Crónica de Jogo

Inundadas as urnas do Benfica, faltava Pavlidis inundar a Luz com golos

Inundadas as urnas do Benfica, faltava Pavlidis inundar a Luz com golos
MIGUEL A. LOPES

Levados pelo ímpeto dos mais 85 mil sócios que participaram nas eleições do Benfica, os encarnados foram ao Estádio da Luz golear (5-0) o Arouca, agressivos a pressionar a todo o campo e a atacar os espaços em ataques rápidos. Em dia de sufrágio histórico, a equipa fez um hat-trick de penáltis, teve Pavlidis a festejar três vezes e preferiu os esticões ao controlo constante

Em inglês é floodlights, por acoplação. Junta-se a palavra “inundação” à de “luzes” para se chegar ao que em português merece um termo próprio. Para nós é holofotes, sem colar palavras com cuspo, para quem se inglesa é uma inundação de luz. Quando os respetivos se acenderam dentro do Estádio da Luz, as bancadas à pinha, a exacerbação constante de benfiquismo lá fora, desde a oito e meia da manhã, poderia fazer crer, porque as pessoas deixam-se contagiar pelas impressões, que no relvado haveria de ser uma exuberância parecida no crescendo.

Tão cedo que surgiu animação, assim pareceu. Precipitou-se o Benfica para a frente logo no arranque, pressionando alto, envolvendo a área com os seus, forçando os passes com alvo na área. Uma falta à esquerda deu um livre, Sudakov foi bater a tarefa, saiu-lhe sem jeito assinalável e o cruzamento frouxo, a meia-altura, tocou no braço amarelo de Espen Van Ee. O penálti teve outra diligência de Pavlidis, mecânico correr, rematar e festejar (9’) para embalar o interior da Luz no que a plateia ansiava por ter vindo embalada do que vivera no exterior.

Porque desde as oito e meia da manhã que assomaram às urnas e souberam, a cada hora, da boa graça do número de votantes a aumentar, as dezenas de milhar a engordarem rumo aos recordes. A democracia do Benfica resplendecia, animaram-se os sócios e inundaram a eleição para decidirem o presidente, havia uma chama imensa na participação cívica, se calhar não era estapafúrdio juntar a inundação às luzes, mas em português a palavra é outra por tal não se traduzir para um relvado. Pelo menos, para o da Luz.

MIGUEL A. LOPES

De novo, pareceu que sim, outra vez, quando o frenético Prestianni, regressado da final do Mundial sub-20 com a Argentina para se estrear a titular, se esgueirou na frente de Tiago Esgaio. Derrubado do pequeno de cabelo pintado de loiro, houve outro penálti para o cobrador do fraque ser chamado a repetir. Para o mesmo lado rematou Pavlidis (22’), os encarnados engordavam também esta contagem. Mas da pressão a todo o campo, do ímpeto em quererem ir para a frente extraía-se apenas os dois remates a 11 metros, não um fio de jogo sem soluços.

Poucas eram as jogadas com princípio, meio e fim, que punham a equipa a construir da sua área para desempacotar na outra baliza. Os passes limpos de Tomás Araújo não eram correspondidos no miolo, onde Enzo se dedicava mais aos lançamentos longos e o tímido Sudakov, atreito a ficar com a bola, se precipitava em dá-la de primeira. Por duas vezes a desperdiçou na metade do campo encarnada, uma delas para servir Pablo Gozálbez, espanhol que no conforto de só ter Trubin entre ele e a baliza não acertou com o remate no alvo. A partir da meia-hora o Arouca soltou-se, já se viu Puche e Trezza a usarem o avançado Barbero para apoios frontais e a equipa espreguiçar-se, no ataque, à imagem de uma treinada por Vasco Seabra. 

De bola corrida, a inundação de benfiquismo nas urnas fazia a equipa engolir pirulitos no campo. A equipa de José Mourinho, agressiva a querer a bola de volta, apenas criava algo quando apertava os adversários e recuperava a posse no meio-campo alheio, assim Enzo o fez de cabeça para Ríos lançar Pavlidis e o grego tentar um maroto chapéu, que foi à barra. Quando a iniciativa partia do Benfica, era-lhe difícil chegar à área do Arouca como o fazia a partir de cantos de Lukebakio. Foram dois a causar arrelia, ambos a ligar o pé esquerdo do belga à cabeça de Otamendi. Ao segundo, o argentino marcou já nos descontos.

A extrema eficácia inspirou a equipa a carregar um pouco mais na rotação com que fazia as coisas. Esgotado o intervalo, o Benfica voltou para encostar o Arouca atrás, a pressão um pouco mais intensa, os passes com maior acerto, os jogadores decididos a tentarem simplificar as ações. Viveu mal o adversário com a postura, sem saber como livrar-se das chocalhas, nem para impedir os 166 centímetros de Prestianni de ganharem uma bola no ar, logo dar em Pavlidis e o grego, depois de felizardo num ressalto, ter a ratice precisa para chegar ao hat-trick (50’). E vão nove golos neste campeonato para o grego, ninguém tem mais do que ele.

Mais agressiva nas disputas, incisivo depois a explorar os espaços vagados por um Arouca desorganizado na perda de bola, a equipa beneficiava do enérgico Prestianni, capaz de gerar ligações com colegas em espaços curtas ou de acelerar a jogada nos últimos metros. Teve no pé destro um remate em corrida que João Valido, rápido de reflexos, barrou com um braço. Noutro ataque acelerado, Lukebakio teve na chuteira canhota um remate arqueado demais para encontrar a baliza. O Benfica não inundava o jogo com um controlo em linha reta, a viver de respirações constantes, parecia que tinha maior conforto a confiar nos esticões que dava em ataques rápidos

O remate que Schjelderup fez rasar um poste, ao finalizar uma jogada da esquerdo para dentro, teve a mesma moda quando Mourinho já trocara as companhias de Enzo no miolo, colocando João Rego e Leandro Barreiro a escudarem o argentino, gente fresca para vigiar o japonês Fukui, saído do banco como fonte de bons passes no Arouca. Fora Naïs Djouahra, francês também lançado na segunda parte, que existe para vadiar no campo em busca de quem com ele tabele, os visitantes pouco tiveram com que ripostar.

MIGUEL A. LOPES

Nos derradeiros 10 minutos ficaram à vista as costas de muitas cadeiras, destapadas por adeptos que abandonaram o estádio com o relógio ainda a correr. Não viram Franjo Ivanović, poupado a ser extremo improvisado, a chapar um remate de pé esquerdo que o guarda-redes desviou. As gentes que já tinham ido inundar as ruas em redor do estádio quiçá se apressaram a ir para perto de uma televisão, uma casa do Benfica, ou a sede de campanha de um candidato. Ter eleições coincidentes com um jogo obriga a escolhas, a de muitos preferiu não ver o penálti com que o avançado croata fez, já quase no toque do sino, o 5-0. 

Foi praticamente o último ato que os holofotes da Luz iluminaram, uma inundação sobre a relva a juntar à que se foi aglomerando em filas sob água. Muitos sumiram do estádio antes do fim para regressarem à vida cívica benfiquista, as urnas já tinham fechado às 22h, mas a contagem dos votos ainda era infante. “A atmosfera do estádio estava incrível, era um dia especial para o Benfica”, disse Pavlidis quando o jogo acabou, certeiro no resumo. Ninguém ainda sabia quem ia ser o próximo presidente, essa última inundação só lá mais para dentro da noite.

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