoleceu o seu, enterneceu com o retorno a St. James’ Park, cheio de cordialidade apareceu e com doçura nos desabafos, da véspera, deixando surpresos os jornalistas ingleses habituados à sua bélica figura, treinador da terra queimada, eu-contra-todos porque todos-contra-nós. Era o segundo regresso a Inglaterra em coisa de dois meses com o intuito de colocar o Benfica com pontos na Liga dos Campeões, este mais barulhento, mais desenfreando, também um pouco pressionado pelas circunstâncias.
Cedo o Newcastle quis ir para cima como sabe e gosta, com um jogo direto, sem floreados ou paciências de monge no passe, os centrais a olharem para longe em cada bola, à procura dos homens da frente, em cada bola que tinham, o intuito coletivo a nortear toda a gente. Penou o Benfica no quarto de hora inicial, eram muita a pressão, muitos os apertos dos ingleses mal perdiam a bola, Enzo Barrenechea não se virava com as receções e ainda menos Richard Ríos, o médio que se chamado a jogar, sem espaço, a equipa sofrerá sempre com ele, e por causa dele.
Sofreram bastante os encarnados, reféns da postura enérgica do Newcastle a montar cercos mal perdia a bola e quase sempre a pressionar os defesas centrais que eram três a construir, Tomás Araújo a perfilar-se com António Silva e Otamendi, dando a largura a Fredrik Aursnes, mas a servir de lateral esquerdo nos momentos defensivos, que muitos eram. Não era o Newcastle de outrora, mas, tão incomodados os três de trás com tanta pressão, sem linhas para os médios que andavam lado-a-lado, presas fáceis, muito menos para o escondido Sudakov, enquanto agoniou o Benfica viu os 2,01 metros de Dan Burn ganhar um canto lá no alto para Trubin ser socorrista.
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Findos 15 minutos, numa súbita passividade do Newcastle a reagir a uma falta, Enzo lá se pôde virar, ver o campo e lançar um passe longo que Lukebakio recebeu com algodão nas costas de Burn, pesado de rins. O belga embalou rumo à baliza, o remate foi salvo por Nick Pope, o único que sentiu o momentâneo espernear com vida do Benfica. Pouco depois, uma rara pressão alta da equipa obrigou o guarda-redes a despachar a bola para canto e, na consequência do estaminé montado em redor da área inglesa, a única fonte de rapidez incisiva com a bola dos encarnados teve um remate-banana, da direita, que embateu no poste.
Foram cinco minutos, pareciam prenunciadores, seriam antes mentirosos.
Serviram de rastilho para a corrente do Newcastle, que aumentou a voltagem do seu jogo e evidenciou como inamovível estava o Benfica, sem entender o que fazer, ou como o fazer para se adaptar ao adversário. Voltarem as perdas de na saída de trás, a incapacidade em usar bolas recuperadas, a cegueira em verem o generoso espaço nas costas dos médios adversários. Outro canto seria reclamado por Dan Burn, salvo de novo por Trubin, já o seu vizinha no gigantismo, Nick Woltemande, fugira de Otamendi para servir um remate de Jacob Murphy.
A ameaça engordava e concretizou-se quando Ausnes, colado à linha e pressionado, mesmo assim foi alvo de um passe do igualmente apertado Tomás Araújo. O norueguês livrou-se da bola à primeira, endossou-a para o centro, acabou roubada e logo Bruno Guimarães rasgou o passe que Murphy usou para servir Anthony Gordon, o mais irrequieto de quem joga nas margens do rio Tyne, para o seu quarto golo (32’) na Champions. O estádio rugia à inglesa, o Benfica ruía na sua unidimensionalidade.
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Colados ao intervalo, mesmo antes e logo depois, nas raras vezes em que iludiu a pressão a equipa de José Mourinho lançou de imediato um passe que pusesse a correr Lukebakio, singela fonte de acelerações dos encarnados, único apto a receber nos últimos 30 metros, encarar quem o vigia e finalizar a jogada. Na primeira, Pope defendeu a tentativa, na outra o Newcastle mais rápido foi, porque já sábio estava da intenção, a recuar jogadores para cerrar a intenção do belga que é jogador para se afunilar numa só - tentar armar o pé esquerdo e disparar à baliza. Tudo previsível.
