A fortaleza do Moreirense já era. O FC Porto conquistou-a
ESTELA SILVA
Os dragões tornaram-se na primeira equipa a levar pontos de Moreira de Cónegos, mas não tiveram vida fácil para o conseguirem. A equipa de Farioli partiu em desvantagem e só a dois minutos dos 90’ completou a reviravolta (2-1), mantendo a liderança isolada do campeonato
Se uma fortaleza é assim chamada deve-se à dificuldade que existe para nela se entrar. Na que se erguia no Estádio Comendador Joaquim de Almeida Freitas, o FC Porto teve problemas de acesso ou não tivessem até então falhado todos aqueles que dali tentaram levar pontos.
Os dragões nem sempre foram donos de si. O Moreirense marcou primeiro e com justiça, o que criou um imbróglio aos líderes do campeonato, ainda a digerirem a primeira derrota da época contra o Nottingham Forest. Ainda assim, na segunda parte e já sem o desgosto a remoer no estômago, os azuis e brancos realizaram uma das exibições menos temerárias em jogos frente a adversários encolhidos. Tardio foi o golo da vitória, mas merecido para uma equipa que tantas vezes julgamos ser composta por trabalhadores de fábrica e desta vez parecia estar recheada com os melhores candidatos no processo de recrutamento de mentes criativas.
Digamos que foi o Moreirense que disse ao FC Porto o que ia vestir. Ao baixar as linhas contra a sua própria natureza atrevida, a equipa de Vasco Botelho da Costa empurrou os azuis e brancos para uma dimensão de apelo à imaginação, algo que, paradoxalmente, os dragões geralmente não gostam e, inicialmente, fez cócegas ao oponente.
À estratégia, juntavam-se os bons executantes. Alanzinho é o rei do futebol atómico. Não porque a natureza lhe passou doses humildes de crescimento, mas porque é a matéria fundamental, a base de tudo, o domador de princípios. A telepatia dos três médios do Moreirense começava em Mateja Stjepanović. Quando os dois piolhos da tríade o encontravam de frente, significava que, em princípio, havia algures um buraco na defesa que ao sérvio cabia explorar. Variar para a esquerda, nas costas de Alberto, foi frequentemente uma boa opção.
Nessa zona, Francisco Domingues insistiu com a defesa portista. O lance chegou até Alanzinho a pingar. Tão atravancada que foi a sequência que o remate do brasileiro não podia chegar ao fundo das redes sem raspar em Jan Bednarek.
ESTELA SILVA
Há um inesperado momento em que o futebol parece um lugar racional e cordato. Os breves segundos entre o árbitro rever um lance no VAR e anunciar ao estádio a sua decisão são de uma pureza rapidamente substituída pelos ânimos exaltados que palpitam cronicamente nas bancadas.Durante aqueles instantes de silêncio que ninguém pediu e que nascem da vontade de ninguém querer perder pitada das explicações dadas sobre uma veredicto crucial, fazem-se contas ao destino. No exemplo a que assistimo em Moreira de Cónegos, o FC Porto não teve nada a temer. O puxão de Yan Lincon a Victor Froholdt, quando a bola ainda nem tinha sido movimentada por Gabri Veiga no canto, foi um daqueles erros que compromete qualquer esforço coletivo.
Para inverter o rumo dos acontecimentos, calhou bem ao FC Porto o brinde. De outra forma, os azuis e brancos talvez não tivessem chegado ao empate por intermédio de Samu, algo que terá deixado os minhotos frustrados. O seu bloco baixo, com portas trancadas no fenecer do grande círculo e na entrada da área, foi comprometido por um elemento interno. O rigor que se verificou quando Gabri Veiga foi colocado em posição irregular numa situação em que o médio espanhol até marcou não se estendeu a outros momentos decisivos.
ESTELA SILVA
A subida de nível do FC Porto, que começou a pensar pela própria cabeça e a não cair nas armadilhas, colocou o duelo em termos que deixavam o Moreirense dependente da abrangência de André Ferreira entre os postes. A maleabilidade do português foi efetivamente grande, razão que frustrou as múltiplas ocasiões em que a circulação estonteante do adversário desmontou a última camada de proteção do guarda-redes. Ainda assim, aos 75 minutos, delegou ao poste a função de travar Rodrigo Mora.
Francesco Farioli esvaziou o banco, indo ao fundo do mesmo para promover a estreia de Yann Karamoh, opção que se juntou ao reforço ofensivo trazido por Rodrigo Mora, Deniz Gül e William Gomes. No entanto, foi por muito pouco que Diogo Travassos, numa das poucas saídas permitidas ao Moreirense na segunda parte, não devolvia a vantagem aos cónegos. Graças à contundente reação à perda demonstrada pelo FC Porto, seria ingrato.
Sobravam poucas soluções para Farioli tentar ser o primeiro treinador a vencer esta época em Moreira de Cónegos. Taticamente, não havia mais por onde jogar. Restava deixar que a tempestade acontecesse e chovesse um golo. Teve que ser às três pancadas: uma em Bednarek, outra em Kiwior e, finalmente, uma em Deniz Gül. A faltarem dois minutos para os 90’, o sueco fez o 2-1 num canto batido para o barulho da trovoada.