Crónica de Jogo

O nome dele é Bernardo Fontes e foi um 31 para a goleada do Sporting

O nome dele é Bernardo Fontes e foi um 31 para a goleada do Sporting
JOSÉ COELHO

É guarda-redes, veio do Rio de Janeiro há cinco anos, tem envergadura de albatroz e garantiu que o Sporting não ganhasse em Tondela com uma vantagem maior (0-3). Cheios de volume ofensivo e capazes de encostar o adversário lá atrás com uma pressão forte após a perda de bola, os leões viram os 197 centímetros de Bernardo Fontes baterem o recorde de defesas do campeonato e impedirem, uma e outra vez, que a vitória evoluísse para uma goleada mais farta

Nesta era de scouts, analistas de jogo em equipas técnicas, plataformas online que em segundos mostram excertos de vídeo com o tipo de ação jogo que se quiser de qualquer jogador de seja for a equipa, fica difícil haver segredos na primeira divisão de futebol. Sendo guarda-redes, Bernardo Fortes não será apetecível para quem se dedica a outra abundância de hoje, os highlights do YouTube.

Mas, sendo o público português umbiguista no seu consumo do futebol nacional, onde o mais comum é torcer por um dos três grandes e o resto serve para enfeitar, o matulão de 197 centímetros que o Tondela incumbe de lhe cuidar da baliza poderia ainda passar despercebido. Cedo mostrou isso ser descabido: ao segundo minuto, com Pedro Gonçalves de bola no pé na área, rápido foi a ensombrar o adversário, saindo da baliza de membros esticados, figura gigante, dando corpo à bola que o médio rematou ao ser servido por Luís Suárez.

Retomou o uso dos seus braços feitos asas de albatroz ao sétimo minuto, quando Geny Catamo, bruto na perna esquerda, rematou com potência e ele teve de saltar para desviar a bola por cima da barra, desviando a atenção de como o Sporting, a usar um esquadro coletivo para mover os jogadores do Tondela, beneficiou do contra-movimento entre Pote e Maxi Araújo para Gonçalo Inácio encontrar o uruguaio, na esquerda, com um passe a rasgar o bloco adversário. O jogo tinha a cara do Sporting, mas acontecia nas barbas de Bernardo Fontes.

O brasileiro com cinco anos de Portugal, chegado ainda adolescente para os juniores do Braga, via as coisas de perto, forçado a sair amiúde dos postes para acautelar as desmarcações com que os chatos Suárez e Catamo massacravam os canais entre os defesas. Não tinha sossego. Cheio de volume ofensivo, o Sporting encostava o Tondela atrás, coeso a pressionar a cada perda de bola usando os muitos homens que projetava nos ataques, sempre com os dois laterais envolvidos. Asfixiados na sua própria casa, os anfitriões mal visitavam a metade de lá do campo.

JOSÉ COELHO

Eram obrigados a despachar bolas, aflitos com a pressão, de uma delas emanou o golo do habilidoso Luis Suárez, um tanque de agressividade nos movimentos e capaz de pequenos toques, desvios e serpenteares finos. Com a ajuda de um ressalto, livrou-se de três defesas e rematou rasteiro (18’), a essa bola Bernardo Fortes não chegou. Foi um acaso irrepetível até ao intervalo e não por falta de peritagem.

O insistente Sporting, dinâmico a trocar a bola, indo para a frente, atrás e aos lados na rotação que cansava o Tondela, ameaçou de todas as maneiras o guarda-redes, talvez pouco gabado por a Serra do Caramulo providenciar disfarce. Ele foi capaz de subtileza no instinto quando Pote, na pequena área, desvio de calcanhar um passe de Suárez para o guarda-redes impedir o golo com a unha da luva, reagindo em menos de um segundo. Lesto a cair, levou a mão à relva enquanto caiu de joelhos, num ápice, para negar uma tentativa de Geny. Depois lançou-se ao tapete, rapidíssimo a reagir, esticando o braço que travou o remate do avançado colombiano.