Domesticada a vontade encarnada, sobrou ao Newcastle vagar para forçar a sua, sem se desviar um milímetro. Com a sua roldana da pressão a todo o campo, marcando ao homem e aproveitando - ao forçar passes para esse lado - a presença de Tomás Araújo na esquerda da defesa, os magpies limitaram o Benfica a muito pouco ou quase nada enquanto Woltemande tentou de fora da área, Lewis Miley desperdiçou uma ocasião, na pequena área, ao saltar sozinho num canto, e os muitos cavalos no motor de Bruno Guimarães mantinham o Newcastle na constante rotação, superior quase sempre à dos encarnados.
À boleia do pulmão do brasileiro que joga, passa, rouba, pressiona e corre de uma área à outra, plenas posses da sua moldagem ao futebol inglês, e também a reboque da confiança aceleradora de Anthony Gordon, locomotiva de corridas com a bola à esquerda, o Newcastle amestrou o Benfica, parecendo encurtar a trela com o tempo, não o contrário como é costume uma equipa em vantagem consentir. Porque tudo lhe parecia sorrir a preceito, até em apontamentos básicos.
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Como no canto que Nick Pope agarrou e à vontade foi deixado ficar, na área, ao caminhar, olhar ao longe, admirar o horizonte, dar uns passos de balanço, ponderar o que lhe apetecia na manhã seguinte ao pequeno-almoço e arremessar a bola sem que alguém do Benfica se pusesse à sua frente, para o retardar. O lançamento de 59 metros caiu para lá da linha do meio-campo, no caminho de Harvey Barnes, que a recebeu após António Silva falhar o corte. O segundo golo (70’) sentenciou os encarnados, o Newcastle estava imparável contra uma equipa com as vazas ainda mais encurtadas, com Aursnes a lateral e Ivanovic improvisado a extremo, na esquerda. Sudakov foi substituído tal como jogou, desaparecido.
Fosse a partida agraciada por mais tempo, o resultado iria dormir pançudo, tal o desbalanço que o campo acentuava sem dó. O Newcastle, sem amainar na pressão, recuperava uma bola atrás da outra na metade encarnada, cada vez mais uma equipa desequilibrada e a ver Gordon combinar com o calcanhar de Woltemande e a lançar Barnes para o terceiro golo (83’) surgiu em três simples, mas incisivos passes, qualidades fugidas a um Benfica inerte.
Descontados os remates de Lukebakio na primeira parte, não se notou uma ponta por onde puxar algum indício de crescimento na equipa para o futuro próximo, nem nos derradeiros minutos, quando o resultado podia clamar por compactar a organização e atenuar os danos, mas não. O Newcastle recusou-se a abrandar, o Benfica não se protegeu e o findar do jogo proporcionou remates perigosos a Burn, Joelinton e Botman, ainda embalados numa equipa sedenta a ir contra outra inofensiva.
Robbie Jay Barratt - AMA
Disse Mourinho, quando bradou ao saudoso Bobby Robson e à fascinação com que lhe falava desta terra, deste clube, que “as pessoas não vêm a Newcastle para ver jogar, vêm para jogar com a equipa”. O Benfica provou o equívoco, lá foi para ver os ingleses jogarem e agora restam-lhe cinco jogos nesta Liga dos Campeões, ou 15 pontos disponíveis para acrescentar aos zero que tem ao fim de três tentativas. Os sócios encarnados irão com esta imagem à Luz, no sábado, para votarem no próximo presidente enquanto o treinador, saia o que sair das urnas, fica com motivos para acentuar o grisalho no cabelo.
O clube está para decidir quem pretende ter no alto da tribuna. Cá em baixo, no relvado, há muito ao qual atentar de preocupante.