E lá, colibri no tempo de reação, Bernardo Fontes impediu uma goleada ao intervalo com os tentáculos de que dispõe em vez de braços, as luvas feitas ventosas nas luvas para lidar com a bola. Os jogadores do Sporting tinham os seus e levavam-nos à cabeça.

JOSE COELHO

Nada parecia mudar, incluindo o domínio dos leões que barravam o acesso do Tondela a Rony Lopes e Ivan Cavaleiro, atacantes obrigados a recuar ao meio-campo defensivo para verem a bola de perto. Saíram ambos ao intervalo. Ficou na baliza o carioca de gema, nado no Rio de Janeiro, com pouco de inocente na escolha do número estampado na camisola. Os primeiros minutos após o jogo ser devolvido fizeram-no aparecer logo um par de vezes, uma delas vistosa para se esparramar e defender outro remate de Catamo. O guardião era um 31 para o Sporting,

Pertíssimo esteve o subtil mas potente, bailarino e, se for caso para tal, também bazuca, Luis Suárez, de fechar com sucesso uma interpretação sua de um golo à Bergkamp quando, apanhando uma bola picada para a área, de costas para o defesa, a recebeu com um toque artístico, a fez passar sobre o corpo alheio, tudo dentro da área, para ficar apenas com uma armadura por diante. Azar o seu, era o de Bernardo Fontes, sagaz a adivinhar que o colombiano ainda o queria fintar. Outra porta fechada pelo guardião antes de mostrar ser falível quando Pote, bailando perante dois adversários, arranjou espaço para disparar o segundo golo (59’) com o pé esquerdo.

Mais atrevido se pôs o Tondela com o duplicar da desvantagem. Puxou Pedro Maranhão para o jogo, de vez em quando já ligava apoios frontais de Jordan e, depois, de Yarlen, conjurou um par de jogadas para finalizar nos arredores da área para serem bloqueados por corpos do Sporting, que abrandou, mas não tanto. Num movimento agressivo de ataque ao espaço, Suárez foi acabar a jogada que tinha acelerado, pediu um passe, antecipou-se ao marcador, parecia imparável na sua intenção - mas, sem tocar na bola, só ao ser veloz a fugir dos postes para ser obstáculo ao avançado, obrigou-o a fintá-lo. Tão rápido foi a sair da baliza que o colombiano desviou-se em demasiado, perdendo ângulo de remate.

JOSÉ COELHO

Será um contra-senso teimar no destaque dado ao guarda-redes de uma baliza massacrada, jamais livre de arrelias por cinco minutos seguidos. O Sporting teve a sua mão diminuída no derradeiro quarto de hora, a partida rendeu-se aos esticões e troca de ataques rápidos, pôs-se menos a jeito do pulmão de João Simões influenciar tanto a intensidade com que a equipa recuperava a bola e depois jogava no meio-campo adversário. O jogo também esteve para os 18 anos do médio se mostrarem.

Quem acabou a ter mais montra, com a noite a findar, teria de ser Bernardo Fontes, a deslizar com os seus pés à esquerda, acompanhando o passe de Alisson, à beira da área, que serviu o sorrateiro Francisco Trincão: com um remate rasteiro, em jeito e apontado ao lado contrário, obrigou o guarda-redes a ter de reagir em contra-pé. Foi a última das boas paradas do brasileiro, porque ainda houve um terceiro golo para o Sporting, nos descontos, vindo da cabeça de Geovanny Quenda, surgido de rompante a menos de dois metros da baliza. Fechou a vitória que mantém a pressão dos leões sobre a liderança do FC Porto, com os mesmos pontos à falta de um jogo (que defronta o Moreirense, na segunda-feira).

Nada pôde contra isso Bernardo Fontes, o homem de um jogo que teve 15 remates disparados à sua baliza, onde bateu o recorde de defesas (12) numa partida desta edição do campeonato. Esta noite tornou mais provável que alguém se dê ao trabalho que as compilar em vídeo e publicar na internet, um lugar onde nada se perde. Ficou mais difícil perder este guarda-redes de vista.

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